terça-feira, 29 de setembro de 2009

Lucy in the sky with diamonds morreu

Não é por um velhote e outro velhote se comoverem por desaparecer alguém que esteve ligado à sua adolescência.
É porque Lucy morreu com lupus, aos 46 anos.

Temos andado mais interessados noutras coisas, do que curar as doenças.
Quando devia ser possível cumprir-se a felicidade que os Beattles pregavam.
E não usem LSD, podemos auto-hipnotizar-nos sem necessidade de danos fisiológicos.

Votos de que a investigação médica progrida.
Eu sei que é difícil num contexto que privilegia o lucro, mas em nome dos que têm lupus, era bom.

Económico XXII - Reflexão sobre o Verão: o Verão na Irlanda, a lei de Philips, a razão de Marx e a idiossincracia portuguesa


O Verão irlandês
Discorrendo por aí, dou com um folheto turístico irlandês, perdido nos papeis do meu colega que calculou os diagramas de marcha para uma nova linha do metropolitano de Dublin.
Não vou repetir o lugar comum de que a Irlanda preferiu investir na educação e no desenvolvimento da industria com mão de obra altamente qualificada, em detrimento das suas infra-estruturas (tem poucas auto-estradas, não tem caminho de ferro de alta velocidade, Dublin não tem metropolitano que se veja).
Não vou porque a Irlanda, para além de ter tido uma quebra acentuada nos principais indicadores das suas estatísticas, está agora a desenvolver um programa intensivo para as suas infra-estruturas.
Além de que também em Portugal temos empresas de mão de obra altamente qualificada como a empresa do Prof.António Câmara (embora a fazer jogos e toques para telemóveis ou iPods) ou as nano tecnologias bio ou não - moleculares.
É bonito ver, em termos de planeamento integrado, que a Irlanda assume claramente que a região da capital tem de ser o motor do desenvolvimento de todo o país, e para isso precisa de infra-estruturas.
Mas o que me chamou a atenção e para o que vos peço também a vossa, se chegaram pacientemente até aqui, foram os termos do folheto: “Aproveite os maravilhosos dias de Verão na Irlanda, em Maio”.
Para nós Maio é o mês das flores, das giestas e da Primavera, mas as agências turísticas irlandesas querem lá os turistas e o Verão no primeiro dia de Maio.
A ser assim, o Verão irlandês será Maio-Junho-Julho. Agosto já é Outono, juntamente com Setembro e Outubro. E sim, o Inverno começa implacável em Novembro, quando a legião dos parentes mortos, ou de Todos os Santos, se abate sobre o mundo dos vivos na noite de Halloween.
E depois de, no último fim de semana de Outubro, Greenwich impor a sua vontade e repor a hora de Inverno, sincronizando-a com a hora TMG (é meio-dia quando o sol culmina por sobre o meridiano de Greenwich), para que as madrugadas de Inverno não sejam tão escuras (a hora atrasa, eliminando o convite da hora de Verão ao lazer de mais uma hora de luz solar ao fim do dia).
Novembro-Dezembro-Janeiro é o Inverno, para que a Primavera seja Fevereiro-Março-Abril.
De facto, os prunus florescem em Fevereiro (até antes, as nossas amendoeiras, em Janeiro, mas eu preferiria a variedade de florescer em Fevereiro, para proteger os frutos das geadas tardias).
Isto é, vejo consistência na proposta do Verão começar no dia dos trabalhadores.

A lei de Philips
E por falar em trabalhadores, graças aos aumentos da produtividade, serão os trabalhadores cada vez menos, até porque a lei de Philips convida ao desemprego.
Recordam-se? a lei de Philips traduz aquela correlação entre o aumento do desemprego e a diminuição do custo de vida (por outras palavras: a inflação combate-se aumentando o desemprego). Ou ainda, por outras palavras, os políticos que asseguram que vão combater o desemprego vão aumentar o custo de vida, o que é mau para todos, mas melhor para quem não tem emprego do que para quem tem emprego.
O que é óptimo para dividir de um lado os que têm emprego e vêem o seu poder de compra aumentar se houver níveis elevados de desemprego, e do outro quem não tem mas gostava de ter, só que não vai conseguir o poder de compra de quem já tem emprego.
Não há assim uma luta de classes no sentido simplista do termo, mas há um conflito de interesses.
Claro que não apenas um conflito de interesses, mas muitos conflitos, consoante o lugar ocupado por cada um na estrutura produtiva da comunidade e na sua estrutura social e cultural.
Donde, havendo muitos conflitos de interesse e diversas formas de estar nas estruturas (e ia a escrever super-estruturas, mas soaria a marxista), é natural que os eleitores estejam divididos.
E eleitores divididos é bom porque contribuem para que não haja maiorias absolutas que ignorem as preferências das minorias (temos de aprender alguma coisa com o fracasso da organização soviética, não acham? Um partido só a decidir o rumo da coisa pública não dá, pois não é verdade?).

A razão de Marx
Mas talvez eu esteja enganado e o número de trabalhadores não esteja a diminuir e então tenho de reflectir sobre isto.
Achei muita graça a um livrinho de dois senhores que se auto definem como dois académicos suecos que circula por aí : Funky Business, capitalism for ever.
“Funky” significa bem cheiroso, se bem que bem cheiroso aqui entronca na concepção antropológica dos cheiros de atracção sexual, digamos de maneira mais fina, cheiro a feromonas, e será aqui aplicado no sentido de inovador, balanceado e provocador como a musica “funk” (mistura de jazz, soul e blues ritmados), divertido, de olhos bem abertos para a realidade para progredir (não quero aborrecer ninguém, mas este é um dos princípios básicos de qualquer disciplina científica, adoptado também por Karl Marx na economia: observar a realidade, pôr hipóteses , testar a teoria, aplicar a teoria para melhorar o mundo ou dar felicidade às pessoas).
Perguntar-se-á, como na anedota do marido quando a mulher lhe disse que tinha ido ao salão de beleza; então porque não dão felicidade às pessoas?
E é aqui que entra o tal livrinho “Funky business”.
Dá, afinal dá; a teoria dá felicidade às pessoas. Porque foi a teoria da informação mais o teorema de Shannon da amostragem ,mais a teoria quântica da física electrónica que permitiram os toques de telemóvel e os televisores de LCD e de plasma que alegram o pessoal.
A tecnologia pode dar felicidade às pessoas. Gandhi também dizia isso, se bem que referindo-se à roca de fiar. Mas o investimento em software da nova Índia está de acordo com o pensamento de Gandhi.
Assim como a explosão tecnológica actual está de acordo com o pensamento de Marx.
Porquê?, porque Marx, tal como todos os seguidores do método científico, considerou o desenvolvimento tecnológico indissociável do desenvolvimento do processo histórico.
Apenas foi ingénuo, quando quis que os benefícios do progresso tecnológico permitissem uma vida mais feliz para as pessoas.
E na realidade permitiu, permitiu subir o nível de vida.
Apesar do triunfo das ideias neo-liberais, dos leitores precipitados de Adam Smith, terem cavado e alargado o fosso entre ricos e pobres (não vale a pena citar estatísticas, mil milhões de seres humanos a passar fome é o melhor atestado de incompetência dos economistas e políticos que nos conduziram ao ponto onde estamos, apesar das potencialidades da tecnologia e de já não haver a desculpa do bloco comunista para justificar a fome).
A acumulação de fortunas para além de um certo limite é um mau sinal do funcionamento da economia.
As listas das fortunas da Forbes e da Fortune, por mais felicidade que tragam aos seus leitores (não posso comprar o BMW de 550 CV, mas se a revista de automóveis não publicar um artigo circunstanciado sobre ele, deixo de comprar a revista), são um indicador da falência dos circuitos distributivo e dinamizador da economia. Se a fortuna se acumulou aqui, neste ponto, foi porque foi incapaz de gerar moeda a circular (possivelmente porque, de forma deliberada, a retiveram, em vez de a deixarem ir à sua vida). Se fossem o resultado das análises de um paciente num laboratório, seriam indicadores de que o sistema digestivo estava com prisão de ventre, em estado, diriam os médicos pré-Pasteur, hidrópico, a inchar o estômago e a deslassar os músculos do peritoneu.
Ingenuamente, podemos sugerir aos acumuladores que cortem ligeiramente nas suas margens de lucro, que façam isso porque os seus negócios ficarão pela certa mais competitivos.
E contudo, como dizem os dois académicos suecos citados, alguém, para produzir a riqueza acumulada, teve de trabalhar, i.é, sujeitar-se a actividades penosas, conscientes e úteis (definição do sociólogo Gurvitch).
Mesmo que esse alguém incluísse o principal accionista, ou que essas actividades fossem ilegais, como transportar armas clandestinamente, ou droga, ou diamantes (sendo um negócio de morte, o negócio das armas alimenta muitos outros seres humanos).
E embora os níveis de remuneração de toda a cadeia necessária para haver acumulação de fortunas sejam desiguais, e de uma forma gritantemente desigual, o facto é que muitos dos intervenientes nessas cadeias foram senhores do seu trabalho, não foram servos da gleba. E se o senhor russo quer ser dono duma grande equipa de futebol, os seus adeptos optam livremente por o financiar (ao dono).
Dominaram os seus processos de trabalho (quanto mais não seja convencendo a direcção de uma fábrica de que ao sábado, de momento, não pode ser; ou então fazendo o que era preciso, criar uma frase publicitária para ajudar à imagem do produto e da empresa, e depois calar-se até à próxima frase-sucesso).
É, os académicos suecos são capazes de ter razão quando explicam (logo ao princípio do livro, acrescentando que não deixem de comprar o livro por causa disso, se estiverem a apreciar as primeiras páginas, na dúvida compro, não compro) que, afinal Karl Marx tinha razão, porque muitos dos trabalhadores da actualidade (cujo conceito não coincide com o da classe operária; lembram-se de Lenine a escrever um opúsculo: A classe operária irá desaparecer? e por isso não dão o seu voto aos partidos chamados comunistas ou ex-comunistas) dominam os seus meios de produção, de uma forma ou outra.
Cinjamo-nos, para definir “trabalhador”, à relação biunívoca : trabalhador<>mais valia gerada (já imaginaram aonde pode levar este raciocínio: a opção em bolsa pelo desejo de comprar uma acção de uma empresa valorizou-a, a empresa ganhou uma encomenda por causa disso e então o pequeno investidor gerou mais valia? Isso é capitalismo popular ou é, como os suecos dizem, Marx a funcionar?).
E se generalizarmos a boutade de Lenine (bem, ele não disse bem o que eu vou dizer agora, mas estou a citar de cor e a ver se ajeito os factos à teoria, para ver depois se a teoria ficou bem sem deformar muito os factos) subimos do nível da produção de mais valias (direito ao emprego, direito ao trabalho, consignado no art.23º da Declaração Universal dos Direitos do Homem) aos níveis do lazer e da cultura (artos 24º e 27º da mesmissima Declaração) quando definirmos que a primeira tarefa depois dos trabalhadores subirem ao poder é absorver a cultura burguesa. I.é, o requinte de bem viver.
Pena que Malthus ainda esteja bem vivo, e que Adam Smith, com o seu interesse individual tão mal compreendido (não vou cansar-me de repetir que a mão invisível de que falava Adam Smith não era a mão invisível que remunera os audaciosos, era a mão invisível que castigava Macbeth e a sua mulher demasiado audaciosa, que certamente teriam aplicações tóxicas do Lehman Bros e dos “off-shores” se já houvesse Lehman Bros no tempo deles, porque “off-shores” sempre os houve, salvo melhor opinião) não deixe repartir fraternalmente o pouco que há para tantos.
Daí dependermos do avanço da tecnologia para fazer um bolo com fatias suficientes para todos, com a ameaça de a maioria do pessoal não querer estudar as maravilhas da tecnologia nem reduzir o consumo dos combustíveis fósseis... Não têm paciência, e agora com o IC16 e o IC30 inaugurados...
Admirável mundo novo.
Fascinante, como dizia o senhor Spock do Star trek.

