sábado, 9 de março de 2024

Em 2023 o metro de Lisboa não atingiu os valores de 2019

A notícia do Público era clara   (https://www.publico.pt/2024/03/08/economia/noticia/transporte-passageiros-recuperou-niveis-prepandemia-2023-metro-excepcao-2083010)   segundo os números do INE,o metro de Lisboa, contrariamente aos metros do Porto e do Sul do Tejo, ainda não atingiu o volume de passageiros transportados em 2019. Em 2023  166 milhões de passageiros, em 2019  183 milhões.

 https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=639474196&DESTAQUESmodo=2

É importante tentar perceber porquê, sem o complexo futebolístico de querer substituir o treinador, neste caso a administração. Esta, como ela própria reconhece, limita-se a executar as determinações da tutela. Aliás, quando foram nomeados, os seus membros não tinham experiência de operação ou manutenção de metropolitanos. Então, voltando à analogia futebolística, não é preciso afastá-la, mas apenas rever os níveis de decisão das equipas técnicas ou de validação de informações técnicas junto da administração,  distinguindo entre quem tem as competências técnicas adequadas e quem não  assessora convenientemente a administração ou, pelo menos, não as equipa com os argumentos certos quando da tutela vem o esquecimento da urgência na aquisição de material circulante, de admissão de maquinistas e técnicos de manutenção (ficou na história do metro a paralisação em 2016 de 30 comboios porque a febre das cativações impediu a aquisição de menos de 1 milhão de euros de rodados), ou a crença em razões subjetivas para justificação de uma linha circular.

Deu-se  até o caso, em 2023, da taxa de utilização do metro de Lisboa (quociente entre os passageiros-km transportados e os lugares-km disponibilizados) ser a melhor dos três metros: média  24% , atingindo 26% em maio de 2023. Isto é, embora a procura possa ter sido reduzida relativamente a 2019, ela é ainda suficientemente forte para se poder discordar de medidas de "ajustamento" da oferta à procura como por exemplo o recurso ao término intermédio de Campo Grande, com um número significativo de passageiros a apearem-se compulsivamente, porque alguém vendeu à administração a ideia que fora das horas de ponta não há procura para Odivelas: Ver figura (5 minutos de espera também por motivos de segurança da manobra).


Não venham também com a conversa que o teletrabalho retem as pessoas em casa e diminui a afluência à cidade. Dirá isso quem não contemplou o congestionamento rodoviário na 2ª circular, na CRIL e CREL, no IC19, nas travessias da cidade e ligação às periferias, a ditadura do transporte individual por deficiência do transporte público (má assessoria nos planeamentos da rede?).

Por outras palavras, parece aplicável a lei de Say, se aumentarmos a oferta, estimulamos a procura. Porém, o problema existe se não conseguimos aumentar a oferta e se não o reconhecermos.

Vejamos então  as possíveis razões por que o metro de Lisboa ainda não atingiu os valores de 2019:

1 - Limitações em termos de material circulante disponível e do quadro de maquinistas o que implica menos comboios em linha, intervalos entre comboios maiores e afluência maior de passageiros, desincentivando a procura. Em 2020 foi assinado o contrato para o fornecimento de 7 comboios de 6 carruagens a fornecer na totalidade até ao fim de 2025. Em novembro de 2023 foi lançado o concurso para mais 12 comboios de 6 carruagens (com opção para mais 6 comboios). Isto é, teremos 55+19=74 comboios de 6 carruagens por volta de 2028  . Em 2023 foi concluido mais um curso de maquinistas.

Mas vejamos  quantos comboios de 6 carruagens seriam necessários na rede existente e na rede após a inauguração da linha circular para garantir um intervalo de 3 minutos entre comboios em todas as linhas, contando cerca de 10% para reserva e manutenção.

Rede atual, nº de comboios de 6 carruagens por linha para intervalo de 3 minutos:

Odivelas-Rato             19
Telheiras-Cais Sodré   16
Linha Vermelha           18
Linha Azul                   23

  total                            76         problema: só existem 55 comboios de 6 carruagens


Rede após a linha circular, nº de comboios de 6 carruagens por linha para intervalo de 3 minutos:

Linha circular               25
Odivelas-Telheiras        11
Linha Vermelha            18
Linha Azul                    23  

total                              77       problema: contando os 55 existentes e os 19 contratados e anunciados
                                                (sem a opção de mais 6) teremos apenas 74 comboios de 6 carruagens    



O cálculo do material circulante necessário (pode substituir-se o intervalo entre comboios no quadro
Excel para ver o efeito no número de comboios necessário) pode ver-se em:

https://1drv.ms/x/s!Al9_rthOlbwezTny_D0PP5sGiRuz?e=JFq0NV

2 - A imprensa técnica especializada na ferrovia apressou-se, quando do desenvolvimento da pandemia de 2020, a divulgar sugestões de melhoria do interior dos comboios para contrariar a disseminação da doença. O metro de Lisboa adotou medidas eficazes de desinfeção e de limpeza das carruagens. Porém, não foi suficientemente longe, não se chegou a melhorar a ventilação no interior das carruagens (ela existe e tem vários níveis de intensidade, mas é difícil para o maquinista adequá-la à ocupação das carruagens). Teria sido desejável melhorar a ventilação com orifícios na parte inferior da carroçaria forçando a circulação do ar o mais longe possível dos rostos dos passageiros. Quando o comboio vem cheio, ao abrirem-se as portas quem entra sente o bafo quente e terá de o respirar (por isso é recomendável  o uso de máscara). O ar viciado deveria ter sido expelido no percurso entre estações onde os ventiladores dos postos de ventilação principais fixos extraem o ar para o exterior, enquanto nos postos de ventilação das estações o ar fresco é injetado nos cais a partir do exterior. Desconhece-se se o novo material circulante vem equipado desta maneira. A ponderar também a instalação de lâmpadas germicidas.

