segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Uma teoria da conspiração à portuguesa



Fiquei impressionado com o filme norte-americano de sábado. Mais uma teoria da conspiração. Metia uma unidade especial de comandos militares. E ligações do presidente ao negócio das armas, o maior negócio do mundo, ainda mais importante do que a saúde, como dizia aquela directora financeira de um novo hospital privado.
De modo que imaginei construir uma teoria da conspiração com coisas do nosso meio de transportes. Chamo a atenção de que se trata de uma ficção. E se houve factos reais que aqui são falados, não são coincidências; simplesmente não têm nada a ver com a realidade da história; estão fora do contexto, porque os órgãos institucionais de controle, regulação e vigilância funcionam regularmente, bem como as comissões da concorrência.


Lá no seu país, o presidente da república e o primeiro-ministro repreenderam, apesar de adeptos confessos da economia liberal, a administração da Zokert-Zomons por ter permitido um desvio avultado de dinheiro para um sindicato, em troca da paz laboral. O caso veio nos jornais e foi encontrado, como bode expiatório, o director dos serviços financeiros, ou dos recursos humanos, agora não me recordo, exemplarmente punido (foram-lhe caçadas todas as contas off-shore que tinha em seu nome, da sua companheira e da sua mãe). O presidente da república e o primeiro-ministro, sempre preocupados com as exportações, tranquilizaram os accionistas e todos os embaixadores dos países com que a Zokert-Zomons tinha negócios, garantindo que o caso não se repetiria e que os negócios com todos os países respeitariam as regras da concorrência. Nos casos em que isso não se verificasse (e de facto veio a verificar-se) a Zokert-Zomons pagaria todas as indemnizações compensatórias pelos desvios às regras que ocorressem nos concursos públicos (o que também veio a verificar-se, até veio nos jornais, mas em países de economia terceiro-mundista).
Estes factos não comprometeram os negócios de interesse mútuo que entretanto se desenvolveram com um grande pais do outro lado da Europa, tendo a Zokert-Zomons ganho cristalinamente um recente grande concurso público (foi pena não ter ganho o pequeno concurso para as locomotivas da primeira transportadora privada que transporta contentores de Alcantara para Madrid e de Madrid para Alcantara, mas que é isso, num mercado tão vasto…).
Mas vender locomotivas do outro lado do continente não bastava. Era preciso assegurar a manutenção. Para isso foi constituida uma parceria entre a Zokert-Zomons e a ALAD, a empresa de manutenção da companhia estatal de caminhos de ferro. A ALAD tinha conservado, de uma anterior parceria com outro fabricante de locomotivas, uma pequena oficina perto do centro da capital, beneficiando da venda para investimentos imobiliários do restante terreno, mas iria concentrar a sua actividade a alguns quilómetros da capital, numa tentativa de reanimar o interior do país, o que era bom para todos.
E como a economia tem esta força forte, interior e nuclear, quanto mais cresce mais quer crescer (é o princípio da definição do número “e”, o padrão de crescimento exponencial dos juros), também não bastava a manutenção das locomotivas.
E então imaginou-se fazer avançar o conceito de “marketing”. Aquele “marketing” que nos convence, apesar de termos um carro novo ou um televisor recente, que os novos modelos que saíram depois são muito melhores e devem ser comprados. Claro. Se formos elementares como Watson, resolvemos a crise da produção aumentando a procura. O problema é que vamos ter de aumentar a produção e depois vamos querer aumentar ainda mais a procura (o que me leva sempre a questionar-me, quando falo nisto, porque é que Adam Smith não reparou nas cochonilhas a reproduzirem-se exponencialmente e a darem cabo do limoeiro, e delas próprias?).
O “marketing” avançou primeiro silenciosamente, e depois em força, alargando o âmbito das propostas da Zokert-Zomons. E os argumentos foram os mesmos que para os nossos carros. Embora ainda funcionem bem, já consumam pouco de acordo com os padrões ambientais e ainda não estejam amortizados, a campanha para aderirmos às novidades está sempre disponível e é eficaz. O nosso provincianismo e novo-riquismo de ignorantes das coisas técnicas fará o resto e ficamos encantados sonhando com os novos modelos. Cortando na alimentação se for necessário (o que estou a descrever é o que se passa quando compramos carro).
Primeiro argumento, os modelos em serviço já estão obsoletos. Realmente, se todos os dias há inovações tecnológicas, comparativamente há modelos que têm funcionalidades mais evoluídas. Por exemplo, quando um material circulante tenha sido projectado, há quase 20 anos, as velocidades de transmissão nos buses de comunicação eram menores, as velocidades de processamento também, não se fazia o controle de parâmetros que agora é corriqueiro, não havia as comunicações por rádio encriptadas para fins de segurança que há agora … E depois, desdramatizemos o que é ser obsoleto. O “marketing” devia ser prudente: não devia utilizar este argumento de obsolescência; primeiro, a obsolescência técnica em si não é grave; o que seria grave seria a obsolescência funcional, o que não se verifica normalmente antes de 30 a 50 anos; e se não houver peças de substituição, só poderemos queixar-nos do fabricante, não é?; segundo, podemos sempre perguntar ao fabricante: então você vendeu-me uma coisa que ficou logo obsoleta? Não sabia isso, quando ma vendeu?
Segundo argumento, estão sempre a avariar, a recolher às oficinas, com as consequentes perturbações no serviço (mesma pergunta: se me vendeu uma coisa que avaria, vai agora vender-me outra mas que não avaria?).
Bom, houve uma altura em que a fiabilidade andou mazinha.
Foi verdade que a certa altura começaram a cair, ou a ameaçar cair, motores em plena circulação. Mas rapidamente se encontrou solução para isso e, na melhor tradição do pelourinho e do bode expiatório, se castigou exemplarmente o técnico que se tinha lembrado de substituir um apoio de aço por um apoio de alumínio sub-dimensionado. Para poupar peso e energia dissera o pobre, lá na distante Zokert-Zomons.
E aqui cabe relembrar a todos os que tiverem de especificar novo material circulante: ganhos de peso e de energia também se conseguem com a construção em aço (por exemplo, com deflectores aerodinâmicos junto das rodas e com armazenadores de energia a bordo), devendo evitar-se o alumínio em material circulante destinado a linhas subterrâneas, porque as características de comportamento ao fogo do material em alumínio são mais desfavoráveis do que o aço.
Resolvido o problema dos apoios dos motores, teve a Zokert-Zomons de resolver outro, o de portas que abriam inopinadamente. Era um problema de software que foi resolvido com hardware mais robusto (ai o software nos equipamentos industriais…em que as regras não são as mesmas dos equipamentos domésticos, em que não existem as facilidades que existem nas cabeças dos programadores… lembram-se do director da GM dizer para Bill Gates: não me queira explicar como se fazem automóveis, porque se eu fizesse automóveis como você faz computadores, o automobilista ouviria a seguinte mensagem no meio de uma descida acentuada – este sistema encontrou uma anomalia de processamento e vai ser desligado, volte a ligar depois de desligado… e batido…?).
E depois também houve aquela da imprecisão nos sensores de velocidade, que não havia meio de darem informações acertadas para o sistema de controle automático de condução. Não houve também problema, desligou-se o controle automático.
E assim, alargando novos mercados de material circulante, esperemos que a Zokert-Zomons ocupe o seu merecido lugar na economia do grande país, garantindo emprego à população local e contribuição significativa para o PIB. Será uma parceria em que todos ficarão a ganhar, lá como cá. Mas a concorrência vai ser difícil…com a guerra dos preços…