A idiossincracia dos portugueses
Tudo isto a propósito de uma data para começar o Verão.
Afinal, talvez valha mais concordar que o Verão começa mesmo em Maio e que Agosto é mês para voltar ao trabalho, em lugar de debandar da cidade.
Apesar do calor.
Já repararam que, quanto mais importante é o cargo que um português exerce, ou que pensa que é, mais tarde em Agosto ele marca as suas férias, mas tem de ser em Agosto, porque a importância mede-se pelo grau de insubstituibilidade (a intensidade deste barbarismo é proporcional ao grau de auto-estima) do cidadão, pela vontade de adiar o mais possivel a separação do local de trabalho (vêem, por mais importante que a pessoa seja, tem um local de trabalho, logo é trabalhador, como dizia Marx, e o partido em que vota é marxista, quod eramus demonstrandum).
A menos que seja um grande proprietário de terras acima do centro do País. E aí pode ser Setembro por causa das vindimas.
Mas Portugal está a sincronizar-se com a Europa e as vindimas são cada vez mais cedo. (Ou será o aquecimento global? Ou a escolha das castas? Ou o recurso a estufas?).
E as azeitonas portuguesas não querem ficar atrás e já pedem o varejo em Novembro.
Insistamos no vinho e no azeite. Não liguem ao desabafo infeliz do presidente do instituto do apoio à exportação (“Portugal não pode continuar a ser o país do bacalhau e do azeite”). Portugal não deverá nunca deixar de ser um país de vinho e de azeite (Drucker dixit, lembram-se, chamando-lhes clusters ou grupos tradicionais).
Aproveitem a azeitona para tudo, até para lubrificante e óleo de iluminação; não a deixem estragar-se ingloriamente.
Talvez a questão seja simples e não passe de mais uma influência determinista do clima na idiossincracia de um povo. Gostamos que seja Verão para o tarde, e que ele se prolongue por Setembro.
Somos periféricos e por isso gostamos de fazer as coisas de maneira diferente.
Infelizmente vamos ter de nos adaptar a trabalhar com o calor, em Agosto e Setembro também.
Saudemos a chegada do Verão no dia dos trabalhadores.
Aproveitemos as férias em Maio, Junho ou Julho.
Como disse, é um direito, consignado na Declaração dos Direitos do Homem, artigo 24º.
Acham muito radical, o primeiro de Maio?
Pronto, adiemos por um mês, podem ir de férias a 1 de Junho, dia de início do Verão (e da época balnear…), e mais próximo do dia do solstício, quando a noite é mais curta.
Mas então o Verão acaba a 31 de Agosto, quando a transumância regressa, auto-estrada acima, do Algarve para o Norte, e se desmontam as discotecas de praia.
Eu sabia que íamos chegar a um acordo.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Rodoviarium VII – Outra vez o excesso de velocidade

Hoje, dia 28 de Setembro, duas notícias impressionantes:
- morte de 3 bombeiros em despiste num viaduto de auto-estrada quando acorriam a um incêndio;
- morte de 3 pessoas na barra de S.Jacinto/Aveiro em colisão de 2 lanchas de boca aberta (sem cabina) em situação de pouca visibilidade (madrugada e nevoeiro)
Dificilmente se poderá compreender ambos os acidentes sem o recorrente “excesso de velocidade” (vivemos num país de "porreirismo" e surgirão as testemunhas que viram pneus a rebentar antes do acidente, ou que a lancha seguia devagar e as mortes foram por traumatismo e não por afogamento - a implacável definição de "velocidade excessiva" ainda aqui seria aplicável, porque se a probabilidade de ocorrência do rebentamento de um pneu é grande, a velocidade adoptada em cada instante deverá ter isso em conta para minimizar as consequências do acidente - porque essas justificações servem de consolo, parece dificil de aceitar mas servem, é o nosso cérebro em busca de explicações para o que não quer aceitar, no fundo com o objectivo de acabar por aceitar a tragédia).
No primeiro caso, “justificado” pelo incêndio que se pretendia combater e por um “rebentamento de pneu”. No segundo, pelo nevoeiro (em náutica, a diminuição da visibilidade implica a redução da velocidade e o uso de sinais sonoros). Escrevo “justificado” porque isso parece servir de algum consolo, no meio da tragédia. Como se fosse uma intervenção de um deus grego sádico contra o qual o homem nada pode.
Não, apesar da força do deus grego sádico, o homem pode alguma coisa: a viatura de bombeiros que se despistou era um auto-tanque e os auto-tanques não devem, em circunstancia alguma, ultrapassar os 80 km/h, por mais urgente que seja o combate ao fogo.
No caso da colisão em Aveiro, o homem também pode alguma coisa. Pode aplicar uma das regras de ouro da náutica: neste tipo de embarcações, os passageiros devem usar colete de segurança, para evitar o afogamento após queda à água, como foi o caso. Pode reduzir a velocidade em caso de nevoeiro…
Mas nós, a maioria dos portugueses, achamos que estamos acima das regras.
Cumprir os 80 km/h ou vestir o colete de segurança é, para a maioria, uma prova de falta de confiança.
E quem cumpre a regra é olhado pela maioria com desconfiança.
Por razões turísticas, circulam nos canais embarcações com 20 ou mais passageiros. Deviam trazer os coletes vestidos. Mas não é prático…
Só posso insistir no cumprimento das regras. Chamando a atenção para que os pescadores e os profissionais do mar devem ter aproveitamento nos cursos de segurança, de comunicações e de habilitações (duvido muito que a maioria tenha, pela amostra que testemunhei nos cursos de náutica que frequentei) , que devem usar colete, devem usar rádios VHF, balizas de socorro, etc…e que os profissionais que andam nas estrada cumpram os limites…

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Economicómio XXI - Finalmente, uma proposta a apoiar, na CML e no G20



Finalmente, o senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa faz uma proposta digna de todo o apoio.
Considerando que 160 mil carros penetram todos os dias na cidade, a proposta é a de criar parques de estacionamento junto de cada ponto de penetração, transferir as crianças que estão sendo levadas à escola pelos pais para carrinhas da Easybus, e transferir os pais para o transporte colectivo.
Cada carrinha Easybus, para além do necessário motorista, tem uma hospedeira que garante a correcta entrega das crianças nas escolas que integram o percurso da carrinha.
Os pais seguem caminho sem acompanhamento por hospedeiras.
Apoia-se a ideia, claro, apenas no mundo virtual que é o melhor dos mundos do Dr.Pangloss (ver Voltaire, Candide), porque me parece limitado o universo-alvo (o sucesso dependerá do estudo de viabilidade realizado, claro, mas como estatística de massas não sei, porque o pessoal esforça-se por ter as escolas perto da habitação, a menos que seja pessoal fino, com os filhos nas escolas bi-lingues ou da SMICAR).
Tenho pena de ser tão maldizente, mas porque não se estudam as coisas a sério (não os decisores, antes os técnicos; mas não os mais mediáticos, antes os que saem da escola, ainda sem vícios mas que não tenham ambições de “protagonismo”)? É verdade que é preciso construir parques de estacionamento nas vias de penetração e em zonas chave da cidade (lá vão aparecendo alguns dentro da cidade, mas atenção que devem principalmente: 1 - facilitar a fixação de moradores no centro da cidade e não atrair visitantes; 2 – constituir alternativa ao estacionamento selvagem à superfície que pura e simplesmente tem de ser penalizado com eficácia). Então porque não se mobiliza uma equipa para activar os parques de estacionamento da Pontinha? Inspirou-se alguém no sistema norte-americano de distribuição das crianças pelas escolas em autocarro específico? Pensou que o sistema (mesmo o norte-americano) é energeticamente pouco eficiente? Porque não se fazem inquéritos reais (não baseados em números do princípio do século nem em estatísticas de sistemas fechados de bilhética) para confirmar os tais 160 mil veículos penetrantes e determinar os reais fluxos das deslocações? E já repararam que todos os planeamentos de transportes não podem dissociar-se do planeamento da urbanização da área metropolitana? Já decidiram se afinal a Baixa é para fechar como reserva para turistas?
Por falar em parques de estacionamento, conviria aumentar ospreços dos parques do centro e baixar os dos parques da periferia, para ver se se limita o acesso de automóveis ao centro, e também convinha apoiar a extensão do Lisboa Viva ao pagamento do estacionamento, o que se poderia aplicar já no parque da Pontinha, de que o ML é proprietário (co-proprietário maioritário). Talvez se possa concluir que existe um défice de parques de estacionamento na periferia, com correspondência com o metro. Digam lá se as minhas críticas não são construtivas...
Vamos aplaudir as carrinhas Easybus com hospedeiras?
Sim, como medida cosmética, sim.
PS - Tal e qual como devemos aplaudir a limitação dos bónus dos banqueiros, muitos deles responsáveis pela crise, conforme decisão do G20 de hoje, dia 25 de Setembro de 2009.
Pena o G20 não ter explicado como limita os bónus dos banqueiros dos “off-shores”, mas é melhor que nada. Dá ideia que, se andam a contrariar Adam Smith com a decisão de intervir nas remunerações do “interesse individual” dos banqueiros (não vão mexer nas reformas dos nossos administradores de banco mais mediáticos, pois não?) e a subsidiar bancos privados com dinheiros públicos, também podiam intervir nos “off-shores”, à luz das leis contra a pirataria internacional em vigor no século XIX, ainda Karl Marx não tinha escrito o Capital…
Enfim…