É compreensível que para muitas pessoas haja uma retração por este motivo para utilização do metro. Evidentemente que com mais comboios nas linhas e comboios menos cheios haveria maior poder de atração.   Deveria aprofundar-se esta questão. 


3 - A desestruturação urbanística em curso em Lisboa  (nomeadamente a subida das rendas, a falta de habitação acessível, a gentrificação, o crescimento do alojamento local para turistas, o abandono da Baixa por agencias bancárias, outras empresas e entidades governamentais, a deslocação de atividades económicas dos setores secundário e terciário para as periferias)   contribui para a deslocação das pessoas para os concelhos limítrofes com crescimento da sua população e decrescimento da população de Lisboa, como confirma o censo de 2021 . 

O predomínio do transporte individual (nomeadamente sem portagens junto de parques dissuasores nos limites da cidade com alternativa de transporte público de modos pesado e complementar, e sem uma rede reticular de modos complementares desde LRT em vias segregadas e pistas segregadas para transporte autónomo a pedido), apesar dos incentivos tarifários introduzidos, completa o efeito da desestruturação urbanística.

Só um planeamento correto de toda a área metropolitana  de Lisboa poderá corrigir, a médio prazo, esta inconformidade, incluindo a elaboração em modo participativo até dezembro de 2027, conforme os regulamentos comunitários do SUMP (sustainable urban mobility plan - https://transport.ec.europa.eu/transport-themes/urban-transport/sustainable-urban-mobility-planning-and-monitoring_en) .  

Infelizmente, até agora não tem sido visível da parte das tutelas dos transportes urbanos e suburbanos a plena adesão a estes objetivos, preferindo-se intervenções por fases, eventualmente incompatíveis, sem uma visão integrada e de longo prazo (exemplos: a linha circular em vez do prolongamento da linha amarela  do metro à estação de Alcântara Mar, a ligação da linha de Cascais à linha de cintura em vez do prolongamento da linha vermelha do metro a Algés/Carnaxide/ Jamor, a linha violeta em U em vez do prolongamento do metro de Odivelas ao Hospital Beatriz Ângelo).  

Mas como se diz acima, se prevalecerem "justificações" subjetivas e se não houver participação e escutados técnicos experientes, não será otimista a previsão.




 

domingo, 3 de março de 2024

Uma unidade de execução de Marvila, em março de 2024 e a decidida ligação de alta velocidade à ponte Chelas-Barreiro

 Graças ao Público e ao jornalista  Samuel Alemão tomei conhecimento de que decorria até 13 de março uma consulta pública sobre a proposta de definição do âmbito (PDA) do estudo de impacto ambiental (EIA) de uma unidade de execução em Marvila que pretende recuperar urbanisticamente a zona de Marvila depois do abandono de instalações fabris e oficinais e da degradação que atingiu. Observo que é generosa a classificação de "pública" dada à consulta, que decorre silenciosamente, como silenciosa e discreta foi a elaboração do estudo prévio de arquitetura que enforma a presente PDA. Defendo, pelo contrário, e de acordo  com o artigo 65.5 da constituição da República, a participação aberta dos cidadãos na elaboração dos instrumentos de gestão do território, pelo que já é tardia a informação da presente PDA.

https://www.publico.pt/2024/02/27/local/noticia/megaurbanizacao-marvila-enterrara-linha-norte-muda-zona-oriental-lisboa-2081750

Como se sabe, problemas complexos de ordenamento do território requerem uma análise pluridisciplinar e abrangente, holística como gostam de dizer os "key note speakers" nos seminários. Não parece ser este o caso quando está por definir a ligação da zona abrangida pelo presente anúncio  às outras zonas de Marvila e adjacentes, especialmente em termos de mobilidade (nomeadamente segundo os eixos SW-NE, S-N, SE-NW, E-W), duvidando-se do nível que a urbanização proposta possa atingir, quando comparada com as urbanizações de Alvalade, Olivais, Telheiras. 

Segundo as boas práticas, devem ser estudadas várias hipóteses e submetê-las a comparação de custos e benefícios (não digo que os autores da proposta não o tenham feito, mas se o fizeram, isso não foi participado publicamente). 

Igualmente parece criticável fazer depender toda a urbanização e a mobilidade desta zona do projeto da terceira travessia sob a forma da ponte Chelas-Barreiro. Esta foi projetada quando se pensava localizar o novo aeroporto em Rio Frio, portanto na direção de Pinhal Novo, o que entretanto mudou. A própria curva da ponte para a Gare do Oriente é agora discutível, uma vez que está por estudar a hipótese de localização da estação de alta velocidade na aeroporto Humberto Delgado e não na Gare do Oriente, libertando espaço na zona em apreço (ver desenho no ponto 4 mais abaixo) e poupando a escola Afonso Domingues. 

Apresento também no ponto 5 abaixo duas hipóteses para a TTT, por ponte, túnel ou ambos,  que deverá ser compatibilizada com a quarta travessia e com uma grande circular externa suburbana de LRT. Logo, aqui também está ausente a comparação entre várias soluções possíveis mas não estudadas com participação pública, o que poderá ter como consequência dever resolver-se primeiro o problema do PROTAML. Quando, como aliás a proposta refere, o PROTAML é de 2002 e muita coisa mudou entretanto, parecerá que  incluindo as soluções para o novo aeroporto, as travessias do Tejo e a ferrovia de alta velocidade, convencional, suburbana e de mercadorias, deverá esperar-se pela atualização do PROTAML e estudar as soluções possíveis para Marvila e subsequente EIA. 

https://participa.pt/contents/consultationdocument/UE%20Marvila_PDA_v1.pdf











Torre Marialva junto da linha do Norte, a 3 km de Santa Apolónia e no local onde se projeta o soterramento da linha em 400 m para sul

passagem superior sobre a linha do Norte com vista para o rio, junto da torre Marialva



