quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O novo acordo ortográfico

.

Saúdo a entrada em vigor com o novo ano do novo acordo ortográfico.
Por mim dispensava mais acentos e o corrector automático, que não gosto de o ver tão pressuroso a colocar acentos onde eu não os quis por ou os pus contrariado. Saúdo tambem o periodo de sobreposição em que qualquer um poderá escrever como sente. E isso é muito bom.
Estejam descansados que podem continuar a escrever, respeitando o acordo, compacto, facto e pacto (mas se quiserem escrever fato por facto podem, é facultativo; e não venham com purismos porque o étimo de fato na aceção de vestuário é alemão; esta da aceção já vai de acordo com o novo acordo), mas diretor, objeção e adjetivo é assim, como batismo.
E ainda bem que já não é preciso preocuparmo-nos tanto com os hifens (por mim dispensava-os a todos). Mas não se conseguiram eliminar todos os hifens: os adoradores do arco-íris vão poder continuar a escrever arco-íris.
Nota muito importante: o acordo é ortográfico, não altera em nada a pronúncia habitual não regionalista.
E em caso de dúvida, podem consultar o texto do acordo em:

http://orto.no.sapo.pt/b.htm

e a lista de palavras alteradas em:

http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=novoacordo&act=list&letter=r&version=pe

.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Algumas notícias do fim do ano de 2009

.

1 – Hidráulica - As águas do Douro subiram 4 metros, no vale do Tejo tomam-se medidas de prevenção contra a cheia prevista, no Guadiana aguarda-se a reposição por Espanha dos caudais retidos.
Com muita pena:
- dos bichinhos que serão vitimados,
- das espécies vegetais que serão destruídas,
- das eventuais perturbações climatológicas relativamente à situação anterior,
- de algumas submersões de vestígios arqueológicos de antepassados que dariam anos da sua curta vida para poderem beneficiar por um momento só que fosse da nossa tecnologia,
gostaria de saber, considerando os factos do primeiro parágrafo, quando serão os nossos técnicos da especialidade autorizados a projectar os tão denegridos transvazes de água das bacias do Douro e Tejo para a do Guadiana.
Há mais de 40 anos que a comissão mista luso-espanhola definiu as linhas orientadoras, chegando-se do nosso lado a fixar o traçado (foi mais fácil do que o do TGV), mas ficando tudo à espera de melhores dias.
Não é possível às barragens do Douro internacional, quase de fio de água, nem às do Tejo, reter o excesso de água.
Os descarregadores de cheia fazem o paralelo desse excesso contornando as turbinas, perdendo-se o seu potencial energético; se esse caudal fosse desviado para linhas de água de menor caudal, podia aproveitar-se a respectiva energia e armazená-la para fins de regadio ou de bombagem em horas de vazio para produção eléctrica em horas de ponta.
Mas continua o tabu contra os transvazes e a não poderem aproveitar-se os recursos de que dispomos.
Será talvez um problema de dificuldade de percepção da realidade.

2 –Atropelamentos – continuam os utlizadores da estatística no ministério da Administração interna a chamar a atenção para a diminuição do número de mortos nas estradas neste ano relativamente a 2008. Continuo a pensar que não é um bom método para combater a sinistralidade rodoviária. Foco-me no horrível crescimento do número de atropelamentos mortais, especialmente nas cidades.
Quando perceberão os senhores condutores que há uma correlação muito forte entre os níveis de velocidade praticados e o número de mortes por atropelamento?
Já repararam na preversidade do aumento da segurança para quem conduz (cintos de segurança, air-bag, zonas de absorção, barras de protecção, melhor estabilidade dos automóveis) se traduzir na diminuição da segurança de quem anda a pé?
Isto é, o número de mortos diminui entre quem conduz e aumenta entre quem anda a pé.
Por outras palavras: o modo de transporte automóvel está mais seguro e o modo de transporte a pé está mais perigoso.
Mais uma vez recomendo o livrinho de Steven Levitt e Stephen Dubner, Superfreakonomics, em que este assunto é tratado com as metodologias dos economistas.
É preciso mais para justificar a fixação de limites de velocidade rigorosos?
Ou haverá aqui também um problema de dificuldade de percepção da realidade?

3 – Vanunu foi preso – Vanunu é um antigo técnico da indústria militar nuclear de Israel que conseguiu publicar as provas da existência de armas nucleares fabricadas em Israel.
Os detentores do poder não gostaram.
Parece que uma agente israelita da Mossad seduziu o senhor e conseguiu convencê-lo a viajar até um país onde foi fácil obter a extradição.
Vananu terá achado que a agente valeu a pena? Talvez o autor neolítico de Foz Côa achasse que valeria a pena morrer cedo, se o deixassem experimentar a electricidade por um mês; nem se importariam os maias jogadores de bola, cujo prémio era a morte, mas só depois de um ano em que todos os desejos eram satisfeitos.
Ainda bem que o meu blogue não tem força para convencer ninguém, não fosse uma agente israelita seduzir-me para que o seu Estado, seu dela, me punisse devidamente, eu, um apoiante de Hedy Epstein, uma senhora judia americana de 85 anos, que sofreu as perseguições nazis e tem por isso autoridade moral para desenvolver militância pelo levantamento do cerco à faixa de Gaza.
Mas nisto das teses oficiais e das políticas geo-estratégicas pode haver também muitas dificuldades de percepção da realidade.

4 – Uma tese de mestrado – Uma cidadã fez as suas investigações, inquéritos e análises para uma tese de mestrado, e concluiu que existe uma correlação fortíssima entre as urbanizações baseadas no betão, com poucos ou degradados espaços verdes e dificultando o relacionamento entre vizinhos, e as depressões dos habitantes.
As depressões são uma das características crónicas da força de trabalho do nosso país (não quer dizer que nos outros países também não sofram com elas, mas centremo-nos no nosso país).
Por isso os decisores e os estrategas deviam dar mais atenção a esta correlação (é a recomendação da tese, dirigida especialmente aos senhores dirigentes autárquicos).
Mas não parece que dêem, e os nossos técnicos de engenharia e de arquitectura não estão organizados para vencer este combate.
Pelo menos que eu saiba.
Nem eu me sento capaz de mobilizá-los.
Como eu dizia há dias, vamos continuar a ser uma cidade pequenina.
Pequenina e mal organizada, com muito betão por um lado e edifícios degradados por outro.
Acho que há aqui um grande problema de dificuldade de percepção da realidade.

5 – A grandeza dos levantamentos – De 1 a 26 de Dezembro de 2009, foram efectuados através da rede POS Multibanco:
58 milhões de pagamentos no total de 2 500 milhões de euros;
no mesmo período foram feitos nas ATM:
31 milhões de levantamentos no total de 2 100 milhões de euros.
Temos assim que o movimento no Multibanco no mês de Dezembro de 2009 correspondeu aproximadamente a 2,6% do PIB (aumentando o consumo, mesmo que estejamos a desequilibrar a balança de pagamentos, estamos a aumentar o PIB).
E… cada português, crianças e velhos incluídos, estraçalhou 460 euros. Bom, cada português na concepção estatística do restaurante com janela para a Avenida da Liberdade. O cidadão comensal janta um frango e o cidadão sem-abrigo observa do lado de fora. Cada cidadão jantou meio frango.
Este pequeno país era assim capaz de resolver os problemas da GM, do Lehman Bros e do J.P.Morgan e no fim ainda sobrava dinheiro para os bónus dos senhores gestores.
Mas não, optamos por sustentar os países fornecedores dos 80% (mais)do que comemos, da energia que consumimos em casa e no automóvel, e do que compramos para nos divertirmos a nós e às nossas crianças.
Eu acho que não é sustentável,que o endividamento do país para fins de consumo não pode ser infinito, que a única solução seria aumentarmos ambas, a contenção e a produção, mas também acho que aqui há um problema generalizado de dificuldade de percepção da realidade.

São de facto interessantíssimas as notícias de fim de ano, algumas pouco agradáveis.

PS - Para que os meus amigos economistas não me repreendam por estar a apelar à contenção numa altura em que o consumo poderia estimular o PIB e o investimento e em que a contenção poderia agravar, por exemplo, o fecho de fábricas e o desemprego, entrando na espiral negativa, quer-me parecer que isso só seria verdade se vivessemos em economia fechada.
Como a nossa procura não vai influenciar coisa nenhuma lá fora e a contenção que eu proponho é relativa apenas a produtos estrangeiros (não é dificil afectar as importações com a contenção, importamos 80%), julgo que conter o consumo (contendo a importação) e estimular a produção (e a exportação, consequentemente) será uma boa solução.
Mas não pode ser o pobre mercado a tratar disso, pois não?
.