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A debandada continua


A PSP vai sair do Chiado.
Esta é a notícia do dia. Pelos visto o Chiado e a Baixa ainda não sofreram toda a sangria que tinham a sofrer.
Tal como os médicos do século XVIII que queriam curar a hipertensão com sangrias, parece que os nossos gestores da coisa pública acham que a Baixa se revitalizará com a continuação da sangria dos serviços e da habitação (ah, sim, pode revitalizar-se com escadinhas rolantes para os turistas acederem ao castelo; mal acomparado, é como fazer uma maquilhagem perfeita sem ter tomado banho).
Porque nas mentes provincianas e novas-ricas, o que é bom é desviá-los (os serviços e a habitação) para a nova centralidade (que barbarismo, deuses, este neologismo) da Expo, e construir, na Baixa, recauchutando as fachadas (valha-nos isso, que ele arquitecto famoso queria deitar tudo abaixo), apartamentos de luxo e escritórios de topo de gama (como as agencias de publicidade pirosas dizem).
É uma pena, os agentes da polícia que vão deixar de passar na Rua Capelo davam vida ao local, aos restaurantes e às lojas do Chiado.
A desculpa para validar a debandada é que assim as Belas Artes e o Museu de Arte Contemporânea do Chiado podem expandir-se e ocupar na plenitude todo o Convento de S.Francisco.
Que seja, que remédio, mas depois não vão dizer que não têm dinheiro para fazer as obras de remodelação? E há dinheiro para pagar a renda do edifício para onde vão? Pergunto porque a renda dos edifícios na Expo, para onde deslocalizaram o Tribunal da Hora (e outros tribunais), é de 1 milhão de euros.
E não podiam deixar uma esquadrazinha da polícia noutro prédio da Baixa?
Talvez fazer um projecto comum com o Metropolitano, aproveitando o prédio da Rua Ivens para onde estava prevista uma ligação por elevadores até ao mezanino da estação de Baixa-Chiado, e instalar a esquadra no primeiro e segundo andares… sinergias, não era?
Fica assim este modesto blogue, só para dizer que pelo menos há um cidadão de Lisboa, com as contribuições em dia (não esqueçam, caros concidadãos, numa altura em que a receita fiscal mingua, que o prazo para o pagamento da segunda prestação do IMI, quando é o caso, é o fim deste mês de Setembro) que não concorda com o que os gestores da coisa pública estão fazendo com a Baixa da sua cidade.
Não quero dizer que os gestores da coisa pública não tenham sido legitimamente eleitos. Sou capaz é de dizer que escrevi “legitimamente” de propósito, porque não fui capaz de escrever democraticamente.
Porque para ser “democraticamente” teria de a seu devido tempo se ter discutido claramente no período de campanha eleitoral o que é que cada cidadão ou grupo de cidadãos candidatos se comprometia a fazer e ao que se comprometia a opor-se para defender a vitalidade da Baixa.
Assim como assim, a coisa pública tem destes requisitos, não será (ou não teria sido)?
PS - Ui! Afinal a esquadra da PSP não debanda para a Expo. É pior, debanda para Moscavide, para umas instalações "pensadas", como disse o senhor ministro, para serem funcionalmente melhores. Deviam os senhores agentes estar contentes e não estão.
Eu, como cidadão que vê o centro da sua cidade a desertificar e a degradar-se, não estou; não acredito no "pensamento" do senhor ministro.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Uma coisa extraordinária - o protocolo

Aconteceu uma coisa extraordinária. E esta sim, tem grandeza.
Esta é a semana em que a Assembleia Geral da ONU aprova a nova redacção do protocolo facultativo do pacto internacional sobre os direitos económicos, sociais e culturais, em vigor desde 1976, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Portugal também assina.
Este protocolo é para chamar bem a atenção para que os direitos humanos não são só os civis e políticos.
São também aqueles a que na gíria, no tempo da guerra fria, se chamava, “os direitos comunistas”, aqueles que vêm consignados na Declaração dos direitos do Homem, nos artigos 22 a 27 (direito à segurança social, ao trabalho, ao lazer e férias pagas, a um nível de vida suficiente, à educação, à vida cultural).
Só por isto, por agora serem reconhecidos universalmente, valeu a pena ter caido o muro da cortina de ferro (bom, falta cair o muro do México/USA e o da Palestina/Israel, mas lá chegaremos).
Quer isto dizer que a partir de agora qualquer cidadão pode apresentar uma queixa contra o seu estado, se o respectivo governo não lhe assegurar esses direitos.
Ai os adam smithistas, que passam a ser considerados marginais aos olhos dos instrumentos legais se quiserem impor o desemprego para conter os preços, ou a reduzir os custos do serviço nacional de saúde a fechar centros de saúde e maternidades (será verdade que, tendo o critério para o fecho das maternidades públicas sido o de fazer menos de 1500 partos por ano , podem agora as maternidades privadas fazer 150 partos por ano? Será verdade isto que um senhor candidato afirmou durante a campanha? Não vi o desmentido)…
Parece que, se não quiserem ser cínicos, os governos vão ter de alterar a sua política económica (e tem de ser uma política muito bem negociada com o povo, com a falta de dinheiro e de energia que temos).
Será por isso que Sarkozy vai propor a taxa Robin dos Bosques para os bancos lucrativos? Ora aí está por que a direita tem ganho as eleições – porque parece que anda a querer respeitar os direitos humanos (vejam Dona Angela, a Merkel, não a Davis, a subsidiar empresas para garantir empregos; pena que não o faça para a Opel de Saragoça…). Eu ainda sou do tempo em que os senhores governantes vinham dizer: não podemos aumentar os impostos sobre os bancos nem contrariar as “off-shores” porque eles deixavam de investir e a nossa economia piorava.
Agora, se os governos honrarem a sua assinatura do protocolo dos “direitos comunistas”, até parece que estamos na Escandinávia, em que tanto faz um governo ser de direita ou de esquerda porque o pessoal tem a sua segurança social garantida.
Agora, a ONU vem dizer que são marginais se se esquecerem dos direitos económicos, sociais e culturais do pessoal. E eu concordo. Pena não se discutirem estas coisas nas campanhas eleitorais.
Longe vão os tempos em que o administrador de uma empresa de transportes dizia: “Não temos dinheiro para fazer um estudo de impacto ambiental nem para satisfazer todos os critérios legais, não fazemos”. Até que foi obrigado a fazer os estudos de impacto ambiental. Pode ser que agora também satisfaça os restantes requisitos legais.
Não vamos querer que os governos e as empresas possam perder acções no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, pois não?

domingo, 20 de setembro de 2009

Energis V – a energia, o problema fundamental da humanidade

Recomendo vivamente a leitura da revista Ingenium da Ordem dos Engenheiros de Julho/Agosto de 2009.
Distraidamente tinha-a deixado a um canto sem sequer reparar na capa.
O tema é “Energia”. Para não tirar o efeito surpresa (é como nos filmes, é melhor não contar) só cito estes números:
1 – a energia primária (petróleo, carvão, gás, electricidade) importada é cerca de 83% do total de energia primária consumida
2 – 20 % da energia eléctrica consumida é importada
3 – 75% !!! dos bens alimentares consumidos são importados
4 – a quota da factura energética (7.000 milhões de euros) no deficit da balança de pagamentos é de 60% , sendo aquele deficit de 11% (11% do consumo não tem compensação pelas exportações)
5 - a quota dos transportes na factura energética é de 70% (confesso que me parece exagerado, estava à espera de 40%, mas a fonte é credível, talvez seja o transporte individual que esteja a crescer em passageiros.km).
Perante este panorama, queremos discutir exactamente o quê? Energia barata?
Energia tipo maná que cai do céu? Continuará a vox populi a dizer que o professor Ilharco era maluco por dizer que o problema fundamental da humanidade é a energia?
Leiam a revista.

A correlação

A correlação (ou a liberdade de Adam Smith de fumar)

Mais uma correlação.
As estatísticas do serviço nacional de sáude inglês registaram que, desde que entrou em vigor a legislação que proíbe fumar nos espaços públicos, o número de ataques cardíacos diminuiu 10% na Inglaterra e 14% na Escócia.
Trata-se de mais um exemplo do que é uma correlação.
Não é uma relação de causa e efeito.
Eu posso fumar e não será por isso que terei um ataque cardíaco, especialmente se fosse jovem (o que não é o caso).
É por isso que é difícil convencer as colegas jovens mais bonitas a deixarem de fumar.
Mas existe uma correlação positiva entre a liberdade de fumar em espaços públicos e a ocorrência de ataques cardíacos (uma análise correcta exige que se averigue se não haverá outras causas ou circunstâncias que possam ter contribuido para a diminuição dos ataques cardíacos, como, por exemplo,ter baixado o consumo de carne e de outras gorduras, ter melhorado a prática colectiva de exercícios físicos, mas a origem da notícia não fala nisso).
Lá está, a liberdade termina quando entramos no público.
Se os espaços são públicos, se a empresa é pública, parece legítimo proibir o tabaco, uma vez que a correlação parece clara.
Donde, mais valia imprimir nos maços de tabaco: suicide-se (que é um direito individual, embora talvez sujeito a indemnização do individual ao colectivo que gastou dinheiro com ele antes de se suicidar), mas sozinho (o que é um direito do colectivo).
Más notícias para os adam smithistas, que temem agora que o governo proíba as mãesinhas e os paisinhos de fumar nos automóveis quando as criancinhas lá estiverem.
Como dizia o outro, quando começa a discutir-se a liberdade, é porque já não há muita liberdade.
(Ainda há mãesinhas e paisinhos que fumam à frente dos filhos?).

Vera Lynn

Listen Vera Lynn, President Obama. Remember Gandhi. Give up on Afghanistan.
A senhora Vera Lynn tem 92 anos e está mais uma vez no top inglês de discos.
Quando tinha 22 anos começou a segunda guerra mundial.
Tem todo o direito de dizer agora que não compreende o que estão “os nossos rapazes” (os soldados ingleses) a fazer no Afeganistão.
Flash Gordon também não compreende (a menos que o seu pensamento ainda viva no tempo da rainha Vitória – ver reportagem de Eça de Queiroz), mas não quer reconhecer.
Por isso digo que é uma grande esperança da humanidade ainda haver pessoas lúcidas com 92 anos a tentarem explicar estas coisas da guerra.
Listen Vera Lynn, President Obama.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Cochichar

cochichar - v. intr.
1. Falar em voz baixa.
2. Dizer segredinhos

de cochicho - s. m.
1. Ornit. Pássaro conirrostro dos campos, espécie de cotovia; calhandra.
2. Brinquedo em forma de fole cilíndrico de que sai um som imitante ao canto do cochicho.
3. Infrm. Chapéu alto amarrotado.
4. Quarto ou casa muito pequena.
5. Acto de cochichar.



