quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Outra coisa extraordinária – uma viagem de Alcântara à Expo





Aconteceu outra coisa extraordinária, que devo contar.

O fecho da marina do Parque das Nações

Em Novembro de 2001 a Marina do Parque das Nações fechou devido a falência da concessionária e por degradação por falta de manutenção.
Fiquei muito triste porque tinha assinado com a concessionária, em 1998, um contrato para amarração do meu pequeno veleiro (6,05 metros) por 15 anos.
Por força da lei portuguesa, que extingue os contratos que uma concessionária (a concessionária era a marina do Parque das Nações) celebrou com os seus clientes quando lhe é retirada a concessão (a concedente era a Sociedade do Parque das Nações), admiti que tinha perdido o dinheiro e o direito à amarração, e levei o meu barco para a Marina de Cascais.
Sucedeu, porém, contrariando as minhas expectativas, que a Sociedade do Parque das Nações, dado que a similitude das designações poderia configurar intenção enganosa se se quisesse aplicar rigorosamente a lei (cessação dos direitos dos clientes da concessionária por falência desta) e atendendo a que os legisladores têm leis mais importantes a corrigir ou a elaborar do que esta, resolveu:
1 – reformular a estrutura accionista de uma nova marina do Parque das Nações, resolvendo as questões que os bancos credores tinham levantado;
2 – encomendar um projecto de recuperação da marina, com a colaboração do LNEC, seguido de concurso e obra.
3 – pagar o aluguer das amarrações, em docas da Administração do Porto de Lisboa, enquanto a nova marina não estivesse concluída.
Como sou céptico (e espero continuar a sê-lo, até porque, quando me engano nestas coisas, fico muito contente) achei que os pontos 1 e 2 iriam dar em nada ou coisa nenhuma, e o ponto 3 seria efémero.

A reabertura da marina do Parque das Nações

Mas enganei-me.
Primeiro, a marina de Cascais organizou em 2007 um campeonato de vela mundial e precisou dos postos de amarração alugados. Como se mantinha a condição 3, levei o barco para a doca de Santo Amaro, onde a APL fez o favor de pagar o aluguer até Setembro de 2009, quando a marina do Parque das Nações, concluídas as obras contra as minhas expectativas, e ainda bem, reabriu.

O novo contrato

A nova sociedade da marina propôs-me um novo contrato garantindo-me a amarração, na marina reconstruída, por um período de tempo igual ao que faltava cumprir em 2001, descontando o tempo em que pagou o aluguer à APL (isto é, 12 – 2 = 10 anos).
É um contrato justo, mas uma pessoa fica surpreendida quando as coisas correm de forma justa.
E além disso, os olhos verdes da Relação Públicas que me deu o contrato a assinar só serão talvez ultrapassados pelos olhos azuis da deusa grega Íris, que era a responsável pela gestão das cores do arco-iris, de que se servia para levar e trazer as mensagens de Zeus à terra (não confundir com os olhos castanho-escuro de Vénus).
Como posso queixar-me?
Ao longo de todo o processo houve administradores da sociedade do Parque das Nações, secretários de Estado do Turismo, associações de comerciantes da Expo e de utilizadores da marina, que podiam ter paralisado eficazmente, à boa maneira portuguesa, a resolução do problema; mas não, foram-no resolvendo, lentamente, mas com final feliz.
Como posso queixar-me?

Uma viagem de Alcântara para a Expo

Deste modo, resta-me a descrição da viagem que fiz com o meu barco, para poder dizer um bocadinho de mal de alguma coisa.
Se puderem seguir pelas fotografias, melhor será, mas vou ter de vos pedir para irem até http://cid-95ca2795d8cd20fd.skydrive.live.com/browse.aspx/Viagem%20Alcantara-Expo%203OUT09?uc=61&isFromRichUpload=1
para as ver (Ctrl + clique, sff), porque o blogue ficava muito carregado.