Mais uma vez recordo que esta é uma história ficcionada, em que muitos dos factos não ocorreram (raramente se fala em substituir material circulante antes de amortizado; ainda?) , outros são simples produto da imaginação, e os factos reais foram propositadamente retirados do seu contexto, pelo que ninguém poderá ser acusado de comportamento menos próprio. Nem os mecanismos institucionais, como já foi dito, o permitiriam.

Cuidado com as acusações

Será verdade o que disse aquele senhor jornalista que esteve nos Jogos Olímpicos de 1936, que afinal havia uma fotografia de Hitler a apertar a mão de Jesse Owens?
Não é elogio nenhum ao tirano maior, mas se é verdade, é muito mau para o espírito da nação americana.
Porquê?
Porque Jesse Owens, quando chegou a New York para participar na recepção em sua homenagem, não poude subir no elevador principal porque em 1936 estava em vigor uma lei de segregação e nem o presidente americano o cumprimentou.
Se é verdade o que diz o velho jornalista (e quanto mais velho sou mais tendência tenho para dar crédito a “velhos” profissionais… como eu…), o que isso quer dizer é que os melhores acusadores são aqueles que praticam aquilo de que acusam os outros (independentemente destes o praticarem, claro). Viu-se uns anos depois, com a caça às bruxas (ai a democracia próspera, como diz o outro). Mas honra às Selecções do Reader’s Digest, que noticiava sempre com rigor as tragédias vividas pela população de origem africana até 1956 (ano em que, pela primeira vez na história da tal democracia próspera, nenhum negro foi assassinado por grupos racistas de brancos). Vantagens de ter lido as Selecções, quando não havia Internet.
Vejam bem da próxima vez que acusarem alguém de alguma coisa, se se denunciam.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Economicómio XIX – Ainda os pepinos de Bruxelas