Na minha turma da instrução primária havia duas meninas e dois meninos que gostavam imenso de cochichar, não que todos nós não gostássemos de cochichar e não deixávamos de o fazer, mas porque aqueles quatro se destacavam nessa actividade.
Porém, não entre meninos e meninas. Os cochichos eram só entre as duas meninas e entre os dois meninos.
Ao mais pequenino rumor, lá estava uma das meninas para a outra menina, ou um dos meninos para o outro, mas falando alto, para todos nós ouvirmos, a dizer: “Ai a Alzira; o pai dela chegou ontem a casa depois das 8 da noite. Parece mentira. E a Alzira hoje traz uma nódoa na bata na manga esquerda”. E a outra fazia um ar escandalizado, com a mão em frente da boca. Ou então era um dos meninos: “Ai a mãe do Guilherme; vieram-me dizer que almoçou ontem no restaurante ao pé do trabalho com um colega do emprego, e ainda por cima o Guilherme disse à mãe que não quer ir mais à missa". E o outro também, com a mão à frente da boca.
Como perdi o rastro a todos, ignoro se algum deles terá feito carreira nos meios de comunicação social, ou se exerce a actividade de comentador político, e não os tenho reconhecido naqueles que vejo com exposição mediática.
Vem isto a propósito de ter visto hoje no DN a transcrição de um email dum editor dum jornal da nossa praça para um seu colaborador.
Eu não acredito na veracidade dos factos relatados. Não acredito, pronto, até porque no email está a palavra “conseguir-mos” e eu não acredito que um editor de um jornal português escreva uma palavra dessas.
Quanto aos factos relatados no email, também não acredito neles. Por uma razão muito simples: se acreditasse, teria também de acreditar que o actual presidente da República do meu país, assim como os seus colaboradores ou outros membros de outros órgãos de soberania, estariam ao mesmo nível dos meus antigos colegas do cochicho, e eu, nisso, não acredito, nem por sombras, porque eles são meus adversários políticos, é verdade, e os meus adversários políticos não cochicham.
PS - Vá lá, não nos levemos a sério. Como dizia Almada Negreiros (ver as citações na estação Saldanha II) só nos levarão a sério se não nos levarmos a sério (cito de cor, claro). Deixem-me acabar a mensagem assim:
E agora, tenho de acabar a mensagem e fechar muito bem o computador e o disco exterior, porque um colega mais novo que eu anda a invejar o meu lugar e pôs um colaborador a vasculhar o que eu tenho no computador.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Economicómio XX – O leite derramado

Claro que não vale a pena chorar sobre o leite derramado.
Mas eu choro, nem que seja só para ficar registado (“for the record”).
Cidadãos produtores de leite derramaram ontem em terras de cultivo da Bélgica 3 milhões de litros de leite.
Razão: preços baixos. Eu não sou produtor mas já tinha reparado (o leite em Portugal chegou aos 39 centimos por litro) que havia preços de damping por aí.
Os senhores economistas que nos governam (a nós, Europa; até nem estou a referir-me ao governo local) insistem em conter os preços. Para isso é preciso aumentar o desemprego (aumentando o desemprego baixa o poder de compra, baixando o poder de compra baixa a procura, baixando a procura baixam os preços, baixando os preços o leite derrama-se nos campos), mas eles não se importam porque é o desemprego dos outros (volta, La Fontaine para explicares outra vez a fábula do lobo e do cordeiro). E a propósito deste caso do leite derramado, o que vão propor agora é reduzir as quotas de produção para , baixando a oferta, subir os preços.
Brilhante. Fez-me lembrar a minha professora de história e filosofia, casada com um ministro de salazar, mas de uma formação científica a toda a prova (foi ela que me ensinou a só acreditar num testemunho se a testemunha desse provas de fidedignidade, i.é, àquilo que Fernão Lopes disse, tem de se aplicar um desconto porque pertencia ao partido do mestre de Aviz) a contar indignada como os economistas brasileiros do princípio do século passado mandaram queimar café nas caldeiras das locomotivas do caminho de ferro; terão sido viagens com aroma, para fazer subir o preço do café).
Mais um triunfo de Adam Smith com o leite derramado, ou melhor, dos adam smithistas, porque Adam Smith teria capacidade para absorver os dados do processo histórico e o que os economistas depois dele foram carreando para o património da Humanidade (só alguns, claro).

O problema é que do lado de lá do Atlantico, mais ou menos por altura da 42ª avenida de East Manhattan, chega da ONU/departamento do combate à fome, a lamentação da senhora que preside ao departamento. Diz só isto: não tem orçamento para combater a fome, há 1.000 milhões de seres humanos a passar fome e bastaria 1% do orçamento, atribuído para re-equilíbrio dos comparsas do Lehman Bros e afins, para atenuar os efeitos da fome. Já não é o velho argumento: dêem-me 1% do orçamento da defesa (defesa?), é apenas a constatação de que a concentração (acumulação, como dizia Marx) de capital nas instituições financeiras ultrapassou a decência. Mas como é sabido, a decência não faz parte do léxico da Economia.
E pensar que durante estes anos todos (desde o Tatcherismo e o Reaganismo) nos andaram a dizer que o livre mercado é que resolvia os problemas do mundo.
Acumular capital no sítio errado já é mau, mas mentir?!
Fico pior que estragado quando me mentem.

Rodoviarium VI - o acidente de Penafiel

Exmo Senhor Director
Há alguns dias que tencionava escrever-lhe para criticar a passagem na TV do anúncio “velocidade com qualidade” de um serviço da NET com um automóvel em alta velocidade a cometer infracções ao código. Do ponto de vista psicológico é altamente condenável por sub-liminarmente induzir no espectador a sensação de facilidade na condução rodoviária.O horror do acidente em que morreram 7 jovens em Penafiel leva-me a sugerir que as autoridades rodoviárias:1 – investiguem exaustivamente e divulguem as causas do acidente para que as pessoas tentem evitar a repetição (recordo o acidente do autocarro na A23 cuja investigação permitiu esclarecer as causas); divulgar o horror das imagens de nada serve porque a reacção é a de que “só acontece aos outros”; 2 – estudem as hipóteses de melhorias na estrada (no local do acidente existem 2 vias de rodagem em cada sentido) que poderiam atenuar as consequências do acidente (separadores de sentido e guardas laterais? Limitadores de velocidade com controle de semáforos? Bandas limitadoras das quais aliás já existem algumas? tratamento do piso, da drenagem, do “relevé”? )3 – dinamizem a campanha publicitária de segurança rodoviária, com enfoque na necessidade do cumprimento do Código da Estrada, dos limites de velocidade e da condução prudente, combatendo a ideia infelizmente comum de que a condução deve ser rápida (o comportamento anormal é não cumprir os limites, pelo que, em consciência, a administração da empresa que publicita a “velocidade com qualidade” deveria retirar o anuncio)Com os melhores cumprimentos.




Esta foi a carta que enviei ao Director do DN como reacção ao horror do acidente rodoviário de Penafiel.
A parte mediática das autoridades rodoviárias tem tendência em destacar o facto de que o número de mortos em acidentes tem vindo a baixar. Na realidade não sei (em termos absolutos parece que sim), porque os dados existentes deveriam ser processados de modo a obter indicadores seguros e, mais importante do que isso, de modo a obter correlações entre causas e circunstâncias e os acidentes.
Os dados dos acidentes deveriam ser correlacionados com os passageiros.km e com os quilómetros percorridos (o que é um valor difícil de calcular), com os volumes de combustível consumido (idem), com a população activa e residente, com as condições de segurança das estradas e dos veículos tudo dividido por grupo ou tipo de veículo, de estrada e de acidente.
Isso exige muito trabalho para que não parece haver técnicos suficientes e meios materiais (tenho confiança nos técnicos das referidas autoridades, mas eles precisam também de condições e meios de trabalho que me parece faltar, por exemplo, em termos de técnicas de análise social e de estatística de acidentes).
Mas a parte mediática não deveria brandir as estatísticas, até porque elas continuam a não ser famosas e deveria insistir no apuramento exaustivo das causas e circunstâncias de cada acidente (seguindo-se o tal processamento dos dados para obtenção de indicadores e de correlações).
Há uma sensação de impotência em ver um assunto desta gravidade ser tratado com a ligeireza das citações estatísticas sem aquele trabalho feito.
Sente-se impotência porque todos os dias vemos que a ideia dominante, ou a “cultura” que prevalece é a de que a condução deve ser o mais rápida possível, demonstrando o condutor a sua “perícia” com velocidades elevadas.
Existe uma correlação entre os limites de velocidade e a taxa de acidentes.
Permito-me recordar que uma correlação não é uma relação de causa e efeito. Por isso ninguém diga que eu disse que um acidente ocorre por excesso de velocidade (embora a definição de velocidade excessiva, no limite, seja muito abrangente: velocidade excessiva é aquela em que não é possível parar no espaço livre visível pelo condutor (há curvas de auto-estrada cujo raio é dimensionado para o condutor poder parar se , a meio da curva, avistar um obstáculo na estrada; se for a 130 km/h já não tem espaço para parar e a velocidade é excessiva).
Mas a velocidade também poderá considerar-se excessiva se as consequências de um eventual acidente, com outra causa próxima que não a velocidade excessiva, forem extremamente gravosas. Um carro pode despistar-se por ter rebentado um pneu. Se a estrada tiver uma valeta profunda sem guardas de protecção, as consequências podem ser críticas ou catastróficas se a velocidade for elevada, e ligeiras se for reduzida. Por isso uma estrada nessas condições (não foi o caso da estrada de Penafiel que tem 2 vias em cada sentido, mas sem separador central!? – recordo que, se cada carrinha do acidente circulasse a 80 km/h e o choque tiver sido frontal, o embate equivaleria a 160 km/h, descontando a energia absorvida pela deformação das carroçarias; como parece que a Kangoo já ia despistada e deitada, tendo batido com o tejadilho, eta energia deve ter sido pequena, i.é, o tejadilho não ofereceu nenhum resistência, mas isso deveria ser averiguado pelos investigadores do acidente) deverá ter uma limitação de velocidade, no máximo a 70 km/h ; que evidentemente os condutores têm tendência a desrespeitar porque não vêem obstáculos (também não vêem a gravidade das consequências de cair na valeta), pelo que a única solução será substituir a cultura dominante actual da condução rápida, pelo comportamento rigoroso do Código e pela nova cultura de que o comportamento anormal é aquele que não cumpre os limites de velocidade.
Em resumo, uma correlação destas significa que nos países ou nas zonas em que o limite de velocidade é mais baixo, a taxa de acidentes também é mais baixa (e o consumo de combustíveis fósseis também). Não vale a pena estar a argumentar que os carros actuais são mais seguros (são mais seguros mas também não precisavam de andar tão depressa, uma vez que os tempos de reacção do cérebro humano são os mesmos de há 100 anos atrás, e o valor normalizado de 2 segundos mantém-se; i.é, durante um lapso de atenção perfeitamente normal ou durante um tempo de reacção também normal, um automó vel a 144 km/h andou 80 metros, antes do condutor começar a reagir. Se acham que isso é seguro…).
Correlação é um fenómeno estatístico, temos de o aceitar como qualquer fenómeno e tentar proteger contra a gravidade das consequências.
A investigação exaustiva das causas e consequências vai levantar problemas graves que possivelmente a legislação do nosso país não ajuda a resolver.
As companhias de seguros envolvidas tentarão minimizar os pagamentos e encontrar “bodes expiatórios” (serão as tais leis do mercado e do interesse individual, neste caso dos accionistas da companhia, a funcionar, em lugar do interesse das vítimas ou dos seus familiares; veja-se o caso do acidente do autocarro na A23, em que foi preciso o advogado e a companhia de seguros da condutora do ligeiro investigarem até descobrirem que o condutor do autocarro, possivelmente por cansaço, não se apercebeu do início da ultrapassagem e ocupou parcialmente a via em que o ligeiro circulava).
É possível que a legislação condene a companhia de seguros do proprietário da Kangoo a arcar com as indemnizações às famílias das 6 vítimas mortais e das ocupantes da outra carrinha (se não se apurar contribuição desta para o acidente. A companhia vai atingir o seu tecto e a única solução para os pais da condutora poderá ser (os meus amigos advogados me perdoem se erro, mas se erro corrijam, por favor, o que me faria feliz) tentar provar que a filha utilizou a carrinha abusivamente, contra a sua vontade. Será mais um factor a agravar o seu sofrimento (na verdade, a investigação exaustiva obrigará a averiguar em que estado se encontrava a carrinha e isso será doloroso para a família, mas o objectivo é encontrar causas, mostrá-las a todos e apelar a que as pessoas as evitem). Digo isto porque, se me roubarem o meu carro, e o ladrão desaparecer, a indemnização às vítimas de um acidente que ele tenha provocado antes de eu comunicar o roubo, compete-me a mim. Eu só posso dizer que não me parece justo. Mas legítimo parece que é. Não peçam o meu apoio para estas coisas, por favor. Espero que esteja enganado, até porque há exemplos em que a seguradora se portou bem (caso do atropelamento das 3 senhoras cabo-verdianas no Terreiro do Paço).
Para além da investigação das circunstâncias relacionadas com as preocupações das seguradoras, interessará também averiguar as condições de estabilidade de uma carrinha como a Kangoo nos limites do peso admissível (cerca de 2 toneladas, como era o caso, com eventual desequilíbrio das cargas e consequente centro de gravidade elevado). Quer isto dizer que as carrinhas comerciais deveriam ter registo de velocidade e limitação de velocidade para as cargas máximas transportadas (ou a DGV não as homologaria). Na realidade, todos os veículos deveriam ter este registo e esta limitação (seria muito mais útil do que o GPS, não seria?, mas as leis do mercado…). No entanto, a prestação de informações fidedignas pelo fabricante sobre as condições de estabilidade em função da carga serão muito importantes ou, em alternativa, a realização de ensaios de estrada (seriam muito mais úteis do que os “road test” que nós vemos nas revistas da especialidade sobre BMs , Mercedes, Audis, todo o terreno, SUVs e outros que tais, não?).
Em resumo, as autoridades rodoviárias têm, parece-me, a incumbência de :
1 – assegurar a investigação ao pormenor das causas e circunstâncias em que se dão os acidentes (não basta dizer que a velocidade era excessiva, que a condutora era inexperiente e que a carrinha ia sobrelotada; não basta), relativamente aos condutores, aos veículos e à estrada (e daí retirar propostas de melhorias ou atenuação de riscos);
2 -promover em campanha publicitária alargada os apelos ao cumprimento do Código, dos limites de velocidade, da condução prudente, e combater a publicidade infernal (na verdadeira acepção da palavra) dos vendedores de automóveis rápidos e potentes ou dos contentinhos da alta velocidade da rede da NET (por favor, a velocidade na rede mede-se em Mega bit por segundo, e não e, “Megas”) que se lembraram de pôr um Rolls a derrapar nas curvas e o motorista a ser aplaudido por uma condução transgressora. Essas coisas ficam no subconsciente, e quem vê acha que pode acelerar à vontade porque os carros agora são muito seguros. Não é uma relação de causa e efeito, é uma correlação, mas é um facto. As pessoas não são manipuláveis, mas a cultura que se cria de rapidez na condução acaba por condicionar subconscientemente o comportamento dos condutores.
Experimentem andar a 80 km/h na zona de obras de alargamento da auto-estrada ali entre a área de serviço de Palmela e o Fogueteiro e vejam o ar zangado de quem vem atrás a querer andar mais depressa
Outro exemplo: há uma correlação fortemente positiva entre o número de atropelamentos a velocidade igual ou superior a 50 km/h e a taxa de mortalidade desses atropelamentos. É um dado retirado das estatísticas.
Era essencial construir uma cultura em que comportamento anormal é não cumprir os limites.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Outra vez o Economicómio XVIII – No admirável mundo dos automóveis são doidos e inimputáveis (ver o blogue do dia 20AGO09)