1 – Alcântara
Podem ver os contentores do terminal do nosso descontentamento (foto 721).
O que deveria ser um espaço de lazer de acordo com um plano de reordenamento de toda a frente ribeirinha, dos dois lados do Tejo, irá manter-se como terminal de contentores, com eles empilhados até 5, quando na apresentação do plano nos tinham dito que não ultrapassariam 4 em altura.
Sinal de que o negócio floresce e que é um bom instrumento para o PIB (para alavancar, que é o barbarismo dos economistas).
Todos os produtos chineses importados pela região autónoma de Madrid entram por aqui; todos os produtos espanhóis exportados pela região autónoma de Madrid para Angola saem por aqui.
Mas há muito se sabe que a solução para o porto de Lisboa é a instalação do terminal de contentores no fecho da Golada. De caminho, resolvia-se o caso das areias fugitivas da Caparica.
Aqui em Alcântara deveria desenvolver-se o lazer, que também contribui para o PIB. Vejam um barco de cruzeiros fluviais na 722 e o Funchal na 724, na Gare marítima de Alcântara, que querem desactivar.
Mas cuidado, que não quereria que fizessem a vontade ao senhor economista Augusto Mateus, de fazer linhas de transporte fluvial em vez de linhas de metro, que são mais caras (raciocinar em bases económicas restritas é no que dá…massacrar o Tejo com mais linhas fluviais).
E para agravar as coisas, há aquele plano autista do nó de Alcântara XXI.
Eu digo autista porque a preocupação central não é a gestão integrada dos transportes e do urbanismo da cidade e da sua área metropolitana.
Alguém atribuiu à CP/REFER a condução do projecto.
Esta área é de influência da CP/REFER, que farão o projecto sem uma perspectiva integradora, como se o espírito de Tordesilhas ou da cortina de ferro estivesse bem vivo. Ouviram o senhor presidente da câmara de Sintra dizer que a CP não deixava o Metro expandir-se até Queluz? Já viram bem o que isso quer dizer? Que há donos do que é da comunidade…com a cobertura das estruturas políticas…

E por falar em reordenamento da frente ribeirinha, já repararam no desprezo a que está votada a frente ribeirinha da margem sul, de Cacilhas à Trafaria? Mas esse não é o tema deste blogue.

2 – Fotografia do humilde escriba (006)



Este humilde escriba mostra-se aqui para chamar a atenção para a elegância da ponte 25 de Abril, lá ao fundo, e para o uso do colete de segurança. Ele pertence a uma minoria que defende o seu uso, e já sabemos que as maiorias não gostam de fazer a vontade às minorias.
Mas as minorias também são teimosas, e insistem que deve ser usado o colete de segurança, mesmo que a maioria não ache necessário.
Como se pode ver na 730, a zona até é perigosa, de corredores de cacilheiros. O colete é obrigatório, apesar dos crentes do individualismo ultra-liberal acharem que isso poderia ficar ao arbítrio de cada um (eu até concordava, se esse cada um vivesse no deserto).

3 – Santos o Velho (726 e 731)

Falo destas fotos melancolicamente.
Na 726 (desfocada, como tantas outras, que a navegação não deve ser descuidada), do lado esquerdo, há-de daqui por uns tempos avultar a ampliação do terminal de contentores, lado Nascente.
Do lado direito vê-se um edifício de um arquitecto mediático da nossa praça, perfeitamente desenquadrado, o edifício, como é timbre do arquitecto, porque ele acha-se mais do que a envolvente.
Como ficará desenquadrada, do seu lado Nascente, uma famosa torre de outro arquitecto mediático, este inglês.
Ver a ligação imediatamente a seguir na 731.
Do lado esquerdo vejam a fachada do Convento de Jesus, por trás da Poiais de S.Bento, ao pé do Passos Manuel, e reparem na mancha verde à direita, Santa Catarina miradouro.
Se falo nisto é para comentar como estão desenquadrados aqueles batoquinhos mais modernos, assim como ficarão desenquadrados (embora provavelmente venham a ser publicados em ilustres revistas de arquitectura) os batoquinhos que poderão vir a ser desenvolvidos por outro arquitecto mediático, este italiano, se se lhe adjudicar a destruição do troço da linha suburbana entre Alcantara e o Cais do Sodré (deuses castigadores e vingativos, que mal vos fez o povo de Lisboa para que os decisores exibam tanta ignorância em questões de transportes?).
Esta era a zona sob a qual uma linha de metropolitano, com correspondência com a a estação de Cais do Sodré, deveria ligar a Cacilhas.
Mas não se pensa nisso; a ideia não tem potencial mediático, embora alguns técnicos portugueses já tenham aprendido com técnicos japoneses, e já sabem resolver por si os problemas que se põem na construção de túneis sub-aquáticos em regiões sísmicas.
São coisas em que entra muito a composição de areia e de argila/aluviões dos terrenos.
Uma pena não aplicar este “know-how”.
Uma grande cidade dividida por um rio como o Tejo precisa de pontes e túneis para ser um motor económico.
Mas os conceitos de grande cidade e de motor económico estão tão afastados da discussão pública…

4 - Cais do Sodré (734 e 741)

