sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Energis VIII – A casa nova de Joana e o desperdício I


A nova urbanização
Joana tinha-me dito: “Um dia destes vai lá ver a minha casa nova”. E eu fui.
Joana trabalha no Parque das Nações.
Esteve 3 anos em Angola numa consultora internacional donde passou para uma grande companhia angolana de bebidas. Este ano conseguiu uma colocação na dependência dessa companhia em Lisboa.
É uma executiva de sucesso, pelo menos enquanto houver petróleo em Angola.
A casa nova de Joana fica numa urbanização recente no fim do prolongamento da rua principal de Prior Velho, quase sobranceira à curva do Trancão, antes de passar por Sacavém e se lançar no Tejo (o Trancão, não a urbanização).
Apesar da crise imobiliária, os novos andares têm-se vendido bem e já se vêem muitos automóveis estacionados.

A desertificação de Lisboa
Temos aqui um sintoma da desertificação da cidade de Lisboa (considerando os seus limites municipais).
Os jovens executivos preferem ir viver para a periferia.
E na verdade, a casa nova de Joana é grande . Ocupará talvez 180 m2, para além de um terraço onde já está uma casota de cão e se poderá montar uma festa para 80 pessoas.
É muito difícil encontrar pelo mesmo preço e qualidade de construção e de acabamentos, áreas semelhantes em Lisboa.
Queixam-se os decisores de que as pessoas abandonam a cidade, queixam-se os arquitectos de que os habitantes que ficam cometem atentados como o fecho das marquises (ainda não compreenderam que se as pessoas fecham as marquises é porque têm pouco espaço em casa?).
Não querem reflectir que as áreas disponíveis, os preços e a qualidade da construção são, regra geral, muito maus.
Já perceberam que tem de haver reabilitação dos edifícios e dos quarteirões.
Mas estão a ir pelo caminho do “o que era bom era que houvesse uma reabilitação do parque habitacional”.
E faltam os planos das intervenções e os projectos de execução integrados. Refiro-me a intervenções e projectos reais e profundos, não a recuperação de fachadas.
Integrado significa aqui inter-disciplinar. Outra dificuldade em Portugal, em que reina a compartimentação estanque.
Anteriores intervenções, como o projecto e a construção dos bairros de Chelas, por exemplo, não geram o reconhecimento pelos autores, com humildade, dos erros cometidos. Pelo contrário, orgulham-se da obra.
Assim é difícil.
As novas intervenções são entretanto preparadas com o secretismo que caracteriza os decisores em Portugal. Não há debate participativo.

O debate público
Dirão os novos gestores da câmara de Lisboa que sim, que há muito debate público.
É verdade, dele resultou a proliferação das vias cicláveis a que se assiste. Resultou de debate público.
Não resultou porém desse debate a decisão de acabar a prazo com o terminal de Alcantara (o problema real não é a altura do muro de contentores, 4 ou 5, é a própria existência do terminal e a inexistência de um plano a prazo para o seu desaparecimento).
Nem de garantir que não mais hotéis nem urbanizações de arquitectos famosos se construam à beira do Tejo.
Nem que se elabore um plano congruente para a zona das comendadeiras , nem que a estratégia seja a fusão de municípios da área metropolitana, nem que se tenha tento com a problemática dos museus de Belém, nem que se estanque a hemorragia da Baixa pombalina.

A restituição das cores
Joana estava radiante com a casa nova. Todos os tectos da casa são falsos, abrigando iluminação de halogéneo. Como o pequeno João corria a bom correr pelo corredor e por todas as divisões da casa, as luzes estavam acesas na sua máxima potência.
O que era bom, por um lado, porque a iluminação de halogéneo restitui as cores num ambiente quente e realça os pormenores. Por isso se adivinhavam os contornos da roupa interior sob a saia, travada como manda a moda deste ano, obrigando Joana a alguns trabalhos de equilíbrio porque ao efeito da saia se juntavam os saltos altos de 10 cm com sola compensada de 2 cm (“Estou da tua altura” dizia Joana).
Mas por outro lado, só a sala grande tinha 30 lâmpadas de 35 W, o que dava mais de 1 kW. Potência instalada só para iluminação: 4 kW.

O problema do consumo
Vá que no telhado do prédio uma pequena instalação solar térmica reduzia o consumo de gás da caldeira central de cada fogo, para aquecimento de águas e de radiadores, mas uma iluminação com lâmpadas fluorescentes compactas permitiria reduzir 3 ou 4 vezes o consumo .
E o problema é que o tecto já está esburacado para as pequenas dicróicas de iluminação de halogéneo …
Joana não vai ter as luzes sempre acesas, mas talvez vá consumir, de electricidade para iluminação (ficando de fora a electricidade para o ar condicionado e o gás para cozinha e aquecimento de águas e ar) cerca de 180 kWh/mês (50 lâmpadas de 35 W acesas 100 horas por mês).
Quando consumiria, se a instalação previsse as lâmpadas fluorescentes compactas (na realidade um projecto cuidadoso fá-lo-ia, para tratar convenientemente as tonalidades deste tipo de lâmpadas), cerca de 45 kWh.
Ao fim do ano são 1.500 kWh de desperdício de energia importada em 80%. Naquele prédio serão 15.000 kWh de desperdício. Naquela urbanização serão 300.000 kWh = 0,3 GWh de desperdício por ano em iluminação.
Um sucesso, licenciado pela respectiva câmara municipal (neste caso, Loures).

Epílogo
Temos aqui um exemplo de que, na realidade, os projectistas ligam mais ao imediato, sendo neste caso o imediato a moda e o conforto da iluminação por luminárias de halogéneo encastradas em tecto falso, do que às regras de economia durante a vida útil da obra. O imediato permite uma publicidade atractiva para vender os andares e consegue-o.
Assim é difícil, muito difícil.

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