Em 2 de Julho apelei ao estudo pelos economistas da sabedoria popular no capítulo da economia de subsistência: http://fcsseratostenes.blogspot.com/2009/07/os-pepinos-da-tia-de-bruxelas.html
Hoje vou a um exemplo prático que me foi transmitido por um colega que muito aprecio, até porque teve a humildade de dizer que tinha aprendido alguma coisa com o episódio.
Foi o caso desse amigo se ter dirigido, no campo, à casa de uma senhora “produtora” de batatas. E a senhora começou por responder que não sabia se tinha batatas para vender. Não chamemos desconfiança a isto, chamemos sabedoria de quem sabe que o sistema económico vigente não serve (calma, também não disse qual é o sistema vigente). Mas o meu amigo é uma pessoa persuasiva e a senhora explicou que se vendesse batatas ficava sem as batatas e, rapidamente, sem os cêntimos que receberia por elas. Por isso não sabia se era boa ideia vender. Na verdade, a senhora estava a ensinar que o valor do dinheiro é muito pouco (arrogam-se os economistas de o definir através das taxas de juro, não é? Eu perguntaria, com que direito? mas enfim, eu sou ignorante). Embora reconhecesse que o valor “de mercado” das batatas é pequeno, que ela pediria sempre um valor muito elevado e que com muita facilidade o meu amigo poderia ir à casa do lado comprar batatas mais baratas.
Então a senhora disse: Se tiver alguma coisa útil para mim (dinheiro não) eu posso trocar por uma quantidade de batatas a negociar.
É isto que os economistas parece terem dificuldade em compreender ou apreender, que o dinheiro não é a única coisa real de valor de troca, e zangam-se muito com a economia de subsistência, que é uma fuga criminosa ao fisco e outras coisas medievais de castigos morais (até os bancos de tempo estão na mira dos fiscalistas). A economia também funciona em regiões quase isoladas, por exemplo em feiras, com as pessoas produzindo e trocando, sem contribuir para o PIB, sem a criação artificial (virtual) de moeda de cada vez que há uma transacção. Pensemos que apesar de tudo há muitos portugueses que produzem bens agrícolas, e trocam-nos entre si. Não vai para o PIB, é verdade, mas também não andam a passar facturas para integrar estatísticas virtuosas mas virtuais. Até eu, confesso, ando metido nesta economia paralela. Tenho um terrenozito que produz canas (eu, produtor de canas, se o Fisco sabe…). O meu vizinho vai lá cortar as que quer (têm uma esplêndida capacidade de regeneração , as minhas canas; a produtividade com que produzo canas é de fazer inveja à agricultura industrializada) e de vez em quando dá-me um saquinho de feijão verde e de tomates (às vezes também vêm de lá pepinos de curvatura variável). Tudo fora do PIB, claro. Não peçam, senhores economistas, a redução da quota de portugueses a viver no sector primário da agricultura. Deixem-nos trabalhar, como dizia o outro, que nessas coisas até eu sou Adam Smithista (já diziam os teóricos da Matemática: os teoremas só se aplicam em domínios bem definidos, não são universais). Deixem-nos produzir azeite para consumo interno, na comida ou em lubrificantes (ou até em candeiazinhas desde que se tenha cuidado com os riscos de incêndio), que é uma dor de alma ver a azeitona estragar-se por esse país fora, porque os requisitos dos lagares ultrapassam a paciência de quem sabe fazer azeite artesanalmente (os requisitos estão bem definidos, o que não está definido é o modo de operacionalização dos meios de apoio técnico). Vão às feiras ver…mas não mandem a ASAE.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Selecções do Reader's Digest


Mais uma falência nos USA. É o mercado a funcionar, como explicam os economistas; fecha nos USA, mantem-se noutras áreas. É como a GM (nunca mais resolvem a venda da Opel, será o mercado a funcionar? ou será a Angela a funcionar, tão Adam Smithista que ela é noutras coisas, refiro-me à Merkel, não à Davis, claro? seria uma questão interessante a esclarecer pelos economistas...).
Curioso como os comentadores recordam que conviveram com as Selecções quando eram adolescentes. O que contribuiu mesmo para a formação das pessoas. Têm recordado pouco uma das secções que eu preferia : os "condensados" (é preciso não esquecer que ao princípio as edições eram brasileiras), isto é, resumos de livros. Os puristas arrepanhavam-se, mas ao menos ficava-se a conhecer a história em meia dúzia de páginas. Como seria um "condensado" de "A náusea" de Sartre? Ou "Dos Cavalos de Tarquínia"? Histórias curtas, talvez coubessem numa página . Bárbaros... mas como gostava de ler as Selecções... apesar do seu anti-comunismo simples, à americana, com os seus preconceitos que as próprias Selecções tão bem retratavam (foi lá que eu aprendi aquela do Benjamim Franklin, embaixador na França revolucionária, mandar os relatórios que eram constantemente desditos pelos burocratas de Washington, que estavam longe dos problemas mas que sabiam como era, que o embaixador que estava perto não sabia). E para compensar o anti-comunismo das Selecções passei a comprar também o "Sputnik", que era o equivalente "do outro lado". Também era interessante, mas acabou.
Quanto às Selecções, e perante tudo o que acaba (como dizia a cantiga do Carlos Mendes), talvez recomendar o título de umas das suas secções preferidas: "Rir é o melhor remédio" e ouvir "I Pagliacci" de Leoncavallo:
"Vesti la giubba e la faccia infarina. La gente paga e rider vuole qua... Tramuta in lazzi lo spasmo ed il pianto... Ridi, Pagliaccio, sul tuo amore in franto! Ridi del duol t'avvelena il cor!" (é uma metáfora, claro, mas é isso mais ou menos quando se vêem as coisas a desaparecer sem ser contabilizado pelos economistas o valor do seu desaparecimento; como se sabe, o economista conhece o custo de uma coisa, mas faz por esquecer ou ignorar o valor dessa coisa). Vá, digam lá se não sentem um calorzinho humano quando olham para aquela fotografia das Seleções dos anos 50... sweet bird of youth...
PS - Também gostei muito de ver o comentário de :