Mais uma fotografia desfocada (a 734), mas serve para vos mostrar aquele atentado pela Rua do Alecrim acima, uma fachada típica das urbanizações-dormitório, ali ao lado dos pombalinos da Victor Cordon.
É como se puséssemos à nossa porta o estendal.
Vejam também os edifícios do Observatório europeu da droga e toxicodependência e da Agencia europeia de segurança marítima de dois mediáticos arquitectos da nossa praça, por esta ordem.
(A propósito, e se dessem uma vista de olhos pelo relatório do observatório da droga de 2008 em: http://www.emcdda.europa.eu/attachements.cfm/att_64227_PT_EMCDDA_AR08_pt.pdf ?)
Deuses, deuses, estas coisas, as escolhas dos arquitectos, não deveriam fazer-se por concurso público? Terão sido? E se foram porque foi tão triste o resultado?
Vejam na desfocada 735 o edifício da segurança marítima .
O ilustre arquitecto teve uma visão, a de um “ferry-boat” a chegar ao porto.
E verteu a ideia para o papel; achou-a adequada ao contexto aquático. Estão a ver as comportas da popa de fecho dos acessos dos veículos?
E os “decks”?
Vêem como não se ajusta (“mismatch”, como dizem os anglo-saxónicos) aos pobres pombalinos, já de si a decrepitarem cravejados de antenas GSM (vá que para o interior há uns pombalinos em recuperação)?
Quem fez aqueles desenhos não pode gostar de Lisboa, não a sente.
Reparem que se vê na 741, por ter sido tirada de mais longe e já por alturas do Terreiro do Paço, espreitando sobranceira, à direita, a cúpula da Basílica da Estrela, tão longe para quem quiser ir de transporte colectivo a partir do Cais do Sodré…
À esquerda lá está a estação fluvial.
Tão cubista… que terá dado aos nossos arquitectos convidados de renome para serem tão cubistas…?

5 – Terreiro do Paço (736-738-739)

Numa fotografia mal tirada, temos um conjunto impressionante deste lado da praça:
No primeiro plano o contraste entre a pedra lavada do torreão Nascente e o amarelo dos corpos dos edifícios.
Já foram azuis… talvez a escolha da tonalidade fosse um bom tema para referendo, na televisão, se possível.
Com a proximidade da Sé e do Castelo e, mais ao longe, a mole de S.Vicente de Fora, que faz aquela “coisa” ali à direita (estação fluvial do sul e sueste, intervenção catastrófica do arquitecto do regime no princípio dos anos trinta), tão perto do monumento?
E porque existe uma fila de trânsito automóvel tão perto dos torreões?
Será verdade que houve uma entidade defensora dos monumentos nacionais que se opôs à conquista de terrenos ao rio para dar dignidade ao monumento?
Não confundam o que quero dizer: as intervenções para reforço do túnel do metropolitano, das fundações do torreão Poente, para remodelação das redes de saneamento, para reconstrução dos cais das colunas… tudo isso foram intervenções preciosas e tiveram mérito.
Mas do projecto inicial fazia parte um túnel rodoviário, para construção em simultâneo com o do metropolitano.
E quando se corta uma parte ao projecto é porque o objectivo ficou por atingir.
Não embandeiremos tanto em arco.
É verdade que houve o acidente da incúria e das pressas na execução da subempreitada para carotagem e ancoragem do primitivo túnel do metropolitano (era o que estava no projecto, para se poder construir a estação do Terreiro do Paço, consequência do método construtivo escolhido, por tuneladora).
Mas havia uma razão para o túnel rodoviário entre as partes oriental e ocidental da cidade: o respeito pela dignidade dos monumentos da praça.
Não quiseram.
Rasgaram as vestes quando se soube que a estação do Terreiro do Paço, do Metropolitano, tinha custado 300 milhões de euros (metade do valor das vendas de automóveis ligeiros em Portugal no primeiro semestre de 2009); o tal economista até sugeriu mais ligações fluviais em vez de linhas de metro, e resolveu-se à portuguesa: convidou-se um arquitecto de renome para fazer uns arranjos cosméticos na praça .
É um problema interessantíssimo, cuja resolução, necessariamente dispendiosa, deixamos às próximas gerações.
À primeira vista (não acreditem, embora possam, que é à primeira vista), parece haver poucas soluções tecnicamente correctas, do ponto de vista de planeamento de transportes:
- ou um túnel sob Alfama, Rua da Palma, Avenida e Bairro Alto (engraçado, estou a recordar-me da proposta de Antero do Quental, tão vencido da vida: um viaduto metálico, à Eiffel, entre o Campo de Santana e o Príncipe Real…para resolver o mesmo problema topológico de ligação Nascente-Poente);
- ou a conquista de terreno ao rio (contornando as questões de não enfraquecer a contenção dos terrenos envolventes do túnel do metropolitano, nem de impedir a comunicação freática entre a zona da Baixa e o rio) , afastando a circulação rodoviária dos torreões, e construindo o novo túnel rodoviário com o método construtivo em que a engenharia portuguesa tem muita experiência: com ensecadeiras, como deveria ter sido feito com o túnel do metropolitano, em lugar da tuneladora utilizada.
(Notas:
1 - a tecnologia hoje disponível, graças à engenharia holandesa, para a construção com tuneladora em terrenos de aluvião, não o estava em 1996, como o metro de Londres comprovou com as dificuldades que encontrou na travessia do Tamisa; sabiam que uma especialista de geotecnia inglesa que visitou a obra da tuneladora na Baixa pediu que a avisassem imediatamente assim que o acidente ocorresse? Bom, a senhora não previu o acidente do Terreiro do Paço, apenas pôs a hipótese de ocorrer um acidente mais para cima, na zona do Chiado, em consequência da natureza de aterro da colina do Chiado, como aliás Nuno Álvares Pereira já sabia da construção do convento do Carmo;
2 – evidentemente que as ensecadeiras não são o único método; apenas quis dizer que há menos experiência em Portugal com o método de caixões pré-fabricados e afundados muito usado em Paris e Hong Kong)