Wir leben autos

Wir leben autos

Este é o tema do anúncio dos automóveis Opel.
Nós gostamos de automóveis.
Eu também.
Por isso me desgostam a recusa da GM a vender a Opel, o fecho da Saab e, agora, o anúncio pela Audi de que, até 2012, orçamentou 7 300 milhões de euros para desenvolver novos modelos, construir uma nova fábrica e lançar 8 novos modelos de luxo até 2015.
Não é sustentável continuar a fabricar modelos de luxo, mas os fabricantes de automóveis que receberam ajudas públicas insistem.
E alguns dos que não receberam, como a Audi, querem correr os riscos de vir a ter de as receber também.
A mim, que gosto de automóveis, parece-me que não é o caminho.
Será que um belo dia a UE terá de emitir uma directiva a limitar a potência dos automóveis?
Esperemos para ver.


.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Rodoviarium XI - Carta aberta a dois condutores

Ao condutor da carrinha 56-82-BQ e à condutora do automóvel do segmento B matrícula 57-BG-49



Esta é uma carta aberta de um utilizador da estrada para outros utilizadores.

Não deu, caro condutor e cara condutora, para parar ao seu lado, na próxima paragem nos semáforos, ou na portagem da auto-estrada, e através da janela do carro dizer-lhes o que tenho a dizer.

Que, por amor das crianças que num instante saltavam no banco de trás e no instante seguinte se inclinavam entre os bancos da frente, as deviam contrariar e obrigá-las a viajar com cinto de segurança.

Podiam interpretar-me mal. Podiam achar que eu estava a querer demonstrar superioridade perante outro homem, ou a assediar uma mulher.

Por isso lhes digo por este meio o que me parece que devem ouvir.

As vossas crianças correm sérios riscos viajando sem dispositivo de retenção.

Os seus pequenos corpos podem animar-se duma energia destruidora se ocorrer uma colisão, mesmo a 50 km/h .

A colisão pode não ser por vossa culpa, mas se as deixarem viajar sem cinto ou cadeira as consequências podem ser, sim, da vossa responsabilidade.

E eu não queria, sinceramente, que isso acontecesse.

Era isto que eu queria dizer-vos.

Não fiquem zangados, mas façam o que vos peço.



O condutor do 33-58-SM

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O TGV Wuhan-Guangdong



Wuhan e o rio Iangtze



Estão os nossos colegas ferroviários chineses orgulhosos da inauguração da linha de TGV de Wuhan para Guangdong (Cantão), numa extensão de quase 1000 km, percorridos em 3 horas. Fica a faltar a ligação de Wuhan a Pequim, mais cerca de 1100 km. Já existia na China a linha de TGV de Pequim para Tianjin (cerca de 110 km).

Comento a propósito um recente artigo de um senhor economista que escreve no “oje” e que dizia que só Portugal é que tinha nos seus planos linhas de TGV. É uma pena que o nível de argumentação seja tão baixo. Sugiro que nos cinjamos aos conceitos físicos. Se pretendemos mover um fluxo de passageiros em condições de segurança e rapidez, podemos fazê-lo com maior eficiência energética com uma ferrovia TGV do que com uma auto-estrada ou uma “ponte aérea”. Nestas condições, parece fundamentada a opção dos nossos amigos chineses.

Aproveito também para anotar que Wuan é uma cidade metropolitana que resultou da agregação nos anos 20 do século XX de 3 cidades: Wuchang, Hankou e Hanvang.
Esta informação seria de muito interesse para quem traça a estratégia para a cidade de Lisboa e se “esquece” de que o caminho correcto seria o de agregar os municípios e não o de os desagregar como fizeram com Odivelas.
Mas escrevo como se pregasse no deserto ou se me dirigisse às bogas e às tainhas do Tejo. Como se fosse uma ofensa pedir a quem detem o poder decisório que ouça o que os cidadãos têm a dizer.
E a estratégia de Lisboa continuará a ser a de um pequenino município de 500 mil habitantes, expressão da pequenez das estratégias, palco de polémicas de diversão das questões técnicas e das suas soluções. Voltando a citar o professor Carvalho Rodrigues, não podem solucionar-se questões técnicas se “a ciência estiver fora da equação”.

E estão também de parabéns os nossos colegas do metropolitano de Wuhan: inauguraram uma linha em grande parte em viaduto, com “cantão móvel” (distância livre de segurança em função da posição e da velocidade dos comboios) e marcha automática sem condutor (“driverless”).

domingo, 27 de dezembro de 2009

Economicómio XXXV – A Ford, a Volvo e a Gelly

.

A Ford passou por um mau período nos fins dos anos 70. Más escolhas dos modelos, impostos, os modelos, por um número restrito de pessoas, detentoras da maioria do capital ou de sua confiança. Na Ford compreenderam o erro na tomada das opções, corrigiram as estratégias e não chegaram a passar pela crise da GM e da Chrysler.
De modo que, tendo a Ford, no contexto actual, de “deslastrar”, desfez-se primeiro da Jaguar, que vendeu à Tata indiana, e vendeu agora a Volvo à Gelly chinesa.
Comparando com a GM, que se recusou a vender a Opel a um consórcio russo, e se recusou a vender a SAAB a outro fabricante chinês, dá ideia de que na Ford prezam mais as técnicas de boa gestão do que na GM.
Talvez se possa mesmo dizer que temos provavelmente aqui uma forma de racismo.
Para quem achar a hipótese de racismo muito forte, conto a história da minha sobrinha-neta, de 8 anos, que foi convidada, assim como toda a turma, para o lanche de aniversário da colega chinesinha. Correu tudo muito bem e ela gostou muito de ir à festa da chinesinha, cujos pais gerem um restaurante chinês muito frequentado, ao pé da Portugália de Arroios. Mas a triste verdade é que foi a única menina da turma que foi à festa. Talvez fosse bom alguém na Assembleia da República tomar a iniciativa de alterar o jus sanguini para o jus soli (quem nasce em Portugal é português), para ver se a discriminação se atenua.
É uma pena se for assim, porque a China já é detentora de grande volume da dívida pública dos USA e, nos tempos que correm, é inútil estar a fazer “segredinhos” com o “know-how”. Aliás, as especificações ambientais dos fabricantes chineses já são mais rigorosas do que as dos USA.
Há muitos anos que se assistiu nas lojas de Hong Kong e em Macau à invasão maciça das grandes marcas ocidentais de moda. Desde os porta-moedas da Salvatore Ferragano, aos óculos da Gucci. A China criou “mercado” para todas essas marcas, que tinham atingido o ponto de falência no mercado restrito ocidental.
Por outro lado, consumindo os USA 20 milhões de barris de petróleo por dia e a China 5 milhões (cito de cor), é de esperar que a expansão económica da China venha permitir relançar a economia ocidental, repondo-a num estágio de crescimento mais saudável em que se encontrava há uns anos.
Como é sabido, um dos dogmas da religião económica dominante é o de que o PIB tem de estar sempre a crescer.
A China permitirá esse crescimento à indústria automóvel. O problema será depois quando for atingido o novo ponto de saturação.
Donde, parecerá que, sem esquecer, claro, as directivas ambientais, vender fábricas à China ou à Índia será boa política (não poderá aplicar-se à Quimonda, Investstar/Aerosoles e às fábricas que vão fechando?).
Mas será preocupante não ver nada escrito por esse mundo fora sobre um plano de contingência, perdão, um plano de transição da economia crescente para a economia estabilizada, para quando não for sustentável continuar a fabricar tantos automóveis.
A Ford, a GM e a Chrysler fizeram isso, nos anos 50 e 60: suprimiram e fundiram marcas…
Aguardemos.



.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Economicómio XXXIV - A metáfora de Asterix

.