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Leitura breve do DN de 24 de Agosto de 2009

Assim a correr, li duas coisas extraordinárias:
Uma, que a prepotência da cultura dos bares do Bairro Alto, em claro incumprimento pela CML e pelos donos dos bares da lei do ruído, já provocou a morte de um dos residentes por ataque cardíaco e incomodidade perante a "selvajaria". Prevalece o critério do "investimento" em lazer pela madrugada fora em detrimento da qualidade de vida dos residentes. Depois admiram-se da desertificação da cidade. Cidade assassinada ao longo de tantos anos.
Outra, que a média de suicídios na "democracia próspera" (como lhe chama um cronista muito apreciado) dos USA é de 30.000 por ano (um poucochinho mais do que um cidadão ou cidadã por 10.000, ou seja, 0,01 %). Os Adam Smithistas não devem gostar deste indicador de sucesso económico (quem não tem condições para sobreviver extingue-se, não é?). Juntamente com aquele 1% que vive em prisões (negócio privado, nos USA) e os 20% abaixo do limiar de pobreza, mais os 40% que não têm nem seguro de saúde nem serviço nacional de saúde, pobre presidente Obama, está feito. Os neocons vão fazer-lhe a vida negra. E o Afeganistão que não ajuda. Desista do Afeganistão, presidente.

Hildegard Behrens

A ver se não me engano desta vez.
Hildegard Behrens, soprano alemã (peço licença para escrever assim, mas confirmei que os portugueses têm liberdade para escrever soprano alemão ou soprano alemã) de amplo reportório, mas muito conhecida pelas suas interpretações wagnerianas, morreu aos 72 anos, em Tóquio, com um aneurisma, quando se dirigia para um concerto que ia dar.
E se me permito homenageá-la assim, é porque a aprecio como um exemplo. Cantar aos 72 anos. Porque não vale a pena viver a poupar a vida se não se fizer o que se sente. Não vale a pena cultivar calmamente as flores quando se quer pôr cá para fora a voz.
Vasco Gonçalves também morreu a nadar. Não valia a pena viver com medo de nadar.
Já que estou no fim da minha vida activa, vou seguir o exemplo.
Não me vou calar...até que...
Entretanto, vou ver o que o You Tube tem com Hildegard Behrens, e procurar um CD dela.
Que viva Isolda.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Economicómio XVIII – No admirável mundo dos automóveis são doidos e inimputáveis

São doidos.
Na GM, na Chrysler e na Ford.
Estão a aumentar a produção outra vez, a aumentar as vendas dos mesmos modelos gastadores enquanto publicitam futuros modelos eléctricos.
São inimputáveis, porque daqui a alguns anos volta a acontecer o mesmo, extinguem uns modelos como agora extinguiram o Hummer, em vez de preparar o respeitável público para o predomínio do transporte público (horror, lá vão ter os neocons Américas de fazer manifestações contra os “colectivos”) e para modelos com menores velocidades de ponta e menores acelerações. E, especialmente, em vez de prepararem a opinião pública para a ideia de que não há “mercado” para tantos modelos. Pois é, tinham razão os economistas dos anos 50: os modelos têm de ser poucos e normalizados, e especialmente têm de ser modestos nas “performances” (lembram-se dos Lloyd ingleses e dos Trabant alemães? Arriscamo-nos a andar em carrinhos assim…).
Mas é um caso de insanidade mental, agora que 60% da GM pertence ao governo dos USA. E tão contente que a GM está; conseguiu vender a SAAB, e graças à senhora D.Angela vai vender a Opel à Magna (os chineses acho que não levaram gravata às reuniões de negociação).
Quem falou em crise num mundo assim radioso?
Mas é uma pena que seja assim. Adam Smith devia ter feito como Newton e sentado à sombra de uma macieira, ou de uma citrineira, a ver as formigas a explorar e parasitar as oportunidades até secarem a árvore e morrerem por não encontrarem outra em tempo útil…será esse o interesse individual de cada formiga ou estaremos perante uma externalidade que liquida as leis do mercado? … automóveis formiguinhas a secarem os combustíveis fósseis enquanto as gasolineiras vivem os felizes dias da crise…

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Gestionarium VI - A contratação pública

Noticia do dia 19 de Agosto de 2009: por razões de urgência, a partir de Janeiro de 2010 o programa de modernização das escolas está dispensado do cumprimento das regras da contratação pública e permite fazer ajustes directos.
Posso até concordar, mas já fundamentei ajustes directos com base em directivas europeias e não me foram autorizados. Daqui até Janeiro não havia tempo para fazer os cadernos de encargos? Possivelmente porque os quadros técnicos foram optimizados e agora não chegam para as encomendas? Poderiam recorrer a jovens técnicos free-lancers? Ou a gabinetes do costume? Não sei responder por falta de informação que deveria estar disponível e não está.

Tenho um historial modesto quanto ao volume das empreitadas por que fui responsável.
Nunca nenhuma ultrapassou os 4 milhões de contos (que é isso, comparado com os 60 milhões de contos da obra civil da estação do Terreiro do Paço do metropolitano de Lisboa…).
Nunca nenhuma atingiu 5% de "derrapagens financeiras".
Nunca por lá foram vistos "fumos de corrupção".