                                                             xxxxxxxxxxxxxxxx



Junto o meu parecer com os comentários sintetizando as observações anteriores e que enviei ao portal "participa":

1 -  Como a  PAD refere, o PROTAML é de 2002 e muita coisa mudou entretanto. Tentarei justificar nos comentários seguintes que, integrando o PROTAML o estudo das soluções para o novo aeroporto, as travessias do Tejo e a ferrovia de alta velocidade, convencional, suburbana e de mercadorias, deverá ponderar-se seriamente a atualização do PROTAML e estudar, numa perspetiva abrangente das outras zonas de Marvila e adjacentes, as soluções possíveis para Marvila e subsequente EIA. É meritório recuperar urbanisticamente a zona de Marvila depois do abandono de instalações fabris e oficinais e da degradação que atingiu, mas até agora a participação pública na elaboração do estudo prévio de arquitetura que enforma a presente PDA foi discreta. Defendo, pelo contrário, e de acordo  com o artigo 65.5 da constituição da República, a participação aberta dos cidadãos na elaboração dos instrumentos de gestão do território.  Em resumo, proponho a reformulação e alargamento do âmbito da PDA não apenas focando componentes ambientais mas também componentes técnicas relevantes, como as relacionadas com as infraestruturas de transportes de todos os níveis envolvidas.

2 - Problemas complexos de ordenamento do território requerem uma análise pluridisciplinar e, repito, abrangente. Segundo as boas práticas, devem ser estudadas várias hipóteses e submetê-las a comparação de custos e benefícios (não digo que os autores da proposta não o tenham feito, mas apenas que isso não foi participado publicamente).

3 -  Aparentemente está por definir a ligação da zona abrangida pela presente PDA  às outras zonas de Marvila e adjacentes, especialmente em termos de mobilidade (nomeadamente segundo os eixos SW-NE, S-N, SE-NW, E-W), duvidando-se que a urbanização proposta possa atingir o nível das urbanizações de Alvalade, Olivais, Telheiras, quando com elas comparada.

4 - Parece criticável fazer depender toda a urbanização, e a mobilidade desta zona, do projeto da terceira travessia sob a forma da ponte Chelas-Barreiro. Esta foi projetada quando se pensava localizar o novo aeroporto em Rio Frio, portanto na direção de Pinhal Novo, o que entretanto mudou. A própria curva da ponte para a Gare do Oriente é agora discutível, uma vez que está por estudar a hipótese de localização da estação de alta velocidade na aeroporto Humberto Delgado (admitindo uma cota de 55 m para o plano base de via) e não na Gare do Oriente, libertando espaço para os pilares de acesso à ponte na zona em apreço, o que, ainda que mantendo a ligação à linha de cintura na direção da estação Olaias (onde aliás a IP prevê uma estação de interface com o metro) poderia viabilizar a não demolição da escola Afonso Domingues e a sua reintegração no sistema educativo nacional (estranha-se não se ter procurado uma solução que evitasse a demolição). Observa-se que para a linha de cintura está prevista a sua quadruplicação desde a estação Areeiro até Braço de Prata e Oriente devendo contar-se com uma ocupação de cerca de 14m adjacente à atual via dupla. Terá também de se contar com igual largura para uma faixa destinada à linha de alta velocidade totalizando 28 m além da via dupla existente, parecendo assim insuficiente a largura de 10 m invocada na página 30 da PDA. Junto desenho.


5 -  No âmbito da atualização do PROTAML conforme as premissas do ponto 2 será necessário comparar várias hipóteses para a localização da terceira travessia do Tejo, por ponte, túnel ou ambos,  que deverá ser compatibilizada com a quarta travessia rodo-ferroviária (Trafaria-Algés) e com uma grande circular externa suburbana de LRT. E que  essa comparação seja feita com participação pública. Junto duas hipóteses para travessia ferroviária , uma entre foz do Trancão-Alcochete Norte e outra entre Beato-Montijo no pressuposto da estação de alta velocidade no aeroporto Humberto Delgado  e ligação de alta velocidade pela margem direita do Tejo.




6 - Aplaude-se a preocupação com o sistema de escoamento de águas pluviais e a intenção de construção de bacias de retenção (pág.12), julgando que na fase do  PDA já poderiam vir indicadas as suas localizações e , muito importante, as ligações ao troço do plano de drenagem cujo troço Chelas-Beato atravessa a zona em apreço, o que certamente o EIA esclarecerá.

7 -  Regista-se com apreço a previsão de estacionamento para moradores e seus visitantes, comerciantes e público, mas parece que nos dois casos será limitado, implicando mais pisos subterrâneos e a construção de auto-silos. Sobre a natureza das vias, para além das considerações do ponto 3, julga-se que deveriam ser previstas vias de 4m de largura para veículos autónomos a pedido, partilháveis com velocípedes e analisadas as hipóteses para espaço canal para LRT segundo alguns dos eixos do referido ponto 3

8 - Afigura-se que um parque verde de 8 ha (pág.14) será de difícil gestão, nomeadamente em termos de segurança, caso o seu projeto não pondere este problema. Sugere-se à imagem do parque do INATEL 1º de maio uma utilização desportiva em horário prolongado e uma ligação pedonal a Chelas e ao parque da Bela Vista

9 - Embora o PDM refira as percentagens para habitação, serviços e comércio, julga-se que o alargamento do âmbito da PDA a áreas adjacentes justificará a sua revisão, nomeadamente para inclusão de percentagens para habitação acessível e para atividade oficinal ou de pequenas fábricas.

10 - A cobertura de 400m de comprimento da linha férrea é uma excelente solução, mas por razões de custos deverá ter intervalos a céu aberto.