Imaginemos que existiu uma grande tribo celta cujos indicadores económicos tinham atingido, quase todos, um razoável nível para a época.
Os druidas (digo druidas e não o druida chefe, porque a direcção deles era colegial, sem um salvador único), que sabiam calcular a posição do sol nos solstícios, também sabiam que o progresso económico tinha trazido questões complexas que era preciso analisar na assembleia geral dos sócios, digo dos celtas daquela tribo.
A economia dos romanos, ali não muito longe, tinha-se desenvolvido de tal maneira que havia que colocar aos celtas a questão: por que tipo de economia optar?
Pela maneira celta, em que a preocupação era que cada um produzisse o que era capaz de produzir e que se acorresse aos doentes e velhos ou aos que por qualquer motivo tivessem as suas capacidades produtivas diminuídas? Era um bom programa, mas com os progressos que os druidas tinham feito com as suas poções, os celtas cada vez viviam mais tempo como velhos e os doentes também viam as suas vidas prolongadas.
Ou pela maneira romana, de maior sucesso, premiando os mais competitivos, mas gerando com isso grandes fossos entre os patrícios e os artesãos e entre estes e os escravos?
O druida de serviço à comunicação social bem pregou aos seus concidadãos que não se deixassem enganar pelos êxitos dos romanos, conseguidos com grande inteligência e capacidade de organização, mas à custa de factores de produção mantidos artificiosamente baratos pela força dos seus exércitos, à custa de fontes de energia e de mão de obra a custos insignificantes. Os generais, os centuriões e os soldados romanos colonizavam os outros povos de acordo com o que de melhor a cultura grega tinha desenvolvido e a própria Roma, pragmática, tinha aperfeiçoado; mas sugavam-lhes as riquezas e os melhores filhos.
Tentou em vão o druida precaver os seus irmãos contra as ilusões das religiões monoteístas que se espalhavam a partir do Médio Oriente, trazidas pelos soldados romanos desmobilizados, pelos marinheiros e pela diáspora judaica, todos prometendo uma vida para além da morte, orbitando uma única divindade, a que uns chamavam Mitra e outros Iavé, e que renegavam a suprema essência da Natureza.
Mas a todos os argumentos foram os celtas insensíveis.
Porque foram tomados pela esperança cega dos jogadores, mesmo sabendo que só uns poucos, muito poucos, poderiam ganhar o jogo.
Os druidas, humildemente, não quiseram contrariar os celtas, que abandonaram a assembleia e se dirigiram à paliçada que os separava do acampamento romano.
E derrubaram completamente a paliçada.
Os bardos e os pregoeiros celebraram o facto e isso ajudou a manter a ilusão de liberdade dos celtas.
Muitas gerações depois, celtas e romanos tinham-se transformado num povo só.
Mas, na verdade, só muito poucos tinham triunfado.
Os fossos entre os poderosos e os pacíficos, que os druidas tinham anunciado, foram-se alargando impiedosamente.
Grandes quantidades de celtas e romanos não conseguiam produzir aquilo de que eram capazes porque só alguns tinham a sorte de ter o seu trabalho remunerado.
Para a maioria, os poderosos garantiam apenas um pouco do muito pão que continuavam a conseguir com grande eficiência, à custa dos baixos custos de produção, e muito, muito circo.
Os agiotas tinham expandido o seu negócio, criavam falso valor com que enganavam compradores incautos, extorquiam juros superiores aos razoáveis de modo a poderem executar as hipotecas. Por vezes eram desmascarados, mas voltavam sempre.
Apesar de tudo, a sabedoria dos druidas conseguira passar através das gerações, e aqui e ali, ainda se viam druidas.
Como será o futuro?
Serão ouvidos os druidas?


.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Love is a many splendorous thing

.

Deu-me um ataque de nostalgia.
Porque morreu Jennifer Jones, a doutora Han Suyin, de Hong Kong, do filme  "O amor é uma coisa maravilhosa" (a colina da Saudade).
O filme (Henry King, com William Holden) é piegas e melodramático o que mais podia ser.
A música ajuda ao sentimentalismo.
http://www.youtube.com/watch?v=j0XClu_oqkE
Mas recordo com saudade Jennifer Jones.
Assim como assim, eu tinha 15 anos e, no meio daquele dramalhão, vê-se bem como os imperativos morais, sociais e familiares podem colidir com a vontade das pessoas.
E a coragem para a denuncia disso eu aprecio muito, graças também a Jennifer Jones.
E sim, o amor é uma coisa maravilhosa.


.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Museu de Arte Popular

.


Não quero crer.
A senhora ministra da Cultura anunciou que o Museu de Arte Popular vai ser recuperado e reabrir.
Estão a querer violentar-me? A querer obrigar-me a dizer bem do governo? (pelo menos neste domínio).
O Museu de Arte Popular é um dos melhores exemplos do que o facciosismo pode fazer de mal.
Só porque nos anos de brasa (tomo o nome a um filme argelino) de 74 e 75 era no Mercado Popular de Belém, à volta do Museu Popular, que as organizações populares celebravam (era onde se fazia a feira do artesanato), tudo quanto era gente fina com pretensões a ter poder decisório abominou o sítio.
No consulado de um senhor presidente da Câmara de Lisboa no fim dos anos 70, foi deixado ao abandono e à degradação. O senhor presidente compensou com dois projectos extremamente meritórios para Lisboa: a ETAR de Alcântara e a Alta de Lisboa.
Uma senhora muito fina que foi ministra achou que ficava bem ali um museu da língua portuguesa (para nós, incultos, ficarmos a saber que ela tinha ido ao Brasil e ficado maravilhada com o museu da língua portuguesa em S.Paulo).
Um dos senhores que se lembrou de contribuir para destruir a Baixa de Lisboa através da nova “centralidade” da Expo98 (não quero retirar o mérito desta acção, apenas criticar o uso que se está fazendo do Parque das Nações para assassinar a Baixa) achou também que o Museu de Arte Popular devia ser demolido (Brrr! Demolido…)
A senhora ministra de agora vem dizer, como se fosse uma adolescente do tempo em que eu era adolescente (é um elogio, para o caso de não terem reparado): O Museu deArte Popular é para fazer a função para a qual foi concebido.
Querem obrigar-me a dizer bem do governo.
Mas eu vou já dizer mal da nova localização do Museu dos Coches.
Não vão perder pela demora.


Ver em
http://aeiou.visao.pt/museu-de-arte-popular-e-para-avancar=f538971



.

Economicómio XXXIII - SAAB – Ascensão e fim da estrada

Como podem ler nos jornais, a GM está muito triste por achar que não foram aceitáveis as ofertas de compra que recebeu dum fabricante chinês e, depois, do holandês Skyper.
O percurso da SAAB é paradigmático. Tem êxito (fez nos anos 40 um tricilindrico de 2 tempos que era uma maravilha) e devido a esse êxito foi comprada pela GM. Agora fecha para ajudar a GM.
Está a tua empresa a ter êxito? Vê onde estás a errar porque senão és comprado e fechado.
Eu sei que a decência, a solidariedade e a humanidade (são 8.000 empregos para a sucata) não fazem parte do dicionário da economia, mas deixo a mensagem à CIMPOR.
Com tantos interessados em adquiri-la, será que não estava correcta a opção da sua nacionalização em 1975? Contrariando aquela de que as empresas nacionalizadas não dão lucro por falta de vocação(esta da vocação foi invenção dos adam smithistas, claro). E uma vez comprada a Cimpor, que tal fechar para evitar a concorrência?
Julgo que posso falar sobre a Cimpor.
A força dela adveio da empresa de cimentos Liz, hoje do grupo Secil, e da cimentos Tejo ao longo da suave industrialização do país ao longo do século XX. Graças à tomada do poder pelo yupi Champallimaud numa assembleia geral nos fins dos anos 40, em que ultrapassou em votos os filhos do fundador da empresa (Henrique Sommer), tudo dentro da legalidade mas efectivamente ganhando o controle accionista, a empresa continuou a crescer e deu origem à Siderurgia Nacional. Como realmente o senhor yupi tinha muitas qualidades, passou para a banca e hoje há uma fundação Champalimaud de acção meritória na investigação médica (esta do meritória até é a sério).
Posso falar disto porque o meu Pai trabalhou na empresa cimentos Liz desde 1928. Era na altura o terceiro centro consumidor de energia eléctrica em Portugal. Por isso, comparando o percurso dele nessa empresa e o percurso do filho noutra , não estranhei. São as leis da gestão.
Mas, como digo, a decência não faz parte do dicionário dos sucessos económicos. Cito de cor, claro. E o ministro da economia da Suécia também não vai querer ouvir-me. Já disse que o estado sueco não tem nem dinheiro nem conhecimentos para comprar uma fábrica de automóveis. Pois não, mas se aplicasse umas multas por incumprimento de obrigações sociais à GM se não vendesse a SAAB aos chineses (se os chineses já fabricam todas as roupas de marca na China e a antiga marca Rover, porque não podem fabricar os SAABs, de que até saiu um novo modelo, ainda há pouco tempo?). Essas coisas podem fazer-se como a transição de Macau, com muita paciência, para não afectar os tais 8.000 empregos. Eles até são de confiança. Já os Américas…depende do domínio, como os teoremas da matemática.
Tenho muita pena da SAAB e receio pela CIMPOR.