Em consciência (que raio de argumentação estou a utilizar) posso concordar com os ajustes directos para a modernização das escolas (quem verifica esses projectos de modernização, depois da sangria a que os quadros técnicos do funcionalismo público foram sujeitos? é que a validação popular dessa excepção às regras da contratação precisa dessa informação; além de que qualquer projecto deve ser verificado; adjudicamos a verificação a jovens técnicos free-lancers? Ou aos gabinetes do costume?).
Mas, também em consciência, não posso concordar com o tratamento diferente que me é aplicado quando me proíbem os ajustes directos.
A igualdade de direitos é para se cumprir. E quando as instituições não a cumprem, é uma pena, perde-se a confiança nas instituições.
Outra notícia do dia 19 de Agosto de 2009: a AICCOPN (Associação industrial de construção civil e obras publicas), ao fim de um ano de experiencia, acha que o código de contratação pública deveria ser alterado porque obriga os empreiteiros a identificar antes da obra começar os erros e omissões do projecto. Eles, coitados, que estão habituados a identificá-los a posteriori, para os tais trabalhos a mais.
E então acham que o que era bom era os projectos estarem muito bem feitos e terem as peças todas e todas muito exactas.
É uma pena pessoas com experiência dizerem destas coisas, porque o que a minha experiência diz é que é impossível fazer em tempo útil projectos perfeitos (viram, viram, o Governo também acha, ao isentar a modernização das escolas das regras da contratação pública).
Não é regulamentando à exaustão para que os projectos sejam exaustivos que se resolve isto.
Resolve-se com honestidade.
Um empreiteiro honesto, quando recebe uma consulta, só tem de dizer ao dono da obra: por esse preço, lamento mas não posso fazer com qualidade o que pretende; posso fazer o que tem no caderno de encargos, mas fica mal servido; vamos estudar as soluções em conjunto (as propostas de fornecimento deviam ser pagas, caso a dúvida tenha sido suscitada). E em ambiente de abertura (aliás previsto no código da contratação pública através de mecanismos de negociação que os burocratas se esforçam para que não sejam aplicados) negociar a proposta a adjudicar.
Evidentemente que os sábios que elaboraram o código, sem ouvir pessoas com experiência , não concordarão, mas é o que a minha experiência diz, a qual experiência tem pouca prática de “derrapagens financeiras”… Recordo a sessão em que um dos autores do código, aliás uma pessoa simpática, nos veio explicar a obra, no bom estilo missionário jesuíta no Japão do século XVI. Depois de uns pedidos de esclarecimento que lhe fiz, tive de dizer ao senhor que agradecia muito o novo código, mas não vinha resolver-me os problemas burocráticos que me dificultavam o avanço dos empreendimentos, e as facilidades que introduzia eram como a velhinha que estava a ser ajudada a atravessar, mas que não queria atravessar a rua. O senhor foi muito simpático, riu-se e disse que eu tinha de cumprir a lei. Depois admiram-se das coisas não andarem. Também , já viram o que diriam se saísse uma lei a dizer que as empreitadas se adjudicam e desenvolvem e fecham basicamente com honestidade?
Seria como se saísse uma lei a dizer que era proibido roubar…
Enfim, vamos tentando avançar, mesmo com as dificuldades burocrático-legais…

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Kiri Te Kanawa vai retirar-se

Kiri Te Kanawa, soprano australiano de ascendência aborígene, vai terminar a sua carreira de ópera (cantou em 1981 no casamento dos senhores principes Carlos e Diana). Disse que já tinha 65 anos, que já não era idade para cantar e que isso era para os novos.
Eu, que vou fazer 65 anos dentro de pouco tempo, também acho, como aliás o senhor ministro dos transportes, que não tenho idade para isto.
Mas é pena. Podia ser que ainda se aproveitasse alguma coisa, se "isto" estivesse organizado de acordo com os princípios de organização de equipas e de tomada de decisões descritos no livrinho da sabedoria das multidões que eu venho propagandeando.
Mas quem toma decisões não quer que "isto" se organize correctamente. Prefere cortar as fitas na data anunciada sem cuidar de que o trabalho foi bem executado e ensaiado.
"Isto", é o que dizia Eça de Queiroz...

domingo, 9 de agosto de 2009

Gestionarium V - Homenagem a Schulberg e a “governabilidade”