11 - na pág.22 considerar que já existe maquinaria pesada de obras com alimentação elétrica com posto de transformação móvel para redução de emissões





PS em 5mar2024 - curiosamente, hoje o "Público" reporta uma inciativa do governo para aproveitamento dos edifícios e da zona da antiga Manutenção Militar,  "o bairro do Grilo",  cujo coordenador manifesta preocupação com os termos da proposta da unidade de execução de Marvila nomeadamente em termos  de falta de habitação acessível:














segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Os números de 2023 das exportações e importações

 Consultado o site do INE obtive o seguinte quadro para os valores de exportações e importações de bens em 2023

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_indicadores&indOcorrCod=0008151&contexto=bd&selTab=tab2


Os valores não diferem muito dos de 2022 que podem ser consultados em:

Tem interesse ver os valores para as importações e exportações terrestres de e para Espanha e de e para UE para avaliar o volume desejável de transferência de carga rodoviária de exportação para a ferrovia, registados a partir de:


Verifica-se que em valor, as exportações para Espanha por modos terrestres (39,15%) são inferiores ao exportado para o resto da UE embora em peso o valor para Espanha seja superior (10,84 milhões de toneladas contra 5,55 milhões para o resto da Europa).

Todos os que trabalham, a qualquer nível,  das administrações aos precários, nas empresas exportadoras de bens legítimos, são especialmente  credores da gratidão dos cidadãos e cidadãs nacionais.

Vejamos a balança de serviços, comparando-a com a de bens e saudando também quem trabalha nas empresas exportadoras:



Temos assim uma contribuição significativa do turismo para o equilíbrio da balança comercial (bens+serviços), da balança corrente (comercial+rendimentos) e finalmente da balança de pagamentos essencial para as contas externas (corrente+capital+financeira).
No fundo, para além dos artifícios da balança financeira com antecipação da amortização de obrigações ou antecipação ou adiamento do registo de ativos e de passivos, e para além dos proveitos da balança de capitais com os fundos comunitários e o PRR, são fatores de equilíbrio o turismo e as remessas de emigrantes (na balança de rendimentos secundária). 
Fica como fator fortemente negativo a necessitar de correção as exportações de bens que deverão crescer e compensar as importações (por exemplo, ligações ferroviárias à Europa interoperáveis com transferência de carga rodoviária para a ferrovia por exemplo com transporte de semirreboques por comboio).








Como ameaças ou principais fatores de risco, temos a insuficiência das exportações, o excesso de importações, a incerteza dos fundos comunitários, os dividendos devidos a investimentos estrangeiros, os juros, a incerteza da continuidade das receitas do turismo e das remessas de emigrantes, a dependência de fatores externos na balança financeira.

Como fator positivo, que embora por si só não assegure a soberania económica do país (ver https://www.publico.pt/2024/02/26/opiniao/opiniao/queda-divida-externa-boa-noticia-nao-chega-2081581  )  temos segundo o BP a redução da dívida externa pública e privada para 53,54% do PIB, comparando-se com 2022 no seguinte quadro



Observações finais: aguarda-se a próxima atualização em 21mar2024 da informação do BP sobre os valores de 2023, considerando-se que a sua informação de 20fev2024 contem discrepâncias:
i) relativamente aos dados do INE no referente às exportações e importações de bens (o saldo da balança de bens e serviços segundo o INE terá sido de 661 milhões de euros e não de 3.300 milhões segundo o BP; considerar que nos quadros por modo de transporte do INE a coluna Não Aplicável chega a atingir 14% do total por ponto de destino ou origem; mercadoria não registada normalmente?)
ii) relativamente aos dados do IGCP no seu boletim mensal de 25fev2024, em que indica para a dívida pública o valor de 296 mil milhões de euros em dez2023 e de 288 mil milhões em jan2024, portanto superior ao valor do PIB     https://www.igcp.pt/fotos/editor2/2024/Boletim_Mensal/02_BM_fev24.pdf  

Seria desejável o esclarecimento destas questões uma vez que não o é a exigência de que cidadãos sem conhecimentos profundos de contabilidade oficial  compreendam estes pormenores de assuntos de interesse público e estejam sujeitos  a manipulações dos dados de forma otimista.    
 

contas trimestrais do INE em 29fev2024, com números menos otimistas:






domingo, 25 de fevereiro de 2024

Apresentação na sessão da ADFERSIT de 15fev2024 sobre mobilidade na AML

 

Apresentação na sessão da ADFERSIT de 15fev2024






































COMENTÁRIO ADICIONAL


Todas as intervenções na sessão da ADFERSIT de dia 15 de fevereiro de 2024 poderão ser vistas em:    https://www.youtube.com/watch?v=ECiNxYCxzc0 .


Na minha apresentação  identifiquei-me com a  análise que o prof. Mário Lopes fez na sua apresentação, criticando os critérios seguidos na elaboração e na execução do plano de 2009 de expansão do metro, o qual motivou imediatamente aquando da sua apresentação a oposição das direções técnicas de operação e de manutenção de infraestruturas. Igualmente o seu processo jurídico, apesar do acordo de início das autarquias, careceu da validação pela Assembleia da República, a qual detém, nos termos do artigo 165.1.z  da Constituição da República Portuguesa, a exclusiva competência legislativa sobre bases do ordenamento do território.