Eurotunnel 21 de Dezembro de 2009

Passados 3 dias, o que vejo nas notícias que chegam de Inglaterra é que as causas da avaria de 6 comboios permanecem um mistério.
Muitas vezes, as causas de acidentes só muito depois vêm a ser conhecidas. Muitas vezes subsistem dúvidas mesmo depois dos relatórios finais . Por exemplo:
- acidente com o Concorde em Paris, em que o relatório minimizou a contribuição da falta do espaçador no trem de aterragem;
- acidentes da Spannair em Madrid e da TAM em S.Paulo, em que o relatório minimizou a avaria do reverser;
- acidente da Air France no Atlantico Sul, em que o relatório minimizou a excessiva dependência dos automatismos relativamente às sondas de velocidade superficial.
Será normalmente precipitado falar em causas logo a seguir. Porém é um bom método de pesquisa colocar hipóteses, debatê-las e testá-las em ensaios reais.
Parece que a Eurotunnel fez isso, começando por informar que provavelmente a neve acumulada nos percursos à superfície teria penetrado nos circuitos de ventilação dos motores ou pelas grelhas laterais ou por baixo da caixa e, ao descongelar com a temperatura mais elevada do túnel, teria provocado curto-circuitos fatais.
Também estão comboios a circular em ensaios e só depois da validação das causas será reposto o serviço de passageiros.
O problema é se os ensaios forem inconclusivos. O facto é que o 6º comboio que avariou parou no percurso à superfície, com temperaturas baixas (pode ter sido coincidência).
Mas o que o Eurotunnel não devia ter dito (a sua porta-voz), é que a avaria foi como tirar uma garrafa de cerveja do frigorífico e levá-la para um ambiente mais quente. A garrafa fica coberta de água. Isso acontecerá se a humidade ambiente for elevada – chama-se a isso condensação que acontece quando o vapor de água encontra uma superfície fria. Não é a mesma coisa que descongelar a neve, que é a liquefacção. Além disso, explicar isso a quem esteve mais de 12 horas à espera de ser evacuado, parece agressivo.
Parecerá então que a Eurotunnel deverá rever , possivelmente não os procedimentos de evacuação porque até funcionaram, mas com excessiva morosidade. Isto é, os quadros de pessoal não devem estar dimensionados para acorrer a situações desta natureza.
Dirão os economistas que compete à manutenção evitar que isto aconteça.
Isto, é a necessidade de evacuar 5 comboios. 4 deles não foram evacuados. Foram rebocados por locomotivas diesel de socorro. Só 1 foi evacuado e foi a primeira vez que isso aconteceu em 15 anos de exploração.
Deverá pois colocar-se a hipótese por que acontece uma avaria num comboio (ficou bloqueado sem poder ser rebocado) diferente das avarias dos outros 4 comboios, que nunca tinha acontecido em 15 anos de exploração.
Eu não tenho explicação, que compete à Eurotunnel encontrar. Depois de 3 dias e depois da observação dos comboios parece ser possível saber por que não andaram eles.
A menos que se possa colocar outra hipótese: Os comboios tinham recentemente sido sujeitos ao procedimento de “invernização”.
A hipótese é que as tais grelhas de protecção contra a neve, ou a regulação de sensores ou parâmetros tenham sido alteradas de modo que o “software” de controle tenha sido enganado por um sensor pouco fiável (lembram-se do caso das sondas de Pitou nos Airbus…?) ou um parâmetro mal configurado e tenha decretado um “fatal error” só “rearmável” em oficina. E normalmente o “software” não deixa vestígios. Esta hipótese é plausível (atenção que é uma hipótese que precisa de ser testada ou encontradas evidências de que tenha estado na origem das avarias). Lembro-me dum caso de funcionamento intempestivo dumas portas de segurança (abriram do lado errado do comboio porque a água tinha penetrado na conduta de cabos e fizera um curto-circuito numa ficha que era suposto ser estanque). Lembro-me , noutro caso, dum técnico muito triste porque o alimentador de 24 Vcorrente continua lhe tinha rebentado nas mãos porque tinha trocado o condutor dos 220 V corrente alternada pelo dos 24 V corrente contínua. E desculpou-se que eram da mesma cor. E eu a explicar-lhe que estivesse descansado, não iria obrigá-lo a pagar o aparelho, mas que ao erro de projecto ele tinha adicionado o erro, ou melhor, a omissão de verificar as ligações dos condutores antes de lançar a energia. E daquele técnico também muito triste porque trocou um bloco de contactos igual por fora ao bloco de projecto, como aconteceu na história triste da troca dos frascos do medicamento para os olhos que deu em cegueira. Felizmente que a troca de blocos não deu em nada porque as portas abriram do lado errado mas não estava lá ninguém para cair. Mas dá que pensar. Não podemos culpar quem troca, seja o que for, mas podemos exigir que o que um faz, outro verifique, e que essa verificação seja feita com calma, sem ter de ir a correr para um computador registar as melhorias dos indicadores económicos e actualizar o controle das tarefas executadas. E, como dizia Aristóteles que o homem é um animal político, como seria bom que na actividade política também se aplicasse esse princípio: um (ou uns) faz (ou fazem), outro (ou outros) verifica (ou verificam), quer o que se pretende fazer, quer o que se vai fazendo, quer o que se fez; e que os dois não estejam constrangidos para apresentar resultados previamente previstos no plano estratégico. Será este princípio um horizonte que se afasta de nós à medida que nos queremos aproximar dele?
O curioso é que a água de descongelação também não deixa vestígios. O primeiro registo que existe deste facto foi uma fraude em contadores de energia eléctrica accionados por um aceitador de moedas em França, nos primórdios da electricidade (já nessa altura havia o “pay what you use”). O senhor autor da fraude alimentava o contador com moedas de água e a companhia só descobriu quando lhe pagou o segredo. O tema foi retomado num filme de que não me lembro o nome: os assaltantes digitavam o código do cofre forte sem necessidade de abrir a porta gradeada, utilizando balas de água congelada para premir as teclas. Mas neste caso, se houve curto-circuito, os vestígios hão-de lá estar.
Voltando ao Eurotunnel, outras hipóteses seriam que a neve, ou a temperatura baixa, simplesmente tenham danificado circuitos semicondutores (as junções semicondutoras que estão na base dos circuitos integrados têm limites de tolerância de temperatura, pressão e humidade) cuja disrupção aconteceu quase simultaneamente, mesmo sem ser por causa da descongelação. Ou que o defeito tenha sido propagado pela catenária (sobretensões transitórias provocadas pelo mau tempo?).
Mas vamos a outra hipótese que mete economistas.
Em 2008 a Eurotunnel obteve lucros. Não o breakeven, mas lucros de exploração. Então a Goldman Sachs (foi antes do breakdown financeiro) comprou uma fatia larga do capital da Eurotunnel (pelas reacções do pessoal que quer exercer o seu direito à mobilidade e agora não pode, eu diria que uma companhia destas deveria ter maioria de capital público, mas isso sou eu a dizer, além de que o “projecto financeiro” do Eurotunnel vem dos tempos dos senhores Tatcher e d’Estaing, que não eram nada prosélitos dos contestatários de Adam Smith).
É natural que a gestão da manutenção e da operação da Eurotunnel reflicta essa feliz aquisição (perdoe-se-me a ironia), e que os quadros e os meios para efectuar as acções de manutenção e as acções de prevenção de evacuações e de evacuações tenham sido contidos, em ordem aos gestores poderem mostrar, orgulhosamente, apresentações powerpoint em que os encargos com pessoal e com a manutenção vieram a baixar significativamente no último ano,com destaque para o crescimento do indicador de eficiência económica.
É apenas uma hipótese (contenção de custos em meios e pessoal), claro. Não prova o que aconteceu; apenas diz que o que aconteceu pode ter sido por isto. Pode.
Porque em Abril de 2008 um comboio avariou e foi rebocado para porto seguro em 3 horas. Em Agosto de 2009 um comboio precisou de 6 horas para ser retirado. Agora 4 comboios e a evacuação de outro demoraram 16 horas. Possivelmente vão ter de ser alocados mais meios aos procedimentos de evacuação (atenção que o socorro de vários comboios parados no túnel pode ser feito através da terceira via de serviço do tunel, e não precisa de ser apenas um comboio de socorro; obviamente que precisa de maquinista para se deslocar e os gestores parece terem alergia a maquinistas) .
Também deveria a Eurotunnel pensar em prever melhores meios de fornecimento de água , alimentos, instalações sanitárias e conforto térmico aos passageiros retidos. Vejamos: depois do acidente do Titanic passou a ser obrigatório coletes e lugares nos salva-vidas para todos (julgo que também ficou combinado que as prioridades de embarque no salva-vidas eram mulheres e crianças e não primeiro os senhores passageiros de primeira classe; digo isto porque parece que no caso do Eurotunnel evacuaram primeiro a senhora Claudia Schiffer; digo parece, mas se for verdade é uma maçada, ter-se feito a revolução francesa há mais de dois séculos e ainda não se ter chegado lá, ao mesmo horizonte de há pouco que se afasta de nós à medida que nos aproximamos dele e que é o local onde os meus neurónios, pelo facto de serem mais ágeis a imaginar e correlacionar oportunidades de enriquecimento não me dão o direito de usufruir uma vida melhor do que quem não dispõe desses neurónios, porque os neurónios são apenas processamento biológico em moléculas que não têm nada de inteligente; nem à minha vizinha, pelo facto de ter recebido o dote da beleza física, ter prioridade num salvamento relativamente ao bebé da carruagem de “turística”, para não dizer segunda classe). Não será então disparate querer que a bordo dos comboios do Eurotunnel exista um fato térmico para cada cidadão ou cidadã, um “stock” de água para o número de horas máximo que vier a ser acordado em contrato público de garantia de prestação de serviço público com prémios e multas, um número mínimo de sanitas químicas a bordo e ao longo da via, um serviço GSM para a tripulação especialmente útil em caso de paragem (admito que, devido aos riscos de terrorismo, não exista GSM disponível para os passageiros).
Enfim, tudo isto custa muito dinheiro e o bilhete do Eurotunnel já é caro.
No entanto, pelo historial, haverá que investir: um fogo em Setembro de 2008, com a exploração parada 2 dias, um comboio parado 3 horas em Abril de 2008, outro em Agosto deste ano 6 horas.
O episódio servirá para concluir que haverá que fazer qualquer coisa no domínio dos meios para evacuação, materiais e humanos. E que, para os idealistas que acham que os automatismos integrais são aquilo que mais desejam, são precisamente as situações de emergência e de evacuação que constituem o calcanhar de Aquiles dos sistemas de automatismo integral. Quando tudo funciona bem, é uma maravilha. Mas quando Murphy decide entreter-se a arreliar os técnicos (ele , que também era especialista de manutenção, nem sequer se preocupa em azucrinar os gestores, mas aceita de muito bom grado a sua ajuda) parece um deus grego a castigar quem trabalha em condições cada vez mais limitativas de cada vez maior eficiência económica. Com a agravante de, como tudo funciona bem durante quase todo o tempo, no pouco tempo em que é preciso accionar os mecanismos de emergência o pessoal não tem a prática necessária.
Mas aguardemos, a ver a que conclusões chegam os nossos colegas do Eurotunnel. Esperemos que não ocultem nada, à boa maneira latina (o metro de Madrid já explicou o descarrilamento em Moncloa?).