Repararam nas notícias da morte de Schulberg, o argumentista de “Há lodo no cais” (“Waterfront”, 1955)?
O senhor sofreu bastante com a perseguição da comissão das actividades anti-americanas, vulgo caça às bruxas. Tinha militado no partido comunista dos USA nos anos trinta. Interessante haver (continua a haver) um partido comunista nos USA. Possivelmente muitos intelectuais americanos interessaram-se por esse partido como consequência da depressão de 1929. Terão chegado a conclusões semelhantes às que outros chegaram agora. Mas tudo indica que a retoma chegará e sejam esquecidas as conclusões. Como citava o padre Anselmo Borges no DN de hoje, o capitalismo é amoral e a decência não é nem de perto nem de longe uma noção económica. Já dizia o senhor presidente Sarkozy: este não é o capitalismo que queríamos. Pode ser que o seja quando a retoma regressar.
Voltando a Schulberg, para além do seu trabalho, ele deverá ser homenageado e o seu exemplo seguido, por ter sido capaz de trabalhar com Elia Kazan, o realizador de “Há lodo no cais”, conhecido pelas suas posições conservadoras. Schulberg provou que é possível o trabalho conjunto de pessoas com ideologias diferentes, desde que os objectivos sejam comuns.
E aqui chegamos à actualidade de Schulberg: é fácil aceitar como objectivo comum fazer um bom filme, se bem que a definição de bom filme pudesse ser afectada pelo facto de, na altura em que o filme foi feito, a “democracia próspera”, segundo uns, tinha acabado de executar Ethel Rosenberg com provas falsas (estava-se no McCarthismo). Melhor do que eu explica Baptista Bastos na sua crónica do DN como é possível duas pessoas de ideologias diferentes como Paul Celan e Heidegger entenderem-se. Ver em:
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1320144&seccao=Baptista
Mais difícil será definir um objectivo comum nas nossas actividades profissionais.
É difícil mesmo definir um plano de expansão de redes de transportes urbanos ferroviários. Os estudos são feitos em secretismo, sem debate alargado. Falta-nos a capacidade de organização de equipas com diversidade de formação técnica e de pontos de vista. Talvez até fosse mais fácil se participassem técnicos com opiniões diferentes sobre a coisa política. Seria um bom sinal de alargamento do debate.
Será uma situação semelhante à dos nossos candidatos a cargos públicos: quando pedem maiorias para a governabilidade (engraçado, o termo "governabilidade" acabou por designar a qualidade do que é fácil de ser governável, quando o significado original da palavra era: conjunto de condições que dão legitimidade à governação; engraçado, mesmo, como a opinião "mediática" torce o significado das coisas...), quererão alterar as leis eleitorais impondo círculos uninominais e acabando com a regra de Hondt? Não estou a falar de política, estou a falar de matemática. A matemática permite exprimir a vontade dos grupos de eleitores, mas só a matemática posterior ao conceito do circulo uninominal do século XVIII. Evoluímos com Charles Borda, Condorcet, Hondt, Kenneth Arrow. Querem voltar ao século XVIII? Tanta iliteracia matemática (os nossos políticos saberão que ao propor circulos uninominais e a apregoar a “governabilidade” estão a exibir ignorância matemática?) . E revelam incapacidade de compreensão da mensagem de Schulberg, que o trabalho de grupo não precisa do monolitismo de opinião para progredir…
Considerações sobre as regras eleitorais em: http://www.petitiononline.com/tq8389xc/petition.html

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O pensamento português XL – Reflexão sobre o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