Dona Angela (a Adam Smithista, não a Davis, é claro) está muito contente.
Conseguiu que a Magna austríaco-canadiana entrasse no capital da Opel.
E tão contente ficou que vai subsidiar a Opel com 4,5 mil milhões de euros.
Adam Smith ficou um bocado aborrecido com as piadas que Karl Marx lhe atirou, lá nos assentos etéreos onde subiram.
Porque não foi só o subsídio: foi que a estrutura accionista da Opel ficou assim:
- 10% para os trabalhadores (vivam as parcerias capital-trabalho; como luziam os olhos da minha professora de filosofia do 6º ano – sexto ano da altura, tinha a malta 15 anos, quando nos ensinava os diferentes tipos de constituição duma sociedade…)
- 35% para a própria GM (para continuar a desenvolver carros grandes – sic)
- 20% para a Magna (tanta conversa sobre a Magna e afinal ficam só com 20%)
- 35% para o Sbersbank, um belo banco russo que está muito ligado à GAZ, a grande fábrica russa que fabricava o Volga do Breznev e os Ford russos da segunda metade dos anos 30.
Mantenho o que disse no Economicómio XVIII – são inimputáveis; então vão continuar a fabricar carros grandes? Deve o ser o mercado a reanimar na preparação do próximo rebentamento. Gostam desta economia, não há dúvida.

Rodoviarium V – Em memória das três vítimas nas obras da auto-estrada da Feira-Estarreja em 9 de Setembro de 2009

Morreram 3 pessoas numa zona de limitação a 80 km/h nas obras da auto-estrada, entre Santa Maria da Feira e Estarreja.
À necessidade de investigar as causas de cada acidente respondem por vezes as autoridades brandindo as estatísticas de acidentes rodoviários e mortes, com indicadores que estão efectivamente a melhorar, e com uma “explicação” simples, como neste caso: tudo indica que iam em velocidade excessiva.
Seria muito provavelmente excessiva a velocidade. Por definição, não foi possível parar em segurança no espaço visível à frente da condutora, depois de ter ocorrido um embate nos separadores de plástico.
Provavelmente não teria sido cumprida a limitação de velocidade de 80 km/h naquela zona de obras de alargamento da auto-estrada.
Provavelmente não existem naquele troço radares de controle e multas automáticas.
Provavelmente não existiam deflectores que protegessem do embate com separador de betão o carro que ultrapassasse os separadores de plástico, e o embate com aquele, por parar o carro repentinamente, provocou hemorragias fatais (não é possível evitar essas hemorragias quando a desaceleração é superior a 2G; não é possível absorver a energia cinética por deformação da carroçaria; os air-bags evitam o traumatismo mas não a hemorragia interna devida à desaceleração).
Provavelmente o tempo que já decorreu desde o início das obras é excessivo (julgo que até houve mudança de empreiteiro, mas não tenho a certeza de ter sido neste troço).
Provavelmente não será feita uma investigação completa às causas do acidente.
Provavelmente ficaremos pela estatística.
A estatística é apenas uma arrumação de dados. Falta tratá-los e estabelecer correlações. A seguir colocar hipóteses e testá-las. Mas as autoridades preferem brandir apenas as estatísticas porque é sempre possível afirmar que o número de mortes e de acidentes, comparativamente a igual período do ano passado, ou desde o ano passado, está a baixar.
É difícil disseminar o conceito de correlação. A tendencia dos automobilistas é para se sentirem ofendidos quando se diz que a velocidade excessiva foi a causa de um acidente.
Na realidade não foi a causa, numa relação simples de causa e efeito, porque as variáveis em jogo são muitas (variação das condições de humidade de aderência do pavimento, ressonância própria da suspensão do veículo, rajadas de vento, presença de insectos a perturbar o condutor, encandeamento, desvio da atenção para o telemóvel…). Na realidade trata-se de uma correlação entre as velocidades praticadas e o número de acidentes, resultante de mecanismos estatísticos e de curvas estatísticas de distribuição de eventos em torno de curvas de valores médios. O indivíduo não gosta de ser tratado como um elemento da população sujeita às distribuições estatísticas. A resultante final não deriva das suas opções de aplicação imediata, mas sim das suas opções de fundo. O número de acidentes é elevado porque, por exemplo, as pessoas não têm a percepção dos riscos de conduzir demasiado perto do carro da frente, e não porque determinado automobilista executou esse tipo de condução (quantas vezes o faz sem que nada aconteça…).
É difícil disseminar a ideia de que as estatísticas tendem a criar uma realidade virtual que oculta as causas reais dos acidentes, as que interessa conhecer e combater. As estatísticas podem alimentar vistosos e coloridos programas que encantam decisores. Os decisores, se estiverem longe da realidade dos casos, têm tendência para optar pela realidade virtual em detrimento da realidade efectiva.
É difícil disseminar o conceito de risco. Risco é a associação da frequência com que ocorre um acidente com o grau de gravidade das suas consequências.
Circular a 80 km/h numa zona em obras de alargamento de uma auto-estrada tem uma taxa de ocorrência de acidentes relativamente baixa, e as consequências dos acidentes não são muito graves; circular a 120 km/h na mesma zona tem uma taxa de acidentes mais elevada e as consequências quando eles ocorrem, são mais graves. Quando se fixa o limite de 80 km/h, a autoridade rodoviária quer que os automobilistas corram riscos menores do que se circulassem a 120 km/h.
Mas os indivíduos acharão que a sua liberdade está a ser cerceada. E optam por circular a velocidades superiores, porque estão certos de que o acidente não ocorrerá. Porém não lhes compete a eles avaliar o risco a suportar (a gestão de riscos do sistema rodoviário não está entregue aos seus utilizadores, mas á respectiva autoridade). Além de que geraram um efeito perverso: a razão por que os automobilistas acham que não ocorrerá nenhum acidente é porque têm confiança (auto-estima excessiva?) nas suas qualidades de condução. Cumprir os limites de velocidade seria o reconhecimento de uma deficiência. Grupos de risco são os jovens (não querem ser acusados de inexperientes), as mulheres (porque vítimas do complexo machista) e os idosos (porque iniciaram o seu processo de degradação física).
Provavelmente, este efeito perverso gerará uma “pressão psicológica e social”, revestindo aspectos de “imperativo social”, que suscita incomodidade no próprio condutor se ele contiver a velocidade nos limites, além de sentimentos de que não é igual aos outros. Porque provavelmente será continuamente ultrapassado por apressados, com outros apressados encostados à rectaguarda do carro aguardando “vez”para ultrapassar. Os apressados exteriorizam com muita facilidade o seu descontentamento, e vitimizam-se porque chegarão atrasados ao emprego ou ao negócio aprazado (têm dificuldade em levantar-se mais cedo para sair mais cedo de casa, ou porque são adeptos confessos da eficiência e da competitividade e querem percorrer mais quilómetros do que os competidores no mesmo tempo, para produzirem maior volume de negócios). Ou simplesmente o seu precioso tempo está a ser desperdiçado. Vão ter de chegar a casa mais tarde para beber um uísque enquanto não jantam.
Em resumo, parece ser importante que as autoridades e os observatórios de segurança rodoviária privilegiem e dêem visibilidade pública a duas acções:
1 – que cada acidente seja investigado até aos últimos pormenores e as suas causas classificadas e publicitadas (não basta concluir que velocidade era excessiva, tem de se saber qual a causa directa, i.é, o que aconteceu de diferente das “n” vezes em que a velocidade poderia ser a mesma mas o acidente não ocorreu); eu sei, exige meios e dinheiro;
2 – que sejam passadas mensagens nos meios de comunicação social destacando que os limites de velocidade são mesmo para cumprir, que não deverá haver nenhuma espécie de “imperativo social” a constranger as pessoas a exceder os limites, nem nenhuma obrigatoriedade em facilitar aos apressados as velocidades superiores aos limites; o comportamento anormal é exceder os limites, não é cumpri-los.
Faço votos.