E chegado a este ponto do percurso, tive de beber dois goles de água, para compensar o fel dos pensamentos.
Quem navegue, nunca se esqueça da água doce.

6 – Do Terreiro do Paço a Santa Apolónia


6.1 – Estação Sul e sueste, Doca da Marinha e Campo das Cebolas (742)


Bom, a vista da encosta do castelo já me agrada mais, embora os prédios, coitados, estejam tão sofridos. Ao menos não há cubos (sem menosprezo pela forma preferida de Olhão).
Insisto na ideia: a estação do sul e sueste está a mais, ali. Dir-me-ão que se tornou também um edifício classificado , definidor da arquitectura modernista portuguesa dos anos 30.
Então só haverá uma solução: referenciar todas as pedras e deslocar o edifício umas centenas de metros para montante.
Cairá na Doca da Marinha, mas podemos avançar a frente ribeirinha e ganhar 100 m ao rio, desde o Cais do Sodré até à Expo.
Avançando a frente ribeirinha:
- diminuiamos o assoreamento no rio porque aumentávamos a velocidade da água
- ganhávamos profundidade junto da frente ribeirinha e assim diminuíamos as consequências de um maremoto (lembram-se? Em Belem não houve maremoto em 1755 porque a praia afundava rapidamente; a torre de Belem era uma ilha; no Terreiro do Paço as águas eram pouco fundas)
- arranjávamos espaço para a rodovia, eventualmente em túnel, afastando-a dos torreões do Terreiro do Paço (antes da estação do sul e sueste, os “vapores” do Barreiro, que faziam a ligação à linha férrea do Sul, acostavam a um pontão fronteiro ao torreão Poente; em frente de cada um dos torreões havia, de origem, áreas salientes para a atracação de embarcações – ver as gravuras das fotos 1 e 2, possivelmente relativas ao desembarque da rainha D.Maria I, em 1777 – como pois vêm os zeladores agora dizer que não se pode avançar a frente ribeirinha?)
- criávamos atenuadores de intempérie melhorando o ambiente na grande praça
- viabilizávamos o transporte colectivo em sítio próprio ao longo da margem, até á Expo
- criávamos espaço para as pessoas (dêem um saltinho a Barcelona e façam um exercício de indução…)

Será assim tão utópico?
Porque nunca se pronunciaram os ilustres, que são nomeados para os órgãos mediáticos que tratam destas coisas, sobre a simples hipótese de avançar a frente ribeirinha?
É um plano megalómano?
Não, se for diluído no tempo.
Não é assim que fazemos com as coisas de que gostamos verdadeiramente? Fazemos orçamentos pluri-anuais.
Acho que é esse o cerne do problema: os decisores não sentem esta cidade, não gostam deveras dela, ou como disse Pancho Guedes, os políticos não percebem nada de cidades.