Uma reflexão, como o seu nome indica, resulta de uma projecção sobre uma superfície que a devolve com alterações.
Esta reflexão, que dedico aos meus amigos advogados, na esperança de que não se zanguem muito comigo, é só minha, que a recebo depois de projectar (projectar no sentido psicológico, o que quer dizer que não tenho a certeza de que aquilo que eu digo seja verdade, embora tenha a certeza de que o que os doutos juízes portugueses dizem pode com elevada probabilidade não ser verdade) o que interpretei do último caso do Tribunal Europeu, que mais uma vez condenou o Estado Português.
1 – são muito diferentes dos meus os critérios jornalísticos; por isso pouco relevo foi dado à condenação do Estado Português por ter exigido a expropriados o pagamento de custas judiciais, reduzindo assim o valor da indemnização a que foi condenado
2 – quando se escreve Estado Português está a laborar-se num erro (segundo os meus critérios, claro, pode não ser um erro) porque do que se tratou foi dum grupo de senhores, que, exercendo a honorável profissão de juiz, configurada na expressão de um poder judicial independente (como convem a um democracia, na qual a separação dos poderes é condição sine qua non), cometeram o disparate (agora não é a minha opinião, é a opinião do Tribunal Europeu) de muito vivaçamente, determinar que os expropriados tinham de pagar as custas judiciais proporcionalmente ao valor da acção que tinham interposto
3 – é de assinalar a esperteza saloia do raciocínio que ficou exarado no parecer: a lei diz que as custas judiciais são proporcionais ao valor da acção pedida; a esperteza é saloia porque assim a indemnização foi menor; mas não foi o Estado Português que exerceu essa esperteza, foi um grupo de senhores, que com elevada probabilidade até votam em partidos e lêem editoriais apregoando cada vez menos Estado; e fazem um disparate destes (opinião do Tribunal Europeu, atenção)
4 – Pena, muita pena, que o grupo de senhores juízes não tenha percebido que o cerne da questão era garantir uma indemnização justa aos expropriados; não arranjar expedientes para diminuir a indemnização; e se achassem que a lei precisava de ser alterada propusessem (realmente parece que devia, não é? Por que cargas de água quem tem razão tem de pagar as custas? É um convite a não exercer o direito de reclamar, não é?). Este é um dos melhores exemplos do pensamento português no que tem de ser modificado para benefício da comunidade
5 – Se a esperteza saloia foi de pessoas, também me parece mal que o Tribunal Europeu condene o Estado Português; talvez devesse condenar os senhores juízes. Como qualquer técnico que tem o direito de se enganar e para isso está protegido por um seguro, assim o Estado Português deveria pagar um seguro para os senhores juízes poderem pagar as suas multas sem prejuízo patrimonial. Bem basta a vergonha pública por terem cometido um disparate destes. Não acham?
6 – pareceria portanto que seria uma boa orientação estratégica para os nossos legisladores substituir o “Estado Português” pelas pessoas que o servem, pagando, claro, o seguro para quando fizessem disparates. Em vez de sistemas de avaliação disparatados (a opinião agora é minha, mas baseia-se em experiência própria e alheia), podia utilizar-se a informação da companhia de seguros de quantos disparates os servidores públicos cometeram…
7 – Se ligo esta importância ao assunto, é porque eu próprio já ganhei uma acção “ao Estado”, a que se seguiu uma reavaliação no Tribunal da Relação, por sinal secreta e com a menção “desta sentença não cabe recurso”. Igualmente essa sentença não foi dada pelo “Estado Português”, mas por uns senhores juízes de uma cidadezinha de província que obviamente votam nos partidos que querem cada vez “menos Estado” (eu não quero nem mais nem menos Estado; quero que a comunidade se organize para os assuntos comuns da forma indicada para cada caso; gostaria mesmo que se distinguisse entre o “Estado” e as pessoas; e parece-me essencial modificar a forma do pensamento português nos cérebros das pessoas que tratam dos assuntos de Estado – isto é, mais uma vez é uma questão de Escola). Como na altura estava razoavelmente ocupado nas obras de expansão do metro para Odivelas e para a Falagueira, não arranjei paciência para me queixar ao Tribunal Europeu (bom, aquela coisa das custas judiciais também pesou na decisão…). Talvez tenha sido pena...
8 - Por falar em expropriações, ocorre-me o caso do aproveitamento dos terrenos das antigas oficinas do Metropolitano de Lisboa em Sete Rios para uma urbanização cujas mais valias fundamentassem um fundo de pensões para os trabalhadores do metro. O problema é que os herdeiros dos expropriados quando se construiu o parque de oficinas reclamarão muito justamente a sua parte, não será?
8 – As condenações do Estado Português pelo Tribunal dos direitos do Homem são já recorrentes. Há tempos, o Tribunal condenou o Estado Português no caso da proibição da entrada em águas portuguesas do barco do aborto. O senhor doutor que era ministro na altura e anda muito por feiras cometeu o disparate de mandar uma fragata interceptar o barco do aborto (mais uma vez, opinião do Tribunal Europeu). Eu, como contribuinte, ajudei a pagar os custos da deslocação da fragata e depois também arquei com a vergonha de ser considerado pelos meus concidadãos europeus como vivendo num país em que partidos de confissão religiosa explícita conseguem condicionar decisões de ministros. Como se vivêssemos no país da sudanesa que se arrisca a ser lapidada por usar calças (como é possível? Maomé nunca o permitiria, tal como o profeta base da religião cristã – não se atiram pedras a mulheres).
É isso, já que os países da EU são como a Turquia, permitem partidos confessionais no governo, haverá alguma razão que impeça o reencaminho da condenação para a pessoa do ministro? sendo que o Governo deveria manter em dia o seguro para pagar os prejuízos, claro.
9 – APELO – apelo portanto a que os cidadãos portugueses reflictam um pouco mais por que razão somos condenados no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, e sejam um pouco mais flexíveis na forma de pensarem, especialmente quando são juízes… leiam livros de metodologias de tomada de decisões, por exemplo… eu gostaria de não continuar a ser condenado, e logo pelo Tribunal dos Direitos Humanos…

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Rodoviarium IV – O barco




As viagens pela auto-estrada do Algarve continuam a ter alto valor didáctico.
Mantem-se a divisão de opiniões quanto ao comportamento em fila.
Automobilistas mais calmos circulam na via da direita, entre 110 e 130 km/h de velocidade média, guardando distancia da ordem do equivalente a 2 segundos de modo a terem tempo de reagir sem necessidade de desaceleração superior ao do carro da frente.
São os adeptos das regras do código, que privilegiam a segurança colectiva e a média geral em detrimento da média individual.
Já na via da esquerda se amontoam os apressados, claramente adeptos do “laissez faire, laissez passer”, chegando aos 3 metros de distancia para o carro da frente!
Mas o tema de hoje é outro, e, como diz o título , diz mesmo respeito a um barco.
Deu-se o caso que numa das descidas na serra algarvia, antes de S.Bartolomeu de Messines, numa zona em que há três vias em cada sentido, o jipe que rebocava um barco de motor de recreio terá ultrapassado a velocidade de segurança e necessitado de fazer uma manobra brusca. O reboque iniciou um movimento de translação rodando em torno do engate no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. O jipe ficou encostado ao separador central, virado para Lisboa. O barco soltou-se do reboque e passou para a via de maior velocidade do sentido contrário.
Quem vinha nesse sentido contrário teve tempo para se desviar e por isso não saiu nos jornais nem houve vítimas a engrossar as estatísticas que as entidades oficiais se esforçam por convencer as pessoas de que estão melhor. Apesar de a média diária há anos não se afastar de 3 mortos. Este facto (a incompreensão crónica dos dados estatísticos) apenas ilustra a iliteracia matemática dos portugueses, representados, infelizmente neste caso bem representados, pelos seus ministros e secretários de estado.
Mas isso é assunto para outra crónica.
O que pretendo aqui destacar é que um barco pode circular numa auto-estrada sozinho, o que por si só é um convite à limitação de velocidade nas auto-estradas por razões de segurança (vá lá, habituem-se à ideia; na Holanda a velocidade limite é de 90 km/h) e que felizmente a teoria das probabilidades funcionou no sentido favorável.
Talvez se possa concluir que o transporte de barcos só deveria fazer-se por profissionais (desde que os preços fossem controlados, mas lá estarão os adam smithistas escandalizados com a ideia). Valha a verdade que contra mim falo, que já reboquei um pequeno barco de recreio, no meio de muitos protestos por me deslocar à velocidade do código: 70 km/h.
É, o código é de facto uma limitação da liberdade individual. É uma intromissão do Estado na livre iniciativa dos particulares.
Pois é.
É de facto um problema.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Economicómio XVII – Questões de Manutenção