PS 1 (22DEZ09) - Retomada a circulação de comboios, a Eurotunnel insiste que a neve penetrou nas condutas de ventilação e, por condensação, afectou os motores (confesso que não percebo como possa ter afectado os motores, mas admito que tenha afectado as placas de circuito impresso com os processadores e os sensores de comando dos ditos motores). E insiste com veemência, dizendo que este tipo de neve foi diferente do habitual; era uma neve muito seca (!!!! deixem-me pôr uns pontinhos de exclamação aqui dentro deste parenteses) e muito pulverizada, como se fosse um spray, ao contrário da habitual (e pelos vistos bem comportada, que é muito húmida e em flocos grossos (daí as grelhas de ventilação terem deixado passar a neve). Eu, como sou cartesiano, tenho muitas dúvidas, embora, se calhar vamos ter de acreditar e lá fica por esclarecer se houve ou não cortes nos meios humanos e materiais de manutenção e de socorro em emergência e se a “invernização “ teve alguma coisa a ver com isto (fica também por explicar se houve tratamento preferencial nas evacuações).
Mas não resisto a comentar que a Eurotunnel está a desmentir as lições de Física dos nossos professores. Insiste que foi condensação (condensation em inglês).
Ora, condensação é a passagem do estado gasoso ao estado liquido quando, por exemplo, um vapor encontra uma superficie fria.
Não terá sido o caso: a neve em suspensão no ar das condutas de ventilação encontrou uma superfície mais quente no compartimento dos motores quando entrou no tunel e fundiu as partículas sólidas de neve (a mudança de estado do estado sólido para líquido chama-se fusão; em inglês "melting" ou "fusion"; e não "condensation").
A menos que achem que a neve estava tão pulverizada que se podia assimilar a um vapor, e , de facto, passar de vapor a liquido é condensação, embora para haver condensação é preciso baixar a temperatura e não subi-la, como foi o caso.
Seria bom que o Eurotunnel não andasse a confundir os conceitos físicos ou então explicasse o que realmente se passou.
Eu gostaria de não ter de concordar com o meu comentador que acha que estão sempre a querer enganar o pessoal (lembrei-me agora do senhor Blair e dos 4 dos Açores, mas já passou; e por associação de ideias, do senhor Sarkozy, que mandou chamar ao Eliseu o presidente da SNCF, ralhou com ele e mandou-o repôr os comboios do Eurotunnel em circulação. Valente, o homem; mas será que essa intervenção não vai contrariar os sacratissimos princípios do "laissez faire, laissez passer? ou então o senhor reconhece que transportar pessoas é um assunto muito sério, um direito fundamental, que não pode ser deixado ao critério da maximização do lucro - e agora lembro-me do nível de ordenados dos pilotos comerciais das companhias aéreas americanas...).

As coisas que se dizem a propósito dumas avarias de comboios por causa da neve...

PS 2 (23DEZ09) - Ouvi uma conversa cruzada numa loja de telemóveis e recordei uma polémica há uns anos, com os fabricantes de telemóveis a não quererem assumir os custos de reparação de aparelhos vítimas de condensação no interior. Em tempo quente e húmido, o ar carregado de humidade penetra no telemóvel.
Com o arrefecimento nocturno a água condensa-se e danifica os contactos ou as placas de circuito impresso.
E o fabricante diz que o utilizador não devia ter levado o telemóvel para a praia ou para junto do mar.
Tal como já fazem há muitos anos os fabricantes de material eléctrico e electrónico de potência, as placas de circuito impresso devem ser revestidas de verniz isolante. É verdade que nas altas frequências dos telemóveis e dos circuitos de controle o verniz tem de ser mais caro, mas as cabecinhas convencidas e inovadoras dos fabricantes de novas tecnologias devem meter dentro delas que as suas novas tecnologias vêm substituir umas velhas que não tinham esses problemas.
Será que foi o caso com o Eurotunnel? Se foi, foi uma pena porque existem normas para os fabricantes de comboios às quais os fabricantes de telemóveis gostam de fugir, até porque lhes convem que os telemóveis se gastem depressa. Mas com os comboios não. A norma diz que os circuitos electrónicos devem poder suportar 40 graus negativos e 100% de humidade, mesmo em ambiente poluido com algum óxido de azoto, de enxofre e quejandos. Lamento, mas as grelhas de ventilação não são solução, são paliativo, por mais convincentes que sejam as relações públicas do Eurotunnel.
Alguém na fábrica daquelas locomotivas devia lançar uma acção de melhoria mais profunda.
A menos que queiram que fique a dúvida. Dúvida só, porque é claro que não posso provar nada.

.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Gestionarium XI - História de Portugal

Continuando a referência ao sociólogo António Barreto, oiço na Antena 2 que ele prefaciou a História de Portugal, de 3 autores, recentemente publicada.
Eu devia saber, porque me ofereceram o livro e até já dei uma pequenina volta pelos tempos da fundação.
Ouvidos os autores na entrevista da Antena 2, tem o livro para nós o grande interesse de, entre outras coisas:
- desmontar o romantismo habitual dos ideais patrióticos, porque não se deve fazer história com conceitos anacrónicos (como o de Pátria, no séc.XIV, em que o que houve foi apenas a substituição da camada poderosa da nobreza por outra camada da mesma nobreza)
-reconhecer que o povo não é ao longo da história o mesmo conceito que hoje temos, e que os povos sempre foram utilizados pelas classes poderosas (podiam ficar com um quinhão da pimenta que trouxessem, mas se morressem antes de desembarcar, a viúva nada recebia) e às vezes até se revoltando contra a atribuição a eles próprios de direitos (como a reacção rural ao liberalismo)
- informar que os indicadores de Portugal comparativamente com o resto da Europa eram, na altura da transição para a república, os mais afastados da história e que após a revolução de 5 de Outubro o poder foi monopolizado pelo partido republicano (curioso haver na actualidade um partido que se reclama herdeiro do partido republicano português…)
- caracterizar o regime saído do 25 de Abril de 1974 como um regime democrático como os dos outros países (António Barreto dixit, no prefácio, e eu concordo), cuja característica principal é estar aberto a todos, sendo por isso livre e plural. Daí decorre a insatisfação de as coisas se fazerem , não como cada um quer, mas como todos, ou pelo menos, a maioria querem, de acordo com uma resultante para a qual esses todos contribuíram (deixemo-nos dessa ideia da ingovernabilidade; claro que não se pode governar só de acordo com o programa de um grupo; deixem o Hondt sossegado; abram as mentes e os ouvidos). Sendo esta uma caracterização da res publica, parece-me que se pode extrapolar para o âmbito das comunidades, por exemplo de trabalho. Donde, uma boa prática de gestão será o não querer impor a solução de um grupo, pequeno ou grande, mas obter a contribuição do maior numero de participantes. É este livro de história que o diz (também já vinha explicado na “Sabedoria das Multidões”…). Se esta é a caracterização fundamental deste país, apesar das nossas dificuldades congénitas de organizar o trabalho em equipas, por que não aplicar nas empresas do país? Deixemo-nos de soluções “top-down” de iluminados, por mais brilhante e bem apresentado que seja o port-folio deles (eu penso que posso falar assim, que não tenho port-folio brilhante e estou habituado a que não façam o que eu proponho).
Estão de acordo?