Jaume d’Urgell e Ludna Ahmed Hussein

Com a devida vénia àqueles autores que desenvolvem histórias aparentemente sem relação umas com as outras, simultaneamente em partes diferentes do planeta, pergunto: o que têm de comum Jaume d’Urgell , informático catalão, e Ludna Ahmed Hussein, jornalista sudanesa?
Resposta: multas que não pagaram.
Jaume foi multado por hastear uma bandeira republicana em Espanha. Para quem se tenha esquecido, eu recordo que a Republica espanhola saída das eleições de Fevereiro de 1936 foi interrompida por uma sublevação militar e ainda não foi reposta, apesar da realização periódica em Espanha de eleições democráticas.
Ludna foi multada por usar calças em lugares públicos no Sudão, onde os clérigos que pontificam nas exegeses do Corão definiram, por seu exclusivo critério, uma vez que o Corão é omisso na definição da indumentária, que era indecente usar calças. Para quem se tenha esquecido, o problema de algumas correntes da religião muçulmana é que aparecem uns senhores que desenvolveram doutrina que não está no Corão nem na prática do Profeta, como sendo a vontade de Alá (são as sunas). Quer-me parecer que se Alá quisesse que as pessoas não tivessem dúvidas tinha posto no Corão, não era? Mas este é o problema teológico- linguístico de qual a língua em que se exprime uma divindade, porque uma língua pode ainda não ter desenvolvido um étimo para uma coisa concreta.
Jaume está hoje a ser julgado. Votos de que o juiz tenha juízo. Jaume continuará a chamar a atenção dos seus concidadãos para que nalguns países europeus há uma inconformidade grave à qual a nossa indulgência fecha os olhos: alguns cargos públicos (rei, príncipe) são ocupados por hereditariedade, contrariando o princípio da igualdade perante a lei e da natureza electiva dos cargos públicos. Se não conseguimos resolver o assunto pelo debate público, então façam o favor, as famílias reais, de passar a incluir nos seus membros alguns republicanos, para ver se escusamos de nos preocupar com este assunto. Salud y Republica, Jaume.
Ludna já foi julgada e libertada. Apesar de tudo, há juízes no Sudão, e o debate teológico acaba por ser possível, o que é uma verdadeira esperança. Baraka lao fik (que as bênçãos do céu desçam sobre ti e os teus descendentes), Ludna.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Mais uma didáctica viagem ao Algarve - Let’s take the Pendolino train to Faro




Let’s take the Pendolino train to Faro
Assim poderá começar um pequeno vídeo de propaganda do serviço Alfa da CP. Juntam-se umas imagens dumas praias e dum turismo rural no Algarve, com turistas sorridentes a embarcar no Pendolino e a nele tomar uma refeição “nouvelle cuisine”.
A percepção de que é um serviço de qualidade infiltra-se no córtex cerebral de quem vê.
A conclusão sub-liminar chega rapidamente: para quê gastar dinheiro com o TGV se o que temos é tão bom?
Será? Comparando com os padrões dos países africanos, ou mesmo de alguns países europeus que há vinte anos eram províncias, será. E não tenho dúvidas de que, com os meios disponíveis, será impossível fazer melhor (a CP chega a colocar todos os 10 Pendolinos que possui em circulação, sem reserva imobilizada).
Let’s take the Pendolino train to Faro.
Façamo-lo. Verão que é mesmo didáctico.
O Pendolino entrou suavemente, como se fosse um comboio suíço, na estação de Entrecampos, três minutos antes da hora anunciada para a partida. Vinha do Porto, como de costume, e como de costume o painel de escrita variável dos salões de passageiros anunciou orgulhosamente: chegámos dentro do horário . E partiu à hora certa, pouco faltava para as 19 horas, 30% dos telemóveis da carruagem a retinir e 10% dos passageiros entretidíssimos com os seus computadores portáteis.
Porém, estranhamente vagaroso e hesitante. Vantagem para os apreciadores da paisagem, que da ponte se avista o jardim das Necessidades, o amontoado dos contentores de Alcântara, à espera do comboio para Madrid ou do barco para Angola, e o rio da minha aldeia.
E aí temos a primeira asserção didáctica: o Pendolino sai de Lisboa a passo de caracol porque vai atrás do comboio suburbano da FERTAGUS, e a lição 1 é que uma infra-estrutura deve estar vocacionada para o seu modo de transporte específico.
Querer que uma linha sirva vários modos de transporte é condená-la ao insucesso em termos de capacidade aproveitada. Tráfego inter-urbano de velocidade mais ou menos elevada é uma coisa, outra coisa e modo é o tráfego suburbano de passageiros, ou o de mercadorias… Tem de se disseminar o conceito de modo de transporte.
Mas em Portugal desceu uma maldição sobre os sistemas de transporte, que é a de os decisores serem muito poupadinhos (enquanto gerem as empresas, claro, porque na sua vida particular utilizam um modo de transporte para se deslocarem na estrada e outro se circulam fora da estrada) e quererem utilizar uma infra-estrutura até ao fim. Há uma analogia interessante com o hidro-avião: é um mau avião e é um mau barco. Uma infra-estrutura que suporta o modo suburbano e o inter-urbano simultaneamente presta um mau serviço inter-urbano e um mau serviço suburbano (comparativamente com a alocação específica).
E assim prosseguimos até Fogueteiro a velocidades próximas de 30 km/h, numa clara humilhação para uma máquina capaz de mais de 220 km/h de forma sustentável.
Na Quinta do Conde, uma pequena depressão no leito de via, sensível para os 80 km/h que já atingíamos. Sobe a velocidade a 100 km/h na zona de Penalva mas decai a 40 à aproximação de Pinhal Novo. Seria o suburbano à frente ou problemas de via no terreno arenoso da península de Setubal?
Mas já aceleramos após a paragem de horário em Pinhal Novo e atingimos 219 km/h , porém com alguns movimentos incómodos de lacete e de galope. Deixamos o Poceirão, fadado a altos destinos com a sua plataforma, centro gravítico suficiente para desviar o traçado rectilíneo do TGV para Lisboa, que assim fica com mais 5 km.
A velocidade baixa para 170 e atravessamos os campos de arroz do estuário.
Mas primeiro paramos 10 minutos, por alturas da Marateca, à espera do intercidades que vem do Algarve. Porque já estamos em via única (simples). A via única é outra maldição que se abateu sobre as nossas infraestruturas por serem tão poupadinhos os gestores. Querem tirar o máximo de proveito da via única, que tudo se resolve com cruzamentos espaçados e uma boa sinalização ferroviária.
Não, não se resolve. Qualquer desvio do horário é suficiente para desencadear uma cadeia de atrasos. E depois é preciso contar com as mercadorias e com os trabalhos nocturnos de manutenção de via. A nós tocou-nos 10 minutos, que vieram juntar-se aos atrasos da “perseguição” ao suburbano. Os decisores são muito capazes de nunca terem viajado na linha do Algarve…
Pelo que a lição 2 é a de que só, e só se, o tráfego fôr muito reduzido a via única poderá satisfazê-lo; por melhor que seja a sinalização ferroviária e a distribuição dos cruzamentos.
A paragem não prevista de 10 minutos permite-nos contemplar o crepúsculo nos arrozais do Sado. As cores são uma verdadeira maravilha. Chega do sul o intercidades. Esperá-lo-á, mais adiante para ele, uma perseguição a um suburbano da FERTAGUS, liquidando a esperança do maquinista de recuperar algum do atraso que traz das curvas das serranias algarvia e alentejana.
Vamos até Alcácer do Sal, bordejando o Sado, chegamos aos 170. Fica para trás um desvio e uma ponte metálica em construção, para uma futura linha de mercadorias Sines-Poceirão - e ainda mais além, a Madrid (irá sobrecarregar a pobre linha existente no troço para o Poceirão? Sobrecarregará, sim, se um gestor poupadinho quiser poupar 30 km de via dupla entre o estuário do Sado e o Poceirão; e limitará as suas condições de manutenção).
A travessia do Sado em Alcácer, pela ponte antiga, obriga a velocidades entre 80 e 120 km/h. Passamos por Grandola a 130, mas noto um ligeiro garrote (“bico” afectando o paralelismo dos carris). Subimos a 180 à aproximação de Canal Caveira, protegidos os seus restaurantes por barreiras acústicas. Ligeiro movimento de lacete. Continuamos a subir a velocidade, até 190, mas mais movimentos de lacete. Logo seguidos de abrandamento para 60 km/h. Não, não é nenhum suburbano. As condições de via entre Canal Caveira e Ermidas não são boas. Só por breves momentos atingimos 130, na altura em que a lua crescente se destaca aos 45º de declinação e às 2 horas relativamente ao movimento do comboio. E logo voltamos a descer a velocidade, enquanto a simpática empregada me põe à frente um tabuleirinho com um creme de alho francês e meia alheira frita com salada de grelos e fatiazinhas de batatas cozidas com casca, em clara exibição de “nouvelle cuisine” preocupada algo pretensiosamente com a gastronomia tradicional.
Depois de Ermidas conseguimos 200 km/h, mas à aproximação da Funcheira reduzimos para 30 km/h. Não pode ser só um retardamento para o cruzamento com o outro intercidades. Esta via férrea necessita de intervenção. A seguir a Funcheira, quando atingimos 100 km/h, noto movimentos de lacete e de galope. Ligeiros embora, mas reais (não tão graves como numa viagem que fiz há dois anos, à passagem pela zona de Grandola; na semana seguinte porém, notou-se que a manutenção da via férrea tinha entretanto intervindo). A região é de serranias, cheia de curvas (para isso ele é pendolino), e vamos variando a velocidade de 40 a 100, outra vez a 40, agora a 99, mas novamente a 40 para subir a 120, e descer outra vez a 40 até que à aproximação de S.Bartolomeu de Messines conseguimos 140 km/h.
Eu diria que se poderá falar em lição 3: o grande segredo duma linha de alta velocidade, ou de velocidade mais ou menos elevada, é o trabalho de manutenção e de correcção de via.
Não é possível explorar convenientemente uma linha com deficiências ou limitações de traçado ou de projecto, instalação ou manutenção da via férrea (por favor, não se lembrem de pôr passagens de nível nem partilhas ou cruzamentos com linhas de outros modos, nem curvas apertadas).
O que colide com a concepção “poupadinha” dos decisores (sim, a manutenção é cara e de muita responsabilidade): há que analisar muito bem se vale a pena “aproveitar” e remodelar a via férrea existente, até porque ela é única , ou se deverá projectar-se um novo traçado de via dupla, com recurso a viadutos e túneis para limitar as curvas verticais e horizontais (permitindo assim o aumento da velocidade de circulação).
Não conseguimos melhor que 150 km/h entre S.Bartolomeu e Tunes. Aqui, paragem de horário , para alimentar o ramal de Lagos. Um pequeno garrote á saída de Tunes e marcha entre 50 e 110 até Albufeira. Quase que se esvazia, o comboio, estamos no Verão. Pequenos movimentos de galope antes e depois de Loulé, mas também íamos a 150 km/h. E finalmente chegada a Faro, com a mensagem desanimada: “Pedimos desculpa pelo atraso”. Mas a indulgência é muita, e 11 minutos de atraso, com as condições de exploração da linha, é muito bom.
Esta poderia ser a lição 4: Não, 11 minutos de atraso não é muito bom, é medíocre; porque o horário já prevê muitos dos constrangimentos da linha, desde os atrasos nos cruzamentos às limitações de velocidade por deficiência da via.
Mas sim, também podemos dizer que 11 minutos é muito bom (enfim, entrámos em Faro 3 horas e 5 minutos depois de sairmos de Entrecampos, o que dá uma média de 91 km/h; tantas paragens de horário não ajudam nada a média, mas nós portugueses, gostamos que os comboios rápidos parem em muitas estações), se considerarmos que o trabalho dos profissionais envolvidos supre as limitações dos meios que lhes são postos à disposição. Se a nota final é baixa, não é por causa dos profissionais, mas devido às más decisões, ou à ausência de decisões, que de há muitos anos fustigaram a linha do Algarve.
E essa poderia ser a lição 5: importa que a percepção que se dissemina das coisas, neste caso do nível do serviço da linha do Algarve, não esconda os factos reais, que são o nível insuficiente do serviço prestado, apesar do brio dos seus profissionais. E que são urgentes decisões.
Não, o nível do serviço Lisboa-Faro não é satisfatório (o de Lisboa-Porto também não é, mas as condições também são outras, embora se possa dizer que ainda aqui o Pendolino não pode beneficiar da sua velocidade de ponta devido a limitações da via férrea e da exploração da linha, francamente saturada).
Se Portugal quiser usar a sua soberania e cumprir as boas regras de eficiência energética, terá de gastar dinheiro com as suas infraestruturas ferroviárias principais. Não será bom para os vendedores de veículos rodoviários, de transporte individual ou colectivo, nem para os vendedores de combustíveis fósseis, mas não parece haver alternativa, pese embora muitos economistas não concordarem com esta análise.
Mas também os economistas não são obrigados a aceitar argumentos técnicos, pois não? Além de que não somos obrigados a fazer tudo o que eles dizem…