Os referidos critérios do plano de 2009  privilegiam  a segmentação ou circunscrição de zonas em detrimento da abertura da rede às periferias visando a construção de parques dissuasores do transporte automóvel junto das vias rápidas CRIL, CREL  e AEs ,  taxando o acesso em transporte automóvel a partir desses pontos desde que houvesse linha de metro de acesso ao centro e complementando as linhas de metro no centro com modos complementares (LRT, autocarros elétricos, frotas partilhadas, vias segregadas para cabinas autónomas a pedido). 
Não foi esse o caminho seguido com a escolha pela linha circular desvalorizando o facto de a sua fiabilidade ser inferior à das duas linhas que lhe equivalessem topograficamente, com a não correspondência do prolongamento da linha vermelha com a  linha de Cascais, ou com a escolha de uma linha violeta de LRT em U que exige um túnel de 3km quando para o prolongamento da linha de metro existente de Odivelas ao Hospital Beatriz Ângelo, com parque dissuasor para o transporte individual proveniente de Ericeira, Mafra, Malveira e Torres Vedras, bastaria um túnel de 3,5 km (libertando o restante da linha violeta para uma ligação linear entre Infantado e Odivelas Poente; registe-se ainda a crítica desse troço ocupar demasiadamente a estrada EN8 em vez de privilegiar o percurso em viaduto sem interferências com o transito automóvel integrando-se no traçado previsto para a grande circular externa em LRT do PROTAML  de 2002 ainda não revogado).
Procurei também na minha apresentação sublinhar a importância da atualização do PROTAML (plano regional de organização do território da área metropolitana de Lisboa) incluindo a compatibilização das infraestruturas de todos os modos de transporte, e que o processo dessa atualização seja aberto e participado ao longo de todas as fases do seu desenvolvimento sem cláusulas de confidencialidade. Tal atualização deveria ser compatibilizada com a elaboração do plano de mobilidade urbana sustentável.
requerido pela revisão do regulamento 1315 das redes transeuropeias TEN-T. Curiosamente, é anunciada na apresentação do eng. Faustino Gomes, dos TML (Transportes Metropolitanos (rodoviários) de Lisboa) que esta já iniciou o processo de elaboração do PMMUS (plano metropolitano de mobilidade urbana sustentável) com a consultora W2Go advogando um processo participativo em sintonia com os requisitos da regulamentação comunitária referida. Esta apresentação reflete o entusiasmo e o otimismo com que o colega Faustino Gomes trata o problema. Infelizmente não posso acompanhá-lo no otimismo, uma vez que a experiência que tive em várias consultas públicas e em vários contactos com entidades de transportes de câmaras municipais têm-se resumido a receber como resposta que os meus argumentos são irrelevantes e que o assunto já está resolvido de outra maneira. Não tenho assim qualquer esperança que seja debelada a moda do metrobus ou do LIOS (não parecem sensíveis os gestores dos transportes municipais à menor eficiência energética do transporte sobre pneus em comparação com a solução ferroviária, nem à ausência de espaço canal para os traçados do LIOS, nem à modesta velocidade comercial que uma elementar medida de segurança contra atropelamentos imporá). 
Uma das razões por que estamos numa situação de mau serviço do transporte público é a descoordenação entre os vários operadores e a subsistência da falta de atualização do PROTAML , que na prática se considera desligado do planeamento dos operadores de transporte. Evidentemente que é de saudar a iniciativa dos TML porque a alternativa mais provável seria a manutenção da não atualização do PROTAML e ficarei contente se estiver enganado ao ter alguma descrença no método proposto.
Voltando à minha apresentação, no panorama geral dos transportes na área metropolitana de Lisboa, sobressairá uma estrutura deficiente do urbanismo e das zonas de atividade primária, secundária e terciária, uma rede de transportes ferroviários insuficiente e, para compensar isso, um peso exagerado do transporte individual e, em menor parte,  do transporte rodoviário. Verifica-se ainda, mesmo nas áreas suburbanas, o desenvolvimento dos sistemas TVDE, lamentando-se que da parte pública não haja correspondência para o desenvolvimento de vias segregadas de transporte autónomo a pedido. 
No caso do metropolitano, é chocante a insuficiência nas ligações às periferias de Lisboa e à zona ocidental da cidade, o que se reflete na dificuldade de atingir o volume de tráfego anterior à pandemia. Para isso também contribui a política restritiva de  cativações ou diferimentos orçamentais responsável   i) pela paralisação de 30% da frota em 2016 por falta de aprovação da despesa de aquisição de novos rodados   ii) pelos atrasos na admissão de novos maquinistas e de novo material circulante, implicando maiores tempos de espera no serviço de passageiros iii) pela ausência de melhoria do sistema de ventilação das carruagens para redução do risco de contágio o que seria um fator atrativo para os passageiros.  
Tentei também relacionar o crescimento da quota modal do transporte individual com a redução da população de Lisboa, pondo a hipótese de que para reduzir a taxa de motorização de 50% para 40% será necessário aumentar a população de Lisboa de 544 mil para 620 mil habitantes, coisa difícil  numa altura em que agencias bancárias vendem prédios na Baixa para construção de hotéis ou fundos estrangeiros compram habitações para alojamento local. 
Para sublinhar a importância do "last mile" ou modos complementares de baixa capacidade e a pedido ("e-hailing", "on demand"), apresentei uma série de referências de fabricantes e a experiência do projeto FABULOS. O objetivo deveria ser a generalização do conceito de ciclovias em vias dedicadas. com 4m de largura, para cabinas autónomas a pedido e bicicletas, como modo complementar em zonas de baixa densidade.
Fiz uma pequena análise multicritério para seleção do modo de transporte comparando para cada fator (capacidade, eficiência energética, ocupação da superfície, segurança, investimento/passageiro-km) o metro, o metrobus, o automóvel privado e a bicicleta.
Vivendo-se neste momento as dúvidas sobre a solução para o aumento da capacidade aeroportuária da área de Lisboa e sobre a sua viabilidade financeira e calendário para a execução, têm sido apresentadas i) como soluções consolidadas a terceira travessia do Tejo por Chelas-Barreiro, a quadruplicação da linha do Norte em Alhandra/Vila Franca de Xira à superfície (quando o indicado seria em túnel por razões urbanísticas) , a localização da estação de alta velocidade na gare do Oriente com remodelação total da estação e afetação da estação de metro (quando não foi sequer estudada a hipótese da sua localização anexa ao AHD) e a remodelação das linhas suburbanas ferroviárias no PFN - plano nacional ferroviário (apesar de desligado da atualização do PROTAML e sem a pronúncia da Assembleia da República) e ii) como soluções em estudo a ligação de alta velocidade Carregado-Lisboa pela margem direita (solução da RAVE  de 2008), ligação pela margem esquerda servindo o novo aeroporto num percurso de mais 50km do que pela margem direita (solução da CTI do novo aeroporto) e a relocalização do terminal de contentores  da Bobadela (a ausência de um planeamento das plataformas logísticas intermodais na AML foi muito bem assinalada na apresentação da engra Susana Castelo) . 
Lamenta-se mais uma vez a imposição de soluções sem um debate técnico e público suscitando a convicção de que as decisões são tomadas ao nível dos ministérios e das secretarias de Estado em função de argumentos não diretamente associados à engenharia das infraestruturas ou da sua gestão e operação, por exemplo de natureza financeira, considerando-se mais relevantes argumentos doutra natureza e impostas as soluções aos operadores e gestores de infraestruturas que dependem das tutelas . A ligação Chelas-Barreiro justificava-se quando a previsão do novo aeroporto era em Rio Frio. Igualmente a decisão entre ponte ou túnel depende de uma campanha de sondagens geológicas que não foi feita. Deverá compatibilizar-se o planeamento dos novos traçados na AML com o regulamento revisto das redes transeuropeias TEN-T de alta velocidade. 
Dir-se-á que toda essa discussão atrasa o processo decisório mas parecerá que deontologicamente compete aos técnicos apresentar, sujeitas a análise multicritérios, as soluções que consideram corretas . Apresentei por isso alguns diapositivos com  hipóteses de novos traçados na área urbana de Lisboa e na área metropolitana que necessitariam de comparação segundo os critérios das análises de custos benefícios definidos na regulamentação comunitária, embora sem esperanças de que essa comparação venha a ocorrer. 
Em resumo, as observações finais do presidente da ADFERSIT, prof. Nunes da Silva (momentos 2:35 e 2:38 no youtube) sintetizam a gravidade do momento que se vive em claro défice de infraestruturas e com procedimentos de tomada de decisões que se traduzem em maus investimentos (por exemplo, na quarta travessia Trafaria-Algés é imperioso prever-se canal para o LRT) que ameaçam o crescimento económico.

























































































quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Ouvindo o prof.Abel Mateus

 

 

Confesso que não concordei com todas as apreciações do prof.Abel Mateus, primeiro presidente da autoridade da concorrência, nas entrevistas que deu sobre a linha de alta velocidade e sobre o novo aeroporto, mas, graças à Antena 2 e ao seu programa Palavras Cruzadas, é muito interessante ouvi-lo sobre a concorrência.

De facto, é uma pena não se conseguir melhorar a lei da contratação pública (ao menos elimine-se a proposta de preço mais baixo), nem que os intervenientes na justiça avaliem corretamente a relevância dos fatores técnicos, nem que nas empresas se consiga ir abandonando o método top-down em benefício de maior grau participativo (lá está, se se quer produtividade tem de se ter formação, interesse na eficiência, cogestão, quaisquer que sejam as crenças individuais … )

 

Alguns episódios do programa:

 

Concorrência e competitividade, ver carteis da banca e dos supermercados no momento 5:50, e no fim, a nossa justiça não consegue executar ou perdoa as multas aos carteis:

https://www.rtp.pt/play/p8296/e749362/palavras-cruzadas 

 

Oligopólios ou mercados com 2 ou 3 empresas, propícios a conluios, proteção da Brisa contra o parecer da autoridade da concorrencia:

https://www.rtp.pt/play/p8296/e749062/palavras-cruzadas

 

Carteis, cambões ou conluios nos concursos públicos para o SNS:

https://www.rtp.pt/play/p8296/e748628/palavras-cruzadas

 

Um caso prático da Captrain na ligação do porto de Valencia

 Devemos prestar atenção aos problemas encontrados pelos operadores ferroviários de mercadorias na península ibérica. Como consequencia  dos conflitos no médio oriente o tráfego marítimo no mar vermelho tem constrangimentos graves e muitos cargueiros dão a volta pelo cabo da boa esperança. O porto de Valencia e a Captrain sofrem também as consequencias conforme relata o artigo do El Mercantil:

https://elmercantil.com/2024/02/07/la-conexion-ferroviaria-de-cosco-entre-valencia-y-portugal-alcanza-el-centenar-de-circulaciones/

Situação desde fevereiro de 2022 - acumuladas em fevereiro de 2024  100 viagens semanais da Captrain entre o porto de Valencia e os portos de Lisboa e de Leixões.  Um comboio com locomotiva diesel e cerca de 500m parte de Valencia às 5as feiras e regressa de Leixões e Lisboa às 2as feiras

A crise do mar vermelho impediu o aumento das frequencias. Notar o esquema das ligações da e para a China através da ligação ao porto de Valencia (terminal da Cosco) , da ligação ferroviária por bitola ibérica em comboios da Captrain com 500m de comprimento e locomotiva diesel equipadas com Convel e Asfa (por Xativa, Albacete, Puertollano, Merida, Badajoz, Elvas, Torre das Vargens, Abrantes, Entroncamento, Leixões, Lisboa) e da ligação marítima entre Leixões/Lisboa e Antuérpia/Bruges. Como movimentos dominantes,  Valencia exporta para Lisboa e importa de Leixões. Curiosamente, a.intervenção do percurso ferroviário permite uma economia de tempo de cerca de 1 mês entre a origem chinesa e o destino Antuérpia.