História de Portugal, Rui Ramos, Bernardo Vasconcelos e Sousa e Nuno Gonçalo Monteiro, 700 páginas, ed.Esfera dos Livros

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Gestionarium X - dedicado ao senhor sociólogo Antonio Barreto



O sociólogo António Barreto e o estado da Justiça em Portugal

Não gostei do senhor sociólogo António Barreto enquanto ministro da Educação. Acho que contribuiu, como quase todos os restantes ministros que tivemos, para a progressiva degradação da Educação em Portugal, por falta de compreensão da correlação entre extensão efectiva da Educação a todos os jovens, e progresso social e económico. Mas é uma opinião subjectiva. É achismo simples.
Também subjectivamente me parece que faltam alguns conceitos matemáticos e físicos nas suas análises, especialmente as que fez há muitos anos a propósito da reforma agrária. Mas é também achismo.
Porém não acredito que possa ser achismo o que o próprio António Barreto diz da Justiça em Portugal.

O princípio da qualidade

Perante um advogado amigo que se me queixava do estado da Justiça, disse-lhe que as disciplinas científicas desenvolveram, para as aplicações nas empresas e nos serviços, métodos de controle mútuo. Dois órgãos distintos, sem relações nem dependências hierarquias comuns debruçam-se sobre o mesmo sistema ou equipamento e controlam mutuamente a correcção da sua instalação, da sua operação, da sua manutenção, da sua desactivação. Não há orgãos soberanos. As decisões são tomadas após debate em equipas. Não havendo equipas únicas. Este é o princípio básico da qualidade.
O pobre do meu amigo disse-me que isso era impossível no mundo da Justiça em Portugal.
Um silogismo elementar permitirá concluir assim não pode haver qualidade na Justiça em Portugal.

O método “top-down”

Há ainda uma agravante. No nosso país o poder político é fan dos métodos “top-down”. Há uma crença religiosa que só pode ser forte porque os crentes estão longe da realidade.
Dou exemplos: como pode um ministro dos transportes avaliar as prioridades do desenvolvimento da rede e dos modos de transporte duma área metropolitana se não utiliza a rede para ir para o trabalho? Como pode um ministro da saúde avaliar o serviço de saúde se não recorre a ele?
A resposta é simples, uma vez que não é aplicável o método dedutivo nem o método escolástico: tendo fé nos seus colaboradores e nos seus relatórios.
E quem são os seus colaboradores? São aqueles que o poder político, supervisionado pelo poder económico, seleccionou para colaborarem com o ministro. Sem avaliação das competências técnicas, concurso público, apesar das tão badaladas regras da contratação pública, a probabilidade de mau entendimento da realidade, ou subordinação do entendimento da realidade a outros critérios é muito grande.
E quando essa probabilidade é grande, também é grande a probabilidade das decisões que são tomadas não resolverem os problemas.
Típico de um processo “top-down”, sem “down-top” (estão de acordo que o método da senhora professora Maria de Lurdes Rodrigues era “top-down”, não estão?).

Poor us

É isso que nos distingue. Temos os mesmos problemas dos outros povos, mas temos grande dificuldade em nos organizarmos em equipas que cooperem para a solução do problema.
E assim assistimos desagradados à entrada precipitada em vigor duma lei da reforma penal que libertou por erros processuais criminosos já julgados e condenados, ao aumento da criminalidade, à gestão desastrosa do imobiliário das prisões, tudo ao arrepio dos técnicos que estão mais dentro dos assuntos.

A estatística

E sempre que questionamos os ministérios, vem a resposta olímpica: de acordo com as estatísticas de que dispomos, os indicadores dizem que está tudo bem.
Fazendo a ponte para assuntos mais próximos da actividade do humilde escriba deste blogue, tudo isto me faz lembrar o colega mais novo, da minha empresa, que foi investido num cargo de muita responsabilidade e que apresenta resultados estatísticos da sua direcção de fazer inveja a qualquer um.
Eu bem tento convencê-lo de que as questões técnicas que surgem numa empresa de transportes deviam ser tratadas como um jogo de xadrez.
O xadrez tem regras e existem algumas técnicas para aplicar consoante a fase do jogo.
Mas não é possível ensinar a analisar uma combinação para resolver um problema para o qual concorrem muitas variáveis.
Ninguém é obrigado a ter aptidões para tudo.
E a estatística reproduz ou simula apenas e sempre, uma realidade ou uma parte da realidade.
A estatística pressupõe e gera abstracções, modelos, dados estruturados que são elementos de estudo preciosos, mas que não são a realidade (não há realidades simples nem determinísticas).
O colega mais novo anda muito orgulhoso das suas estatísticas e da sua gestão virtual, com muitos computadores e programas de gestão, e vende esse orgulho a quem o quer comprar.
Como os nossos ministérios que tratam destes assuntos da Justiça.
Compramos?

O programa do blogue

Mas o colega mais novo tem razão numa coisa. Obriga todos os colaboradores a descrever ao pormenor as respectivas tarefas e funções (tarefa é táctica e a actividade concreta que executaram, função é a estratégia e o tipo de actividade que devem desempenhar). Talvez eu ficasse mais contente se ele desse mais autonomia aos seus colaboradores e estimulasse a organização de equipas, mesmo que se chegasse a conclusões diversas e contraditórias.
Devemos definir bem os objectivos do que fazemos e escrever um programazinho com os tópicos principais. Também isso faz falta a este pobre blogue.
Tenho de escrever uma pequenina nota de intenções, para pôr no perfil do dito blogue.

.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Eu criminoso me confesso

Esta é dedicada aos meus amigos advogados.

O casalinho que foi apanhado pelas autoridades que acorreram a uma denúncia pública de prática de felação no interior de um automóvel, em Paredes, arriscam uma pena de prisão de 4 anos.
Segundo explicou um senhor advogado, não é crime de atentado ao pudor, que essa figura desapareceu. Chama-se agora importunação sexual.
E mais explicou que é crime, apesar do automóvel ser um espaço privado, porém não impede a visibilidade do que se passa lá dentro.
Acresce que esta criminalização foi definida na última reforma penal (aquela que, por um vacatio legis, permitiu a soltura, por questões processuais, de criminosos efectivamente condenados em tribunal) coordenada pelo actual senhor ministro da administração interna.
Venho então eu, agora, confessar-me criminoso, porque desde que passei uns tempos na Holanda das janelas sem cortinas, não tenho cortinas, e durmo com as persianas levantadas.
Pode o senhor ministro enviar os seus polícias. Bastar-lhe-á subir às varandas do vizinho, ao nível das minhas, que é o do primeiro andar, e daí será muito fácil acusarem-nos de importunação sexual e obterem a nossa condenação.
Infelizmente, devido ao adiantado da idade, não será todas as noites que o poderão fazer, mas ainda assim vão podendo fazê-lo.
Já a minha avó contava que se fartava de ralhar com o meu avô porque a vizinha podia vê-lo nu dentro de casa. Ao que ele respondia que se a vizinha não quisesse ver, que não olhasse.
E ainda não tinha eu 6 anos e já os meus pais me tinham ensinado que era crime espreitar para dentro das barracas da praia em que as senhoras se bronzeavam por inteiro.
É por isso que agora digo, senhor ministro e senhores legisladores, que crime, crime, é o voyeurismo, como o daquele senhor de Paredes, junto do local do “crime”, que disse para o jornalista: “Da minha janela via-se tudo o que eles estavam a fazer dentro do carro. Até fui chamar a minha mulher para vir ver”.
Importunação, isto?
Deve haver uma deficiência cognitiva à solta ou um erro de interpretação da realidade, generalizados, claro, não serão só para mim.
Ou então é a realidade que é surrealista.


.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Mr.President, they appreciated very much the public money