6.2 – S.Estevão, S.Vicente de Fora e Santa Engrácia

Somos um povo de seguidores de santos.
Por alguma razão éramos tão devotos a Endovélio, no tempo dos romanos.
Vejam na 743 a mole de S.Vicente de Fora, iniciativa do grande decisor centralisador de Castela; à esquerda a fachada da igreja de S.Estevão.
Na 745 exibe-se o edifício da Alfandega, junto do qual espero que não vá gastar-se dinheiro em mais uma estação de metro (quanto mais curta a distancia entre estações, maior a factura de energia, não acham?) e, no centro, o miradouro de Santa Luzia e as Portas do Sol, de onde hão-de ver-se, imponentes, os pilares da ponte da terceira travessia do Tejo.
Recosto-me melhor na popa do meu barco, acalmado pela paisagem, apesar das eternas obras.
Verifico que a vela grande não está bem tendida, mas não vale a pena agora mexer. Também por simplicidade vou sem genoa e, claro, sem spinakker (vela de balão), como aqueles dois mais junto da margem, que integram a regata que já me ultrapassou porque o spinakker aproveita todo o vento de popa e eu não sou dado a velocidades.
Está-se muito bem no meio do rio.
O vento é fraco mas a maré a encher ajuda à viagem.
Quem andar no rio, não se esqueça da tabela de marés.
Mais a montante, na 746, surge Santa Engrácia barroca do século XVII, outra vez em obras; mas que as obras de Santa Engrácia acabaram em 1966, acabaram, que eu fui a correr ver o zimbório novo por dentro (sobre o monumento ver em http://www.ippar.pt/monumentos/se_staengracia.html ; sobre a lenda cristã de santa Engrácia, mártir das perseguições de Diocleciano, não resisto a sugerir a leitura da história pia que encontrei num blogue da secção de Santa Engrácia de um partido político confessional, vejam no fim do blogue, pf; seria uma delícia se não fosse um estímulo à crendice: http://santaengracia-cds.blogspot.com/ ).
E à direita, de azul celestial (será celestial? Ou será ultramarino? Que o turquesa não reflecte assim...), Santa Apolónia.

6.3 - Santa Apolónia

Por Daguerre, que desfocada está a fotografia 747; vê-se melhor na 754 um belo navio de cruzeiros.
Querem que os cruzeiros atraquem aqui?
Nada a opor.
Mas não desactivem o serviço de comboios suburbanos de Santa Apolónia.
Não se deixem iludir com o exemplo da gare d’Orsay.
Paris tinha outras gares, e uma linha de comboios suburbanos que penetra na cidade é uma mais valia muito forte.
Eu sei que os economistas têm tendência para ignorar o valor das coisas; olham mais para o preço e os balanços económicos das coisas, mas aqui não, não desactivem Santa Apolónia.
E, já agora, embora seja pedir muito, não desactivem a gare de cruzeiros de Alcantara (os contentores para a Golada, vá lá).
Vejam agora a panorâmica da encosta da Graça.
Voltaram os batoques e os batoquinhos.
Aqueles da 750 foram muito publicitados na altura da construção. Têm umas vistas muito bonitas dos seus terraços. A rua até se chama da bela vista à Graça. É natural, de lá não se vêem eles próprios.
Acham que é possível sustentar a qualidade artística daqueles edifícios?
Frank Lloyd Wright sugeriria dinamite.
Como não é legal (terão sido cumpridos todos os requisitos legais na aprovação da sua construção?), sugiro que os pintem de branco.