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Gestionarium VII - E se a senhora dona Manuela Guedes fosse directora de engenharia numa grande empresa (ou mesmo média)?

Suponhamos, apenas como exercício postulador de ficções e de hipóteses de estudo - que é uma das capacidades que distingue a espécie humana de outras espécies - que a senhora dona Manuela Guedes não era directora de programas numa empresa de comunicação social, antes era engenheira e directora de engenharia numa grande empresa, mais virada para as melhorias nessa empresa do que propriamente para as grandes obras de fachada.
A senhora, suponhamos sempre, tinha um programa razoável de actividades e uma estratégia de aplicação desse programa que infelizmente não coincidia inteiramente com as ideias dos representantes dos accionistas nos órgãos de gestão da empresa.
Continuemos a supor que a opinião pública, perante os resultados da empresa no que para ela, opinião pública, era tangível, se dividia entre o apoio à senhora engenheira Manuela (pequena quota de apoio, esta, atendendo à pouca visibilidade das acções da direcção de engenharia) e o apoio às orientações dos accionistas.
E vamos que, no legítimo exercício dum direito discricionário e gestionário consignado na lei do trabalho (passe a redundância na construção da frase), os representantes dos accionistas na empresa desviavam a engenheira Manuela para funções mais pacíficas dentro dela (dela da empresa), ainda menos interferentes com a visibilidade pública, colocando-a, por exemplo, na sala dos elefantes brancos (sem desprimor), ou numa prateleira simples.
O exercício de ficção poderia ser este: seria que a opinião pública e os meios de comunicação social, e o órgão legislativo da República (para subir até este, pareceria que só se fosse o caso de se querer melhorar a lei do trabalho ou as regras de funcionamento das empresas) se deteriam a analisar e a perorar sobre o caso?
Mesmo que o programa da engenheira Manuela contribuísse para a qualidade de vida da comunidade em geral , e em particular através de maior comodidade na vida citadina, e que o seu não cumprimento a afectasse (à qualidade de vida)?
Seria que?
Ou, por simples inexistência de base de apoio ou de massa crítica o caso morreria à nascença no silêncio tumular da blogosfera?

Sociologia da base de apoio ou massa crítica de um plano de expansão de uma rede de transportes urbanos

Vamos supor que estava a doutorar-me e que o tema da tese era este que tenho em título.
Explicando melhor, o tema seria a investigação sobre o que mais agradaria a uma população enquanto plano para expansão duma rede de transportes urbanos e, portanto, o que ela gostaria de ver e ouvir para aplaudir quem lhe apresentasse esse plano.
Não seria propriamente um ensaio político. Seria mais de “marketing”… sociológico, claro.
Para fazer as coisas como deve ser, teria de operacionalizar umas quantas técnicas de análise social, passando por inquéritos e debates públicos.
Mas eu disse que era uma suposição, e por isso imaginemos que começávamos por convencer as pessoas que, ao comprarem ou alugar uma casa, há uma lista de verificações de que faz parte, por exemplo e sem que ninguém questione, a existência de uma rede de fornecimento de electricidade, de gás, de água, de comunicações. Ou nem sequer faz parte porque não passa pela cabeça de ninguém que se venda uma casa sem acesso à rede eléctrica (a menos que se pretenda o sossego absoluto numa serrania isolada).
Então operacionalizemos a consciencialização da necessidade de incluir na lista a verificação de que a casa que se pretende tem ligação à rede de esgotos e que esta está dimensionada para suportar 90% da ocupação das casas da povoação servida (não riam, especialmente se se lembrarem da resposta de um presidente de câmara do Algarve quando lhe perguntaram se ia suspender a emissão de licenças de construção até ter a rede de esgotos e de ETAR com capacidade para escoar os esgotos das casas existentes e projectadas; a resposta foi parecida com aquela do gerente do supermercado quando disse que perderia muito dinheiro se retirasse das prateleiras os iogurtes que tivessem atingido o prazo de validade).
Depois deste esforço de consciencialização, tentaríamos que a população-alvo endogeneizasse outra coisa simples: que a casa só deveria ter licença de habitação depois da respectiva câmara certificar que as vias de comunicação eram suficientes para escoar o tráfego previsível à saída de manhã para os empregos e ao fim da tarde para o regresso. E que as mesma vias suportariam com uma pequena degradação picos de fim de semana coincidente com início ou fim de férias e de realização de espectáculos de massas.
É evidente que as urbanizações da linha de Sintra ao longo do IC-19, se fosse essa a prática institucionalizada, não poderiam ter sido construídas. Mas seria interessante que a opinião pública aceitasse que o dimensionamento de uma rede de esgotos e de uma rede de transportes devem ser indissociáveis da construção das habitações. Perderíamos porém uma característica bem portuguesa: primeiro constrói-se, e depois vê-se o que falta; se for preciso construir uma via rápida, constrói-se.
(Não resisto a mais um parênteses: quando se projectou a Alta de Lisboa, os próprios empreiteiros propuseram, com alguma comparticipação, um metro ligeiro de superfície, a eixo da avenida principal, com alguns viadutos para permitir “sítio próprio” e cruzamentos desnivelados. Pois quem devia decidir decidiu mal e optou por não deixar construir. Neste momento, passados uns anos, é a própria câmara de Lisboa que pede que estudem uma linha de metro ligeiro).
Voltando à tese que dá o título a este comentário, reduzamos o nível de ambição e concretizemos.
A população adjacente ao IC-19 (e também ao IC-16, ao IC-17 e ao IC-30) sente-se feliz no casulo (“cocoon”) do seu carrinho do segmento médio, com ar condicionado e estereofonia, onde passa duas agradáveis horas por dia enquanto consome combustíveis de origem fóssil.
Não parece constituir uma base de apoio para um plano de expansão de uma rede de transportes urbanos; nem parece poder integrar uma massa crítica que debata modelos e soluções para essa rede. Quando muito, daria algum apoio a que se estudasse qualquer coisa que ajudasse a retirar do IC-19 (e também do IC-16, do IC-17 e do IC-30) aqueles automóveis mais antigos, sem ar condicionado e com rádios ordinários, conduzidos por pessoas de menor poder económico e estatuto social mais baixo que deveriam, esses sim, ser desviados para o comboio de Sintra. Por razões de segurança, o comboio da linha de Sintra deveria ser como um gueto, de onde não sairiam os grupos ou gangues de jovens organizados. Aqui estaríamos a mudar de tema, a estudar as causas e as soluções para a criminalidade juvenil, mas ainda aqui não pareceria que a população-alvo do IC-19 estivesse interessada em constituir-se massa crítica.
E a população de menores recursos económicos? Quer a parte que todos os dias dá vida aos comboios das primeiras horas da madrugada para garantir as limpezas dos escritórios das empresas de serviços onde brilham os automobilistas de ar condicionado do IC-19; quer a parte que, desempregada ou desorientada na vida vai circulando de comboio; não serão também base de apoio porque desconfiarão de qualquer coisa nova como mais uma hipótese de mais dificuldades. E como massa crítica também não, apesar de alguma população nestas condições ter ideias bem definidas. Pelo menos é o que vemos quando há eleições, embora seja claramente minoritária. Mas mais uma vez seria um desvio do tema da tese, tentar estudar a correlação entre consciência política e capacidade para integrar uma massa crítica sobre equipamento social. Abandone-se esta pista.
Mas ainda não falei nos gestores de topo. Os gestores de topo, quer sejam os das empresas privadas, das empresas públicas, ou das entidades públicas, têm um pequeno problema que os impede, na sua maioria, de entender os problemas das redes de transporte: é que só andam de BMW da série 5 para cima ou de Audi de A6 também para cima. E assim é muito difícil avaliar os constrangimentos e as deficiências das redes de transporte. Daí a dificuldade em encontrar soluções, até porque as explicações dadas pelos técnicos muitas vezes não primam pela coerência. Não podemos também contar com eles, gestores e técnicos adjacentes, para base de apoio para novos planos de expansão de redes de transportes urbanos, nem muito menos para integrar a tal massa crítica que permitiria debater os problemas até começarem a delinearem-se soluções… Poderíamos talvez tentar a solução do general De Gaulle (pediu o helicóptero e disse lá em cima para o ministro dos transportes, contemplando os engarrafamentos: “résoudrez-moi cette merde”; o ministro reuniu com meia dúzia de outros ministros, e cada um deles com meia dúzia de técnicos da RATP e da SNCF, que por sua vez reuniram várias equipas pluri-disciplinares de técnicos, que em debate e em processo iterativo fora delineando a estrutura do “Reseau Express Regional”, tudo sem génios e sem iluminados detentores da verdade), mas é um método difícil em Portugal, como difíceis são os métodos que mais uma vez cito, da “Sabedoria das multidões”, de James Surowieky (não consigo mesmo convencer ninguém, mas vou insistindo).
Em resumo, a minha tese concluiria que não é possível, neste momento, reunir uma base de apoio para um novo plano de expansão de uma rede de transportes urbanos, nem uma massa crítica que permita a sua discussão inter-activa.
O grande perigo é aparecerem novos planos com base em trabalhos de génios e de iluminados, como disse há pouco que não devia fazer-se (lembram-se dos recentes planos para a recuperação da Baixa, da zona ribeirinha, do plano estratégico da CML? Foram convidados ilustres de reconhecido mérito segundo os padrões da comunicação social, todos geniais e iluminados por ciência que não ilumina os comuns dos mortais; saiu um trabalho de teorização brilhante; atrevi-me a enviar um comentário à CML; silêncio tumular – ao menos convidassem finalistas para um concurso de ideias).
O grande perigo é também esse planos serem dominados por outros mecanismos que não os dos interesses “tout court” (eu podia ter escrito “estritamente”, mas deixem assim como homenagem à RATP) da mobilidade das populações, e das correcções urbanísticas que são indissociáveis de qualquer plano de rede de transportes.
E assim, amargamente como facilmente se depreende, se conclui a minha tese sobre
a “Sociologia da base de apoio ou massa crítica de um plano de expansão de uma rede de transportes urbanos”, pedindo aos meus amigos sociólogos que me mostrem onde falhei.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Give up on Afghanistan, president Obama