Senhor Presidente.
Eles apreciaram muito o dinheiro público que os ajudou a vencer aquele mau bocado. Mas agora que os seus bancos já devolveram o dinheiro emprestado, já podem voltar ao “business as usual” e aos seus bónus acima do limite.
Bom, todos os bancos não; parece que o Citigroup quer mais 13.500 M euros para poder acabar de devolver os 30.000 M euros que recebeu emprestado, ficando o governo federal com 34% do capital do banco.
Até parecem a GM a querer mais dinheiro para repor a Opel em andamento.
Será a estratégia do recém-nomeado presidente executivo, depois da demissão ao fim de 8 meses do CEO "abençoado" pelo senhor presidente quando a GM foi reestruturada com uma injecção de capital público? Despediram agora este senhor, acusado de lentidão, porque a GM não está a mudar, depois de ter vendido a marca Hummer aos chineses?!?!(devem querer continuar a fabricar automóveis gastadores).
Entretanto,os nossos banqueiros, cá em Portugal, também já dizem com aquele ar sério que os caracteriza, com os músculos faciais descaídos: “Deixem-nos trabalhar”. Isso.
Será tudo uma questão de convicção.
E diz o senhor Presidente que não foi para ajudar um grupo de potentados de Wall Street que se candidatou.
Fica-lhe bem dizer isso.
Já lhe fica mal dizer que os USA não precisam de subscrever o fim do fabrico de minas terrestres ou misturar o prémio da Paz com o envio de mais soldados para o Afeganistão.
Mas pode ser que tenha sido por sua intervenção que a Blackwater se vem embora, do Iraque e do Afeganistão. Veio agora a saber-se que eram eles que geriam os drones (aviões telecomandados que têm bombardeado indiscriminadamente civis e militares no Afeganistão). Veja no que dão as teorias do “outsourcing”. Até na guerra há “outsourcing”. Bom, na Idade-Média já havia, os tais de mercenários. Mas como a ideia do “outsourcing” é apresentada como inovação… é preciso muito cuidado com esta ideia de “outsourcing”…
Talvez também não devesse ter dito, no discurso de Oslo, aquela de que nenhuma acção não violenta poderia ter parado as tropas de Hitler.
Não, realmente não. Nem mesmo Ghandi e os seus amigos teriam podido fazê-lo. Que pode fazer um pacifista no meio dos camisas negras e dos camisas castanhas?
Mas cuidado com as análises de hipóteses históricas.
As tropas de Hitler já eram a serpente fora do ovo.
Quando a serpente ainda estava no ovo (ver Ingmar Bergman), e ainda antes de Chamberlain, as tais acções não violentas talvez tivessem mais hipóteses.
Mas tudo isso são hipóteses, não são argumentos.
Deixe lá, veja se se aguenta, que não sei se são os banqueiros de Wall Street ou se são as pressões inflacionárias ainda escondidas da guerra do Iraque e do Afeganistão que são o seu maior inimigo.
Veja se consegue cumprir o withdrawal plan.
2011 não é?

PS - Interessante. Fascinante, como dizia Mr Spock. Agora é a Wells Fargo do senhor Warren Buffet (aquele autor da frase "o mercado livre não tem funcionado bem para os pobres") que se lembrou de vender uns activos , de baixar os dividendos e de vender acções. Para quê? Para devolver o empréstimo federal e poder remunerar os gestores como muito bem entender. E parece que o Citigroup vai pelo mesmo caminho, mais o JPMorgan, mais o Bank of America (infotrmação do Oje de 2009-12-16).Eu acho inteligente, mas também acho que o principal problema deste tipo de inteligência é acharem que os outros não são inteligentes. Pobre presidente Obama, ter de os aturar.


.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O discurso de despedida de Eisenhower em Janeiro de 1961

Bom, já que referi o discurso contra o complexo militar-industrial, talvez seja melhor reproduzir o que o senhor disse, para evitar confusões e eu não ser acusado de estar a distorcer a História.
O extracto em causa é o seguinte, perfeitamente incompatível com as decisões posteriores de intervenção no Iraque e no Afeganistão:
“We must never let the weight of this combination (the military-industrial complex) endanger our liberties or democratic processes.”
segundo alguns, no original estaria military-congress-industrial complex, mas isso não está confirmado.
Para eventuais dúvidas, ver, pf :
http://www.youtube.com/watch?v=qdrGKwkmxAU
http://www.h-net.org/~hst306/documents/indust.html


.

Leituras do dia - 8DEZ09

A GM/Opel quer 3.000 milhões de euros de fundos públicos (depois de ter recusado a venda ao consórcio Canada-Russia-sindicatos?! Isto é que é o mercado a funcionar?) – a Dubai World, o grupo financeiro do Dubai, colocou à venda o Cirque du Soleil e Queen Elisabeth II (o Dubai terá de diversificar os seus investimentos no sentido da produção de bens essenciais) - o rei da Arábia, por enquanto saudita, quer que os governos ocidentais financiem o seu reino quando as receitas do petróleo baixarem, devido aos esforços dos povos em se libertarem da dependência do petróleo (com a distribuição da riqueza que os senhores emires têm feito é preciso muita lata, não será?) – a justiça alemã achou que os executivos do LandsbergBank cometeram uma série de desfalques e vai julgá-los (lá como cá ou talvez não cá como lá) – os países em desenvolvimento têm de reduzir as emissões de CO2 e os países já desenvolvidos não (então o que esperavam? Que a misericórdia divina descesse dos céus e inundasse o coração dos gestores da coisa pública universal? Acham que o complexo industrial-militar do presidente Eisenhower ia nisso? Lembram-se da frase do general Eisenhower quando entrou na Alemanha em 1945 e se virou para os colegas: “tenho vergonha dos meus antepassados serem alemães”? bom, pelo menos é o que ele diz no filme “Patton”; será que no assento etéreo onde ele subiu, por ter pronunciado o discurso do complexo militar-industrial, não por ter ganho a guerra, se memória desta vida se consente, está ele a dizer para os colegas: “tenho vergonha dos meus descendentes serem americanos , por não terem dissolvido o complexo militar-industrial”? Será?)


.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Reportagem do dia - a alienação das prisões

Reportagem do dia, com a devida vénia ao DN: o Ministério da Justiça tem um programa de alienação de imóveis desde 2006. As prisões de Lisboa e de Pinheiro da Cruz já foram vendidas por 141 milhões de euros.
Mas alugou-as, como inquilino, por 7 milhões de euros por ano (juro de 5% ao ano). O total de vendas destas e doutras prisões no programa de alienação de imóveis do MJ foi de 230 milhões de euros.
Só para o “campus da justiça” (como provincianamente se diz) no Parque das Nações, o MJ paga de aluguer cerca de 12 milhões de euros por ano (lembram-se de eu protestar por o tribunal sair da Boa Hora? E sabiam que a CML ofereceu terrenos em Chelas para uma cidade judiciária? E que o mesmo tinha sido feito pela câmara de Oeiras?).
E anda aflito, o MJ, a deitar contas à vida de quanto vai gastar nas novas prisões que vai ter de construir.
Por sinal, o célebre código de contratação colectiva já demonstrou o seu calibre: foram anulados 2 concursos porque o preço base (de acordo com o novo código o preço base é o preço máximo admissível) era muito baixo e nenhum empreiteiro lhes pegou; por causa das limitações dos trabalhos a mais claro.
Entretanto, o MJ vai pagando a renda. Quanto mais tempo demorarem os concursos, maior o prejuízo…
Lembram-se de como ralharam comigo quando eu fiz aquelas fórmulas de classificação dos preços das propostas que postulavam um preço base elevado e um preço ideal por metade dele?
Que estava a convidar aos preços altos.
Acontece que eu nunca menti a nenhuma instância superior relativamente à estimativa ou orçamento de um investimento, e faço os possíveis por não ser ingénuo (por isso não acredito que a corrupção se combata com novos códigos de contratação). Coisa de que nem todos se podem gabar. As autoridades gostam de receber orçamentos contidos…e impossíveis.

Mas voltando ao programa de alienação (no sentido comercial) dos imóveis do MJ.
Não podemos classificá-lo como alienação (no sentido psiquiátrico).
Eu diria que é mais surrealismo.
Que é uma realidade que se sobrepõe à realidade.
Qual seja a de que a empresa que compra e vende os imóveis ao MJ é uma empresa de capitais públicos.
Acham que, como surrealisticamente dizem, são tudo acções de engenharia financeira.
Eu, sinceramente, acho que engenharia é e serve para outra coisa.
Para isto não.
E um dos efeitos desta surrealidade foi a excelente contribuição para a redução do défice que a venda das prisões representou para as contas de 2007 e 2008. Porém, um grande defeito dos economistas é, iludidos por saberem matemática, ignorarem a física e o princípio da conservação da energia, ou o 2º princípio da termodinâmica, como quiserem. Isto é, o que ajudou a equilibrar o défice em 2007 e 2008 com as vendas, vai agravar o défice com os alugueres e os investimentos necessários para as novas prisões, ao longo de pelo menos 5 anos.
E surrealisticamente, quem é que vai comprar à empresa pública que comprou a penitenciária de Lisboa ao MJ um edifício classificado, em princípio incompatível com uma urbanização privada?
Analisando o assunto como se fosse um sistema físico, poderá dizer-se que o tempo de produção de efeitos pelas causas é superior ao intervalo entre actos eleitorais e portanto a correcção do processo por via eleitoral sujeita-se a que a acção correctora seja aplicada num tempo e num sentido contrário ao da correcção, reunindo-se assim as condições para uma oscilação do sistema e correndo-se o risco de agravar os efeitos das causas, isto é, de se entrar num mecanismo de realimentação positiva, o qual em muitos sistemas físicos se traduz por embalamento, como por exemplo no motor eléctrico-série, com destruição das cintas e dos componentes do rotor.
Mas isto é uma análise física, claro, matéria que os economistas e os juristas, e, pelos vistos, os políticos, não dominam, pese embora sejam eles a tomar as decisões.
Também podíamos fazer uma análise sociológica, interrogando-nos por que são precisas tantas prisões em Portugal.
Mas isso será objecto doutros blogues.