7 – As comendadeiras

Estou quase no eixo da Av.Mouzinho de Albuquerque e em frente do viaduto mono-pilar de tabuleiro atirantado, que na fotografia 751 oculta parcialmente o grande convento das Comendadeiras, perto do largo de Santos o Novo.
O convento das Comendadeiras é um dos edifícios mais imponentes de Lisboa. E muito pouco conhecido. É também uma dívida ao período castelhano do século XVII (espreitem em http://revelarlx.cm-lisboa.pt/gca/?id=232 ).
Pena não se ver, por sobre o palácio Coimbra, no arranque do viaduto, à esquerda da fotografia 751, sede da REFER e onde a RAVE faz os seus actos públicos, o museu da água na rua do Alviela, ainda bem que rodeado de vegetação (ver em http://museudaagua.epal.pt/museudaagua/).
Parcialmente encoberto pelo Palácio Coimbra está o Palácio Pancas Palha (zona fina, esta, no século XVII e XVIII) que por pouco não foi demolido para alargamento da rua e que a nossa câmara municipal pensou vender para hotel de charme (que será feito da ideia que pretendia converter em hotel de charme todo o quarteirão da pastelaria Suiça, no Rossio?).
Está a Câmara na mesma situação dos cidadãos: graças a uma legislação infeliz dos arrendamentos, não é sustentável a posse do palácio pela câmara (nem sempre os preços baixos servem os interesses dos que menos podem pagar; é um paradoxo da economia mas é um facto, o que, através dum sinuoso caminho de associação de ideias, possa dizer-se de outra maneira: não me dês o peixe, ensina-me a pescar com uma cana) .
Ora, como está recuperado(!), talvez alugar, não?
Ups, ainda na fotografia 751, também à esquerda, mais contentores, e na 756 muitos contentores.
Se temos espaço aqui para contentores, e mais teríamos se avançássemos a frente ribeirinha, não dará para dispensar Alcântara?
Ah, em Alcântara o calado pode ser maior…pois… navios de calado maior podem ir para Sines, enquanto o terminal da Golada não estiver funcional.
No centro da fotografia, um descampado.
São cerca de 10 hectares, à disposição dos construtores civis, quase no centro da cidade.
Admiram-se de eu dizer que a urbanização da cidade está distorcida, e que com uma urbanização assim é impossível projectar uma rede de transportes ferroviários urbanos coerente?
O projecto de uma grande urbanização encontra-se encalhado na nossa câmara municipal, certamente por bons motivos (o da suspensão do processo, claro, que a confiança no grande projecto roça a assíntota das abcissas).
Seria tão interessante que por momentos deixássemos de parte a teoria do mercado a funcionar, e que nesta grande área se planificasse a sério o ordenamento do território…podíamos experimentar como na Expo, ou um concurso público aberto a jovens técnicos…
Os 10 hectares estão desocupados e há área suficiente para construir edifícios de elevada densidade para realojar os moradores dos bairros limítrofes sem interesse arquitectónico, que depois seriam substituídos por novas construções de maior densidade.
Claro que não estou a pensar em urbanizações de luxo.
Estou a pensar que em Lisboa perdemos a dinâmica dos bairros de Alvalade e dos Olivais...
Se falo em maior densidade é por razões de eficiência energética.
A produção individual de gases de efeito de estufa, incluindo os devidos à queima do gás de cozinha e ao consumo de electricidade, diminui drasticamente à medida que aumenta a densidade populacional .
Estes 10 hectares aqui são um desafio estratégico para a nossa câmara municipal.
Mas é preciso gostar da cidade e senti-la.
E a planificação desta zona não deveria esquecer a problemática dos transportes (urbanismo e transportes são indissociáveis).
O início da Av.Mouzinho de Albuquerque tem, por enquanto, se não for submergido pelas leis do mercado, a vocação para um nó de transportes.
Pensem no prolongamento da linha de metro de Santa Apolónia até aqui, de onde poderia partir uma linha de metro ligeiro de superfície, recorrendo a viadutos para os cruzamentos desnivelados e naturalmente enterrada na zona da Praça Paiva Couceiro, de forma coordenada com o previsto túnel rodoviário, com seguimento pela Morais Soares e correspondência com o metropolitano; com parques de estacionamento para “park and ride” com correspondência com as linhas suburbanas para Santa Apolónia e da terceira travessia do Tejo (por onde há-de passar o prolongamento da nova ponte sobre o Tejo também existem grandes áreas de terrenos a que se deveria aplicar a mesma estratégia, e aí há espaço para linhas de metro ligeiro à superfície, correspondência com a estação das Olaias do metro, etc, etc ); com o tal avanço da frente ribeirinha para ganhar espaço…
Utopias?
Inversão do fenómeno de expulsão dos habitantes do centro da cidade para as cidades periféricas?
Para que servem os planos directores?
E… para que servem as autoridades metropolitanas? Será que têm valências técnicas para resolver os problemas técnicos de urbanização e de transportes?
Suspiram os nossos decisores pela eficácia das autoridades metropolitanas invocando o modelo de Madrid.
Mas, por Cibeles, Madrid é uma região autónoma, e a área metropolitana de Lisboa é uma pulverização de pequenos municípios (município de Lisboa: 800.000 habitantes em 1980; 520.000 habitantes em 2009; como poderemos ressuscitar o espírito de Vitruvio, de Manuel da Maia e de Eugénio dos Santos para inverter isto?).
Pareceria que a estratégia para a área metropolitana deveria ser a de integração e criação do grande município de Lisboa. Em Londres não deu mau resultado…Por cá, os pequenos caciques dos pequenos municípios não gostariam de se submeter à disciplina do interesse colectivo, mas poderíamos tentar.., Pensem que no século XIX o município de Belém era independente do de Lisboa. As coisas evoluem, devíamos integrar, ao contrário de desagregar, como se fez com Loures/Odivelas.
Essa seria a estratégia…