A Mesquita Azul - Afeganistão





1 – Mossadegh, o petróleo e o Irão
Mossadegh, como primeiro ministro do Irão, expropriou em 1951 a Anglo-Iranian Oil Company (a que mais tarde mudou de nome para BP), que não quis aceitar a compensação de 25% sobre os lucros.
Os governos norte-americano e inglês da altura, açulados por Churchill, que acusou Mossadegh de tendências pró-comunistas (o que era redondamente falso), decidiram promover um golpe de estado organizado pela CIA (está no arquivo desclassificado). O golpe deu-se em 1953 e Mossadegh foi acusado de alta traição. Porém, a sua popularidade levou os juízes a comutar a pena para prisão domiciliar. Morreu 14 anos depois.
Em 2001, Madeleine Albright reconheceu que o golpe da CIA foi um retrocesso no desenvolvimento do Irão e ajuda a compreender por que no Irão não se gosta dos USA e da Inglaterra.

2 – Eça de Queiroz e o Afeganistão
Com a devida vénia, reproduzo de http://emgestaocorrente.blogs.sapo.pt/121420.html
parte do texto de Eça deQueiroz escrito em 1880 a propósito da invasão do Afeganistão. A história repete-se (nas mesmas crónicas há umas páginas aterradoras sobre um massacre cometido pela frota inglesa no Cairo) e não há meio de convencermos os poderes dominantes de que vão por caminho errado.
“No entanto a Inglaterra goza por algum tempo a «grande vitória do Afeganistão» com a certeza de ter de recomeçar daqui a dez anos ou quinze anos; porque nem pode conquistar e anexar um vasto reino, que é grande como a França, nem pode consentir, colados à sua ilharga, uns poucos de milhões de homens fanáticos, batalhadores e hostis. A «política», portanto, é debilitá-los periodicamente, com uma invasão arruinadora. São as fortes necessidades de um grande império. Antes possuir apenas um quintalejo, com uma vaca para o leite e dois pés de alface para as merendas de Verão…(…)”


3 – O general Chrystal e o Afeganistão
"A situação no Afeganistão é grave, mas a vitória ainda é possível e requer uma revisão da estratégia, do envolvimento e da determinação, assim como uma melhor coordenação dos esforços”
Isto disse o general McChrystal, comandante norte-americano no Afeganistão (será que o general Chrystal conhece aquela “boutade” do seu confrade austríaco, na primeira guerra mundial : a situação é catastrófica mas ainda não é grave?).
Por outras palavras, não há solução militar (já dizia Eça de Queiroz). Se a melhor coordenação dos esforços fosse possível, já teria sido realizada, não será?
Desista do Afeganistão, presidente Obama.
Deixe o “flash” Gordon a falar sozinho até perceber que tem de mandar regressar os soldados.
Agora acuse-me de querer abandonar as mulheres afegãs à tirania do fundamentalismo islâmico.
Permita-me discordar.
Já Mossadegh, há mais de 50 anos, dizia que as mulheres na escola e na universidade não precisam de andar de véu.
E não pode ser considerado blasfémia pensar que o próprio Profeta achava que era bom Khadidja e Aisha terem sido mulheres cultas, como qualquer mulher muçulmana pode e deve ser. Não vou dizer quem eram estas senhoras, porque, se sabe quem são, não vale a pena dizer, e se não sabe, deverá ser aproveitada a oportunidade para os seus conselheiros tomarem o devido conhecimento.
É que há uma profunda ligação entre o povo iraniano e o povo afegão.
Pegando na grande sugestão de Gandhi, resolver os conflitos sem violência, eu sugiro que peça o apoio aos “sábios” xiitas do Irão para explicar como é possível deixar ir as moças para a universidade (é verdade que no Irão também as obrigam a andar com o cabelo tapado, mas isso há-de melhorar, também sem violência, como queria Gandhi; sem esquecer que Gandhi se fartou de pregar a produção industrial para poder fazer trocas). E isso, para já é o essencial, que as moças afegãs possam ir para a universidade sem que as lapidem. Os teólogos xiitas podem explicar isso aos “talibans”.
Depois, se quiser dar uma ajuda, é discutir com os estados da região como pôr a economia a funcionar, como é que se podem desenvolver as industrias extractivas no Afeganistão (engraçado, os jornais não costumam explicar que o país é rico em petróleo, gás natural, carvão, urânio, ferro, ouro, prata…) de modo a acabar com o predomínio do ópio no PIB afegão (esta mania de copiar a Califórnia…). Tem de dar a volta por cima, eu sei que não gosta deles, mas terá de ser, pelos vizinhos de cima – Turkmenistan, Uzbekistan, Tadjikistan, China, e não se esqueça de sentar à mesma mesa India e Pakistan… Mas discutir sem armas. Discutir antes a economia… que é o que interessa, mas na perspectiva de Mossadegh...
Give up on Afghanistan, president Obama, proceed like Gandhi. Please.

A nossa crise

Podemos bem com a crise do Burkina Faso e do Alto-volta.
Mas afinal talvez possamos com a nossa própria crise.
Baixou o volume de vendas de automóveis ligeiros, mas ainda deu, em Agosto de 2009, para vender 10.000 unidades.
Assim vai, pois, o investimento no sistema de transporte individual. Com a crise, vender-se-ão este ano cerca de 180.000 unidades em vez dos 250.000 do ano passado (por acaso vão vender-se mais Porsches este ano, embora menos Jaguares).
Admitindo 3.000 contos por unidade, teremos 540 milhões de contos (atenção que no ano passado terão sido 750 milhões).
Isto é, temos um sistema de transportes que se amortiza em 5 anos e que todos os anos consome, só como investimento, mais de 500 milhões de contos (2.500 milhões de euros).
Este sistema é responsável por uma quota de 70% nos transportes urbanos da área de Lisboa quando seria legítimo reduzi-la para 30%. (10% deste investimento anual destinar-se-á a transporte em Lisboa? dará 50 milhões de contos por ano para TI em Lisboa; quererá issodizer que seria legítimo investir 20 milhões de contos todos os anos em TC só como contribuição do TI?).
Acham caro uma extensão Alameda II -S.Sebastião II por 200 milhões de euros? Ou a terceira travessia do Tejo para o TGV por 3.000 milhões? para serem amortizados entre 50 a 100 anos?
Nós, portugueses, temos graves dificuldades na avaliação e no dimensionamento das coisas...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Descarrilamentos em Yaoundé

Montanhas nos arredores de Yaoundé



Na sexta feira e sábado da semana passada ocorreram 2 descarrilamentos na cidade de Yaoundé, capital dos Camarões, ali ao lado nascente da Nigéria.

No primeiro morreram 3 pessoas, na sequencia do descarrilamento e explosão dos dois ultimos vagões de transporte de petróleo.

No segundo morreram 10 pessoas porque as ultimas dez carruagens descarrilaram e escorregaram por uma ravina.

A linha é explorada pela Camrail sob concessão de 2000 a 2020 à Bolorés.

A Bolorés é um grupo francês. A via pertence ao Estado e o material circulante à Camrail. Por ironia do destino, a administração da Camrail viajava no comboio acidentado para verificar in loco as razões das reclamações dos passageiros.

Não é um problema do terceiro mundo.

Acidentes assim aconteceram recentemente em Viareggio (as válvulas de um vagão não resistem a um choque?) e na Croácia (deslisamento das rodas e velocidade excessiva).

Consta que não havia investimentos nas infraestruturas da Camrail. Aliás, a maldição que desceu há anos sobre as empresas ferroviárias, com a estrutura "accionista" muito bem "explicadinha" e "arrumadinha" para dar oportunidaes de negócio a empresas privadas, torna esta questão universal (os vagões de Viareggio pertenciam à multinacional GATX) porque dilui as responsabilidades em conflitos de fronteiras de propriedade da infraestrutura para um lado e do material circulante para o outro, sem que apareçam as vantagens do controle mútuo.

Resumindo: enquanto não há acidentes, tudo corre bem, apesar da falta de manutenção e de investimento ir preparando a desgraça. Não se pode poupar, pronto.

Difícil de explicar isto aos economistas.