quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Energis VI – A energia do hambúrguer e as bicicletas


Deu-se o caso que tive de investigar uns números para um powerpoint a apresentar na minha empresa (minha no sentido do outrem para quem trabalho, ou seja o que for que por este termo devamos entender, dentro ou fora da cobertura da definição já clássica de Gurvitch, de que o trabalho é toda a actividade consciente, penosa e útil).
Estava eu a magicar como comparar gastos específicos de energia de modos de transporte diferentes, e especialmente níveis de emissão de gases com efeito de estufa, assim como quem se prepara para submergir num plano estratégico de transportes para 12 anos, quando tropecei no cheeseburger.
O cheeseburger tem a grande vantagem de responder ao problema fundamental do homem, que é o de arranjar energia para alimentar a combustão dos seus tecidos (seus do homem), por exemplo às 2 ou 3 de uma madrugada em que a restante família esteja longe, em vilegiatura e a inspiração culinária tenha falhado à hora regimental.
Essa energia mede-se por 590 kilocalorias, ou, fazendo as contas ao equivalente, 680 Wh.
Por outras palavras, comendo um cheeseburguer, a nossa massa muscular permite-nos andar uns quilómetros sem emagrecer.
Como a energia que dissipamos a andar, sem entrar em apneia, para aí a 2,5 km/h, corresponde mais ou menos a uma lâmpada de 100 W, segue-se que um cheeseburguer dá para andarmos 680 Wh/100 W = 6,8 horas.
À velocidade referida, 2,5 km/h, foi combustível que deu para andarmos 17 km.
Nada mau.
E quem anda 17 km com 680 Wh anda 1 km com 40 Wh.
Até parece um problema de Fermi, guardando as respeitosas distâncias, claro.
(ver problemas de Fermi em:
http://www.cmpa.tche.br/educacional/secoes_ensino/site_sec_C/arquivos%20e%20Links/F%EDsica/textos_diversos_4.doc
http://algol.fis.uc.pt/quark/viewforum.php?f=14
http://es.wikipedia.org/wiki/Problema_de_Fermi)
E chegado a este ponto, fui comparar, que era para comparar modos de transporte que estava magicando, com o consumo específico do metropolitano, que é, considerando as energias consumidas na sua rede e nos seus edifícios, à volta de 120 Wh por passageiro.km.
Isto desta unidade passageiro.km, ou passageiro-km (não confundir com passageiro por km, ou passageiro/km) às vezes faz confusão mesmo.
120 Wh/pass.km significa que é preciso sacrificar 120 Wh de energia para transportar 1 passageiro durante 1 km.
Ou 2 passageiros durante meio km.
No fundo, quando se diz que o metro de Lisboa transporta por ano cerca de 800 milhões de passageiros.km, o que se está a dizer é que os percursos de todas as viagens realizadas por todos os passageiros durante o ano, alinhados um a seguir ao outro, somaram 800 milhões de km.
Melhor seria dizer então 800 milhões de viagens.km, mas passageiro.km é mais bonito e é esta a unidade em que se exprime o produto de uma empresa de transportes.
Também é preciso ter cuidado para não confundir passageiro.km com lugar.km.
É que aqui temos um dos grandes dramas da energia dos transportes: andar a passear lugares vazios.
A média em Portugal de passageiros por automóvel é de 1,2; na Finlandia é de 1,7.
A média de passageiros numa carruagem de metro é de 26 pessoas, quando ela tem capacidade para 130 com um mínimo de comodidade.
Estamos com problema de procura deste modo de transporte; as pessoas preferem andar de carro e deixá-lo em cima do passeio, a andar de metro.
Voltando ao cheeseburger, temos então que a energia para transportar um passageiro durante 1 km é de 40 Wh para o modo a pé e de 120 Wh para o modo metro.
Dir-se-ia que poderíamos evitar todos aqueles enormes investimentos para construir o metro se estimulássemos as deslocações a pé até ao local de trabalho.
Só que os 40 Wh são enganadores, porque para produzir o cheeseburger, até estar ao alcance da boca do consumidor, foi necessário consumir 5 vezes mais energia (fertilizantes, rações, abate e transporte da carne…), i.é, 200 Wh.
E assim se prova que a alimentação é uma forma deficitária de produzir energia (produzimos menos do que o que consumimos, ainda nos extinguimos, como dizia Malthus, se não ganhamos juízo, já que o desenvolvimento das tecnologias não dá cabo do fosso entre pobres e ricos, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Malthusianism), nem sequer conseguimos ser mais eficientes a andar a pé.
Também é verdade que é preciso mais do que 120 Wh por passageiro.km para fazer andar o metro, porque também houve consumo da energia até ela própria entrar no metro e este também despende energia na construção, na manutenção, no aquecimento, e por aí fora. Por isso é melhor contar, enquanto não se conseguir encher mais lugares nas carruagens, com cerca de 140 Wh/passageiro.km .
Mas não nos vamos ainda embora e vejamos se podemos melhorar a eficiência dos transportes com a máquina de melhor rendimento do mundo: a bicicleta.
Imaginem que, andando sem apneia, para aí a 7 km/h durante as 6,8 horas que o nosso cheeseburguer nos concede, conseguimos fazer cerca de 14 Wh/passageiro.km .
O que é óptimo, se não pensarmos que, para transportar na hora de ponta 15.000 pessoas, que é um número comodamente atingível numa linha de metro, teríamos de encher uma avenida com 8 vias normais de largura (agora é vias que se diz, não é faixas) ao longo de 7 km, para a esvaziar dos 15.000 “clientes do sistema de transporte” numa hora.
Estou a dar 4m de distancia entre 2 bicicletas consecutivas, percorridos em 2 segundos à velocidade de 7 km/h, sendo que os 2 segundos são a distancia sagrada, ou de segurança, em tempo, entre 2 veículos na estrada (mensagem especialmente destinada aos adam smithistas das auto-estradas: a 144 km/h, a distancia de segurança para o carro da frente é 80m).
Mas aqueles 14 Wh/pass.km, como provêm do cheeseburguer, também têm de ser multiplicados por 5 para obter a energia necessária à produção e comercialização do cheeseburguer.
Dá então 70 Wh/passageiro.km de bicicleta.
Mas agora temos de entrar com os custos energéticos da construção e da manutenção das vias, das próprias bicicletas, vamos até 77 Wh/pass.km.
E agora ainda falta a cereja no cimo do bolo.
É que a energia tem um custo mensurável em gases com efeito de estufa (a celebradíssima pegada de carbono, ou pegada ecológica).
E enquanto os 140 Wh/pass.km do metro, graças à distribuição das origens das fontes de energia da EDP, emitem à volta de 400 gCO2/kWh, as pobres vacas dos hambúrgueres, graças à peculiaridade do seu sistema digestivo, contribuem para que o resultado final das emissões da energia do cheeseburguer seja de 1 kgCO2/kWh.
Ora bolas, pois para os fabricantes de hambúrgueres, por mais cómoda que seja a sua visita às 3 da madrugada: 1 passageiro.km de metro emite cerca de 64 gCO2, enquanto o ciclista, por km, emite cerca de 77 gCO2.
Será que os ecologistas que nos governam terão feito bem as contas, ao lançar, na verdadeira acepção da palavra lançar, a moda das ciclovias por tudo quanto é câmara municipal, agora que serenaram as febres das fontes cibernéticas e das rotundas acalmadoras do transito?

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