8 – A bóia

Pena ter ficado desfocada a 755, com as comendadeiras e mais contentores em fundo, muitos; embora aqui só empilhem até 3.
É uma bóia verde de entrada no porto, encimada por um triângulo, sinal para ser deixada a estibordo.
Como o calado de meu barco é muito pequeno, posso deixá-la a bombordo. Mais cumpridores são os barcos da regata, mas também porque perto da margem sente-se menos o efeito da maré.
Eu, que só levo a vela grande, aproveito a força da enchente. Vêem como a bóia se inclina com a maré a encher?
Serão pelo menos 2 nós, isto é, 3,7 km/h (não esquecer nunca a tabela de marés).

Com o vento fraco que está, não tenho mais que outros 2 nós.
A minha vela é um desporto contemplativo.
Mas ocorrem-me pensamentos derrotistas enquanto contemplo a paisagem.
Penso nos números da desertificação da cidade e imagino que nós somos como uma cerveja mal tirada, e os nossos decisores são como a espuma que cresce inútil e tem de ser retirada, até chegarmos ao são da cerveja… mas como poderá a nossa pobre democracia tirar bem a cerveja?
Talvez aprender na escola a tirá-la; uma escola mais interventiva e obrigatória (“follow-up” de todas as criancinhas), sem grande preocupação com as estatísticas, que os professores sabem o que fazem; e com os filhos dos imigrantes também, cerveja blended, claro, no Brasil resultou...
As coisas que uma pessoa pensa enquanto o vento fraquinho vai empurrando o barco rio acima…

9 – A Madre de Deus e o pilar do Poço do Bispo

Tão desfocada ficou a 757 que mal se nota a torre e o corpo da Madre de Deus, Museu do Azulejo. Mas vêem-se os “arranha-céus” da Afonso III. Assim como assim, antes pequeninos arranha-céus do que batoquinhos.
Ver tambem a 759, com as encostas verdejantes do vale de Chelas.
Mais contentores. Aqui empilham a 4.
Precisam mesmo de Alcantara?
Que tal avançar aqui a frente ribeirinha?
Estou em frente do convento do Grilo (761), mais uma dívida ao século XVII (façam o favor de ver uma brevíssima nota em http://www.lifecooler.com/edicoes/lifecooler/desenvRegArtigo.asp?reg=374775 ).
Muito perto daqui, no cais dos contentores do cais do Poço do Bispo, que simplesmente resultou do avanço da frente ribeirinha sem perguntar nada a nenhum de nós e assim demonstra que é, o avanço da frente ribeirinha, uma boa solução técnica, ficará o primeiro pilar da nova ponte sobre o Tejo, a fazer sombra ao bairro da Madre de Deus ao nascer do sol e ao convento do Beato ao por do sol.
Os decisores não quiseram deslocá-la mais para montante, para que atravessasse o Tejo segundo os princípios de Vitruvio: pelo caminho mais curto, na perpendicular ao fluxo das águas.
Ganhava-se mais um espaço de manobra para os porta-contentores…
Não quiseram.
Preferiram satisfazer a pretensão de servir as oficinas da REFER no Barreiro.
E não mexer no aeroporto do Montijo.
Ai, o espaço de rio que a nova ponte vai ocupar na amarração sul… para ser possível o túnel do Barreiro para o TGV, o declive de 1,2% vai impor o tabuleiro da ponte a pequena altura das águas durante cerca de 3 km, isto é, quase até ao meio do rio.
Vai prejudicar a navegação, por trazer riscos acrescidos e roubar espaço de manobra, de pequenos pescadores, de embarcações de recreio, da ligação fluvial Lisboa-Montijo, de alguns porta-contentores.
Vai também aumentar o assoreamento e os riscos de inundação ribeirinha. Mas não há problema. Primeiro aprova-se o projecto e depois faz-se o estudo de impacto ambiental.
Assim vamos, especialmente sem ouvir o parecer técnico do Instituto Hidrográfico (facto já confirmado por este; não fui eu que inventei; nem se sabe sequer qual vai ser a altura livre da nova ponte: 70 como a 25 de Abril, 51 como a Vasco da Gama? palpita-me que vai acontecer o mesmo que com a ponte do Carregado, que não deixou passar os varinos).
Nós portugueses, somos de facto como a espuma da cerveja. Os grandes projectos são desenvolvidos sem debate alargado, para depois nos serem servidas as soluções de facto consumado.
O caminho mais curto para a nova ponte (lá está, temos pouca experiência de túneis sub-aquáticos, mas eu não vou insistir nesta solução, usada por exemplo na ligação Copenhague-Malmoe) “aterrava” na base aérea do Montijo, e o percurso da Gare do Oriente para Madrid (e para o aeroporto de Alcochete) seria mais curto 5 km do que pelo Barreiro.
Valha a verdade que para servir, em linha suburbana, o Barreiro, seria necessária uma ponte de 2 km entre a península do Montijo e o Barreiro, com 2 pilares adjacentes à ilha do rato, talvez, ou então experimentava-se a tecnologia do túnel sub-aquático….
E também as curvas de encontro das linhas da ponte para a Gare do Oriente exigiriam um tratamento mais cuidado na margem norte (túneis para permitir um raio maior, por exemplo). Que não seria necessário se a localização da estação central não fosse aquela excêntrica da Gare do Oriente, encavalitada na estação do metropolitano como um escorpião (tanto espaço no Vale de Chelas, junto da estação de Olaias do metro para fazer uma estação central… embora com o inconveniente de requerer túnel para sair pelo norte da cidade, a caminho do Porto).