Dadas as perturbações do mar vermelho, os importadores preferem agora a cabotagem entre portos mediterrânicos, possívelmente Sines e Setúbal, Lisboa e Leixões

Certamente que a Captrain concordará comigo, embora habitualmente não se lhe conheçam grandes críticas aos governos espanhol e português, que se se pretende a ligação internacional entre a China e o norte da Europa , para além da ligação terrestre conhecida como Belt and Road Initiative [1] , esta rota marítima pelo mar  vermelho, uma vez estabelecida a paz, e o seu complemento de ligação ao norte da Europa, deveria poder fazer-se pelo corredor mediterrânico de bitola europeia e ERTMS que em Valencia estará disponível, se as promessas do governo espanhol não falharem, em 2025          https://elcorredormediterraneo.com/tramo/tramo-2-figueres-girona/.
Igualmente seria interessante para a Captrain  a adoção do ERTMS nos percursos de mercadorias em Portugal (pessoalmente continuo com as maiores reservas sobre o programa do STM que deveria ser publicamente esclarecido; recordo que a revisão do regulamento 1315 prevê a desativação nos corredores internacionais de  sistemas de sinalização e controle de velocidade diferentes doe ERTMS  até 2040) . 
Também seria do interesse da Captrain a progressiva extensão da bitola europeia dos Pirineus aos portos portugueses nos dois ramos do corredor atlântico para serviço também de mercadorias (pendente máxima 1,2%). Aqui também o regulamento 1315 revisto não é claro em termos de calendário como é para as ligações para passageiros (core 2030, extended core 2040 e comprehensive 2050), limitando-se a recomendar a progressiva integração das mercadorias nos corredores internacionais da rede TEN-T, pelo que seria desejável uma tomada de posição clara dos operadores ferroviários, atendendo a que Portugal exporta por camião para Espanha cerca de 11 milhões de toneladas de mercadorias e para além Pirineus 6 milhões, enquanto Espanha exporta para além Pirineus cerca de 45 milhões de toneladas, também por camião, o que recomenda claro investimento nos canais ferroviários preferentemente na versão transporte de semirreboques, naturalmente com estreita coordenação entre os governos português e espanhol e colaboração com os coordenadores do corredor atlântico da DG MOVE , do governo espanhol e da junta de Castilla-Leon, alterando o procedimento anterior. Ver figura seguinte.

O trabalho de assegurar o transporte de mercadorias em bitola europeia e ERTMS para estimular a transferência das exportações da rodovia para a ferrovia é ciclópico, numa altura em que falta instalar esses dois requisitos da interoperabilidade no corredor atlântico para mercadorias  ( pendentes limitadas a 1,2%) em cerca de 900km em Portugal e 1400km em Espanha





________________________________________________








quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Comentário à entrevista de Carlos Vasconcelos na revista Negócios e empresas de dez2023 da Associação Industrial Portuguesa

 

Comentário à entrevista de Carlos Vasconcelos na revista Negócios e empresas de dez2023 da Associação Industrial Portuguesa  (  ver  https://heyzine.com/flip-book/73ab3a95a2.html#page/7   )

 

  

O presidente da MEDWAY é um excelente gestor do operador de mercadorias pela ferrovia estando a ganhar quota de mercado na península ibérica. Nesta entrevista analisa os fatores que dificultam o crescimento do negócio, desde o estado de degradação e obsolescência das redes à desigualdade de tratamento em relação ao transporte rodoviário.

Partilhamos da validade dessas queixas. É inadmissível, especialmente se lembrarmos os protestos sistemáticos dos governos português e espanhol de promover a descarbonização.

Mas continuamos a discordar de Carlos Vasconcelos sobre o cumprimento da regulamentação comunitária das redes TEN-T com todos os requisitos da interoperabilidade (25kVAC, pendentes máximas 1,2%, cruzamento de comboios de 740m, controle de velocidade e sinalização ERTMS, bitola UIC 1435mm) a incluir nas novas linhas para tráfego misto (alta velocidade e mercadorias) com ligação à Europa além Pirineus.

Temos objetivos comuns, o desenvolvimento da economia, não só através do crescimento da quota modal nas redes de Portugal e Espanha, mas também do crescimento das exportações para além de Espanha.

Seria pois vantajosa uma frente comum que reivindicasse dos dois governos a elaboração e a execução coordenada de um plano com fases bem definidas no tempo e na exigência de financiamento (parte da União Europeia a fundo perdido), plano esse com sucessivas aproximações aos portos nacionais das novas linhas do corredor atlântico com todos os componentes da interoperabilidade, incluindo a bitola 1435mm.   Esse é aliás o procedimento seguido em Espanha especialmente no corredor mediterrânico,  em que a associação de empresários de Valencia dinamizou um movimento reivindicativo da aceleração das obras do corredor em bitola 1435mmm prevendo-se a chegada desta a Valencia em 2025.

Apresentam-se a seguir os comentários aos argumentos utilizados na entrevista por Carlos Vasconcelos, começando-se por resumir cada um deles, seguindo-se a nossa contra-argumentação.

1 – “As redes de Portugal e Espanha  têm a mesma bitola ibérica de 1668mm e a quota modal é de cerca de 6% [1]  , logo a bitola normalizada não é um fator de competitividade por não contribuir para o aumento da quota”.

Perdoará o Dr Carlos Vasconcelos a nossa dificuldade em aceitar uma lógica que nos parece longe da Física ou da Matemática em termos de correlação de causa e efeito. Recupero um estudo de 2015 promovido pelo agrupamento europeu de interesse económico do corredor ferroviário de mercadorias CFM4 ou RFC4 que gere a operação do corredor atlântico de mercadorias composto por representantes da IP, ADIF, SNCF e DB. O estudo avaliou a redução de custos do transporte de mercadorias entre Leixões e Madrid e entre Leixões e Paris em função da aplicação dos componentes da interoperabilidade nos troços em que estivessem em falta. A viabilização dos comboios de 740m induziria uma economia de 12% e 13%, mas a bitola 1435mm que para Leixões-Madrid seria 0, para Leixões-Paris seria 6%, isto é, superior à economia devida à normalização dos 25kVAC (2%). Isto é, a utilização de bitola 1435mm é, numa lógica matemática ou física, um fator competitivo. Note-se que são custos de operação, não de investimento. A avaliação dos investimentos requer, tal como definido na regulamentação comunitária (reg. 2020/1056), uma análise de custos benefícios a prazo suficientemente longo e contabilizando os efeitos multiplicadores na economia como estímulo do emprego, e os custos das externalidades incluindo as emissões de gases com efeito de estufa, os congestionamentos rodoviários, a sinistralidade. Não sendo investimentos para os operadores, justifica-se a referida frente comum para que os governos executem o plano das redes TEN-T.