Economicómio XVII – Questões de Manutenção

O programa do canal Discovery sobre acidentes aéreos retoma a queda do Concorde. A causa principal foi o incêndio de um dos motores, atingido por uma peça de metal caída de outro avião e pisada pelo trem de aterragem. Como um acidente daquela gravidade não tem habitualmente uma só causa, vários profissionais que estiveram ligados ao Concorde prosseguiram as investigações para além do relatório oficial do BEA (gabinete francês de investigação de acidentes). E assim tomo conhecimento de dois factos extraordinários: 1 - o pavimento da pista encontrava-se em mau estado e foi imediatamente reparado após o acidente (recordam-se que uma das causas do acidente em S.Paulo com o avião que saiu da pista foi pavimento em más condições, sem estrias para drenagem); 2 – o trem de aterragem do lado esquerdo do avião acidentado não tinha montado o espaçador entre as rodas. Como consequência, o avião desviou-se para a esquerda, os pneus desse lado rebentaram e contribuíram para o incêndio do motor. Para evitar a saída da pista o piloto levantou mais cedo do que devia. Os Concorde que voaram posteriormente tinham sofrido alterações geométricas de modo a evitar que as rodas projectassem detritos sobre os motores (defeito de projecto aliás já detectado anteriormente e perceptível na fotografia acima).
Cito estes factos porque são um exemplo de falhas graves de manutenção (a peça caída de outro avião não estava certificada como peça sobresselente; o espaçador para manter a distancia certa entre as rodas foi encontrado no hangar depois do acidente; o estado do pavimento da pista era mau).
Qualquer sistema de transportes suporta falhas de manutenção. Porém, a convergência de várias causas pode conduzir ao acidente. Por isso a redução dos recursos para a manutenção, ou a redução da formação dos técnicos, ou a sua substituição por “outsourcing” não qualificado, podem facilitar a ocorrência de acidentes. Toda a economia desejada em tais acções de racionalização desaparece perante um acidente grave.
Mais exemplos de falhas de manutenção: a colisão no metro de Washington ocorreu provavelmente devido a falhas intermitentes de um circuito de via após a substituição de uma conexão indutiva (“impedance bond”) em Dezembro de 2007. Se foi assim, podemos interrogar-nos se os quadros técnicos do metro de Washington estavam bem dimensionados, ou se não terão sido reduzidos exageradamente, ou se a manutenção não terá sido entregue a um “outsourcing” menos experiente.
Coloquemos uma hipótese, por aplicação do método analógico.
As mesmas intenções economizadoras de redução de custos terão sido aplicadas no hospital de Madrid em que uma enfermeira sem experiencia em prematuros, e consequentemente com formação incompleta para a função, cometeu um erro fatal? E no hospital de Santa Maria, não terá havido economias na organização dos procedimentos em que ocorreu o erro da troca de medicamentos oftalmológicos?
Em sistemas de transportes ferroviários há exemplos de acidentes graves devidos a deficiente formação de maquinistas – é uma hipótese, por analogia.
Assim como a melhor manutenção não é a mais barata, nem a que executa as tarefas mais depressa (não interessa entregar o avião num tempo muito curto, não interessa inaugurar um linha com prazos de execução comprimidos; interessa entregar o avião em boas condições; interessa abrir a linha com todos os sistemas devidadmente ensaiados), devendo os custos e os prazos serem fixados pelo dimensionamento dos meios necessários e não por critérios de optimização económica da produtividade, assim qualquer serviço não pode ser avaliado apenas pelos preços baixos.
São uma armadilha perversa, os preços baixos.
Porque se a hipótese das analogias se confirma, podem acusar-se os economistas que desenvolveram e conseguiram “vender às nações e às empresas” as teorias da produtividade, da concorrencia e da competitividade na optimização dos custos e na redução de prazos (no fundo para diminuir os custos) de responsabilidade na criação da causa “intangível”, como dizia Keynes, de tantos acidentes.
E essa é uma acusação muito séria, mas apenas válida se a teoria das analogias se revelar correcta, como aliás parece.