10 – O mar da palha

Deixo para trás os silos da Nacional (763), acoplados ao convento do Beato.
Já não há contentores.
Estou no mar da palha.
Lá ao fundo, o Parque das Nações e os pilares da ponte Vasco da Gama, com os seus tirantes (765).
O edifício com as riscas em leque e um caracol no topo, e os dois edifícios com uma vela estilizada no topo são pontos conspícuos (774-775).
Do outro lado do mar da palha a vegetação da base aérea do Montijo (768).
Passo a doca do Poço do Bispo (770-771). Será que a cidade vai resistir ao canto de sereia do arquitecto mediático italiano, que delineou uma urbanização de luxo e de vidro para o seu topo norte, debruçada sobre o rio como a Veneza de Marvila?

11 – Finalmente, a marina da Expo

Estou no paralelo da marina. A nova torre e a ponte Vasco da Gama exibem-se (780).
Vejo as duas comportas de saída e de entrada na marina, que foi a solução encontrada pelo LNEC para combater o assoreamento (781).
Depois de passar pelo cais de recepção estou dentro da marina (785-788).
8 anos depois.
Marinheiros prestáveis, infra-estruturas agradáveis.
Será possível manter esta qualidade, bem digna dos olhos verdes da Relações Públicas?
Barco amarrado (791-792).
Olá, vizinha pata (793).
Que sozinho que ficaste, Socrates I, homenagem ao pensador grego, que também gostava de contemplar o azul do céu e do mar (794-796).
Vamos ter de aguardar os novos parceiros.
Faço votos.

12 - Desertifique a Baixa e ganhe um prémio

Atravesso o Parque das Nações.
Há um aspecto muito positivo, as pessoas parecem felizes.
Mas a contrapartida é que temos aqui o triunfo da urbanização lisboeta, para onde gravita tudo quanto é serviço do Ministério da Justiça (pobre Tribunal da Boa Hora), até os serviços centrais (?) da PSP, desertificando a pobre Baixa, vítimas do síndroma do vórtice atractivo do pavilhão de Portugal da pala.
Muito provinciana e novo ricamente, como é timbre duma zona de que nos orgulhamos, lá está o cartaz do empreiteiro, a vender os seus escritórios no edifício recém construído:
“Valorize a sua empresa, mude para aqui”, que é como quem diz, desertifique e desvalorize o centro da cidade, invista aqui e ganhe o prémio do novo riquismo.
E melancolicamente fui apanhar o metro à estação já menos fantasma de Cabo Ruivo, agora com 2 dos 4 condomínios que foram projectados para a sua área de influencia já operativos.
Correspondência em Alameda, saída em Cais do Sodré onde por mais um pouco poderíamos ter uma correspondência integrada com o quase metro de superfície que vai para Algés (para termos uma rede de metro ligeiro de superfície era preciso construir passagens desniveladas, mas os decisores não querem).
Apeio-me em Alcântara, sigo com os olhos a jovem condutora do eléctrico articulado, no meio do trânsito, quando deveria estar em sítio próprio e segregado, despeço-me da doca, apanho o carro que lá tinha deixado e regresso a casa.
Fim da viagem; dói-me um pouco a região lombar, mas acho que é natural, com a minha idade.

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