Relativamente à quota modal insignificante de 6% , para a aumentar deverá cumprir-se a proposta de diretiva COM(2023) 702 e anexo[2]  , para revisão da diretiva 92/106/EEC para desenvolvimento do transporte intermodal (transporte de semirreboques por comboio, por exemplo).

Em relação à quota de 6%, temos ainda um problema de concorrência com a rodovia, como o dr Carlos Vasconcelos tem denunciado, a proteção fiscal dada à rodovia e respetivos combustíveis, agravado pela inércia e pela força do lobby rodoviário, apostado em aumentar a capacidade de transporte por camião (propondo por exemplo o aumento das dimensões dos camiões). No entanto, temos de considerar o problema da bitola ibérica como fator de afastamento de operadores estrangeiros, não interessados em investir em material circulante de bitola ibérica ou com a condicionante, no fabrico, de bogies  com a possibilidade de mudar de eixos em oficina. A não evoluir a extensão da bitola 1435mm na península continuará o processo de concentração em 2 ou 3 operadores e no desinteresse doutros operadores nas mercadorias numa rede de bitola ibérica, ao contrário do que se passa na alta velocidade espanhola para passageiros.

 

2 – “Espanha representa cerca de 60% do nosso comércio externo” com toda a Europa.

Este argumento serve para fundamentar uma concentração dos investimentos da MEDWAY (a Captrain/Takargo utilizá-lo-á também) nas redes ibéricas, embora as recentes aquisições de locomotivas de bitola 1435mm para serviço além Pirineus mostrem que também é oportuno investir no tráfego de exportações além Europa. Sendo verdade  a quota de cerca de 60% relativamente à Europa, convirá esclarecer a sua natureza. Assim, com recurso aos números do INE de 2022, considerando a totalidade das importações e exportações de e para todo o mundo, a percentagem do comércio com Espanha relativamente ao comércio com todo o mundo foi de 33,94% em peso e 29,55% em valor   (Espanha 34,16Mton/55525M€;  mundo 100,64Mton/187889M£). Numa perspetiva mais próxima de nós, as exportações por modos terrestres (cerca de 99% das quais por rodovia) para Espanha foram 11,349Mton no valor de 16822M€ enquanto para o resto da EU foram 5,93Mton mas no valor de 25767M€.  Isto é, para um operador ferroviário, é compreensível a concentração dos seus esforços na península ibérica, mas numa perspetiva de crescimento da economia nacional, deve dar-se atenção aos investimentos  que contribuam para o crescimento das exportações. Não só a viabilização dos comboios de 740m, das pendentes inferiores a 1,2%, dos 25kVAC, mas também da bitola 1435mm, como mostrou o estudo referido do RFC4.

 

3 – “Espanha não tem bitola 1435mm para mercadorias”

O dr Carlos Vasconcelos corrigiu esta afirmação reconhecendo que já existe transporte de mercadorias do terminal intermodal de Can Tunis (porto de Barcelona) para França mas desvalorizando o volume desse tráfego.  Consultando o site da LFP (Linha Figueres-Perpignan, associação da ADIF e SNCF para gestão das infraestruturas do túnel El Perthus) contabilizam-se 21 serviços semanais por sentido para mercadorias e 28 serviços semanais por sentido para passageiros. Está longe da saturação (50 comboios por dia por sentido), mas a expetativa é a extensão da bitola 1435mm a Valencia no final de 2025 e o consequente aumento do tráfego.

Na outra extremidade dos Pirineus aguarda-se para 2025 a ligação por terceiro carril (bitola mista 1435 e 1668mm) entre Irun e a plataforma logística de Vitoria. Como já afirmado pelo dr Carlos Vasconcelos, mais de 2 comboios diários com bitola ibérica para atravessamento dos Pirineus com mudança de bitola é incomportável, pelo que o recurso à plataforma de Vitoria poderia, com o custo respetivo,  atenuar o problema do transbordo por motivo da bitola ibérica. A solução dos eixos variáveis para vagões de mercadorias tem os graves inconvenientes do custo de fabrico, e dos riscos de imobilização por avaria em local distante da manutenção. Como repetido pelo coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi, as soluções de compatibilização das bitolas devem ser temporárias.

Entretanto destacam-se os novos serviços de passageiros Barcelona-Lyon e Madrid-Marselha e a retomada do serviço de transporte por comboio de semirreboques Barcelona-Bettembourg pelo operador VIIA (5 serviços de ida e volta semanais) .  Ou de como uma quase verdade dita hoje (Espanha não tem bitola 1435mm para mercadorias) pode não ter nada de verdade dentro em pouco. Mas sublinha-se a urgência de um plano coordenado entre Portugal e Espanha para a aproximação progressiva da bitola 1435mm dos portos nacionais, até porque é longo o prazo para elaboração dos projetos, obtenção do financiamento, concurso, construção e colocação em serviço.


assina um subscritor do manifesto Portugal uma ilha ferroviária?

 

 


[1] Nota minha: em 1995 a quota era 10%, comprovando o aumento de eficiência do transporte rodoviário e, se estivessemos numa discussão escolástica, que a quota baixa porque não se desenvolveu a rede de mercadorias em bitola 1435mm