Cansado da guerra

Leio no DN: Portugal vai enviar mais uma companhia de comandos para o Afeganistão. 118 mortos em mais um atentado em Bagdad.
Há dias, vinha um testemunho de um coronel do exército inglês sobre a sua experiência no Iraque, reportando que o seu comandante directo americano dava ordens disparatadas, as quais ele, inglês, se via grego para contornar e não piorar as coisas. E que os comandantes americanos tinham muita dificuldade em compreender todas as variáveis em jogo.
E então vamos mandar mais uma companhia de comandos.
Estou farto da guerra, apesar de ser um privilegiado que nunca entrou no teatro de operações.
Aceito que sim, si vis pacem para bellum; que Portugal tenha companhias de comandos. Pode ser preciso um dia pô-las a combater o vandalismo nas ruas, mas que sejam as nossas ruas, não as ruas do Afeganistão.
Se os moços querem ir ganhar dinheiro para a guerra e sublimar as suas tendencias agressivas, que vão; mas porque não contrata o exército português uma cedencia de mão de obra aos outros exércitos em lugar de assumir toda a logística?
E porque não faz como no Líbano, em que as companhias de engenharia portuguesas têm sido um exemplo para a ONU? (é, ainda não devem ter percebido, nesta altura do processo histórico, que os exércitos servem para reconstruir, ou, como ensinam os economistas quando não estão cegos pela deriva adam smithista, que os exércitos participam na internalização das externalidades).
Já dizia aos senhores oficiais do exército colonial pré-Abril de 74 que se tinha de fechar a guerra, andei na manifestação contra o Iraque que foi tão ultrajada pela comunicação social barrosista da altura, oiço religiosamente o Requiem da guerra de Benjamim Britten (Churchill achava que era um traidor), prego a quem me quer ouvir que a metodologia contra a guerra só pode ser a de Gandhi; e a tudo a História veio dar razão.
É agora com o Afeganistão que estou enganado?
Já que o presidente Obama parece não o querer ouvir, oiçam Greg Mortenson, que tem um programa de escolas no Afeganistão, é co-autor de "Three Cups of Tea" e dirigiu a Obama a seguinte recomendação, na esperança de que retirasse, em vez de reforçar: "Open your ears more to the locals, or risk shooting yourselves in the boots; there were nine meetings held behind closed doors, in secrecy, between Obama and military leaders but Afghanistan’s provincial elders were not considered in any of those meetings — even though they are the real power in the country."
O homem está lá no Afeganistão, fala com os chefes locais, mas os senhores de Washington é que sabem.
Que continuam esquecidos do que os imperadores romanos já sabiam. Quanto mais guerra faziam maiores as pressões inflacionistas. Nenhuma economia pode sustentar uma guerra destas. Nem a americana nem a europeia. As pressões inflacionistas aumentam, embora as paredes ainda vão resistindo. O problema será quando não resistirem.
É também por isso que estou farto da guerra.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Vitor Jara

No dia 5 de Dezembro de 2009 o Chile realizou o funeral de Estado de Vitor Jara, para o seu panteão nacional.
Vitor Jara era cantor e foi morto pelos soldados de Pinochet em setembro de 1973.

Ficou provada a intervenção americana no golpe.
Mas como referi no blogue de 3 de Novembro, a presidente Michele Bachelet pertenceu à juventude partidária de Salvador Allende.

De modo que, depois da barbárie e da economia do Chile ter sido gravemente afectada pelas ideias neo-liberais, conforme testemunha Luis Sepulveda, a esperança mantem-se.

Economicómio XXXII - Capitalismo, meu amor, de Michael Moore

Aqui registo, eu, mau cinéfilo e péssimo amador de economia, a carta que enviei ao senhor director do DN a propósito do filme de Michael Moore sobre as desventuras da humanidade a contas com o sistema da maximização dos lucros e do funcionamento livre “dos mercados”.


Exmo Senhor Director

Tem o DN publicado na secção de crítica de cinema a classificação do filme de Michael Moore, Bom, por João Lopes e Mau, por Eurico de Barros.
Todos temos o direito de exprimir a nossa opinião sobre um filme e os críticos também.
Porém, a expressão desse direito por um crítico pode condicionar a escolha feita por potenciais espectadores, especialmente se são apresentados argumentos fora do domínio da objectividade.
Ora o vosso colaborador Eurico de Barros afirma que Michael Moore chumbou a economia, ciência à qual, apesar de tudo, se associa alguma objectividade. Mesmo admitindo que Moore tenha chumbado numa cadeira de economia no seu percurso escolar, a frase do crítico associa-se ao filme e não ao percurso escolar.
Visto o filme, pedindo desculpa a João Lopes por eu ser um mau cinéfilo, concordo com a crítica dele. É um bom filme. Não talvez pela forma mas pelo conteúdo, difícil de construir, capaz de emocionar o espectador e de chamar a atenção para intervenções importantissimas como as dos presidentes Roosevelt (second bill of rights, de que o primeiro é o direito a um emprego) e Carter (sobre o desperdício dos recursos).
Nestas condições, sugiro que peça ao vosso colaborador que demonstre por que Moore chumbou a economia, quando não parece haver nada no filme que contrarie as leis da economia. Pelo contrário, fica patente no filme a opinião sobre o sistema de mercado do Cytibank (comunicado de 2005: o rendimento de 5% de pessoas é igual ao das outras 95%) e de Warren Buffet ("o sistema de mercado não tem funcionado bem para os pobres").
Ou em alternativa, simplesmente que retire a frase "Moore chumbou a economia", após o que ninguém terá o direito de criticar a sua crítica.
Melhores cumprimentos


E aproveito para recomendar que vejam o filme. Não recomendo por proselitismo, mas porque o seu conteúdo é efectivamente de muito interesse.
Por exemplo, assistimos a uma entrevista de Edward Salk. Edward Salk foi o criador da vacina contra a poliomielite e declarou publicamente que a patente da vacina pertence às pessoas e não a nenhuma farmacêutica. Edward Salk recebia o seu ordenado de professor e investigador e isso lhe bastava. Provou que não é preciso o lucro para o progresso. Mas não era um Maddoff nem um administrador da Goldman Sachs (há uma cena no filme em que o boss da Godman Sachs diz para Reagan: tem de abreviar o discurso – uma delícia em imagem que vale mais do que as mil palavras de Karl a explicar o domínio do poder político pelo poder económico).
O filme recorda que nos anos 60 era comum uma família média (a de Michael Moore, por exemplo) pagar com facilidade o empréstimo da casa e ter um emprego seguro. Passados 50 anos, depois do reaganismo "pilotado" pela Goldman Sachs, a execução das hipotecas é o flagelo das famílias médias. É assim que há progresso? Terá sido por causa das experiencias falhadas dos regimes ditos socialistas? (esta ultima pergunta não está no filme; fui eu que não resisti; mas a Goldman Sachs está no filme em lugar de destaque).
Um assunto de especial interesse para quem trabalha em transportes é a denuncia que Michael Moore faz das condições de trabalho dos pilotos de aviação comercial norte-americanos: ganham cerca de 17.000 dolares por ano (brutos, não líquidos). Acumulam dívidas com os seus cartões de crédito. Comprometem a segurança para que as companhias possam digladiar-se na arena do “low cost”. É tolerável este nível de salários para pilotos de aviação comercial? Não é, conforme o piloto que "aterrou" no Hudson declarou no Congresso, com escândalo nacional, acrescentando que tem de continuar a voar apesar de já ter idade para estar reformado.
De muito interesse ver o comunicado do Cytibank de 2005, em que se reconhece que a democracia americana é antes uma plutocracia. Verificando-se assim que o efeito de escala não provoca alterações na caracterização de uma plutocracia. Ver, para uma escala reduzida, o recente livro Salazar e os Milionários (é mais prático chamar ditadura ao fascismo português, mas que era uma plutocracia das grandes famílias, era).
São interessantíssimas as cenas no Congresso dos USA sobre o apoio dos 700 mil milhões de dólares para tapar os buracos da crise de Setembro de 2008. É verdade que democracia é haver deputados que possam chamar a esse apoio roubo do dinheiro dos contribuintes e violação dos direitos dos cidadãos o que os financeiros fazem, incluindo o exercício do poder político por interpostas pessoas. Há até um senador no Congresso dos USA que se apresenta como independente e se auto-intitula socialista. Mas devemos ser ambiciosos e querer mais do que isso numa democracia.
Devemos querer que o dinheiro dos cidadãos não vá sistematicamente favorecer os banqueiros e as instituições financeiras; devemos querer que os empréstimos do Banco de Portugal não vão para o FMI nem para a GM (ou, se tiver de sê-lo, que a TAEG seja astronómica e o spread exemplar) mas antes a pessoas como Conceição Pinhão e aos seus cooperantes que já pagaram as dividas da empresa de camisas que os alemães queriam deslocalizar para a Roménia, ou à Investvar que só precisa de quem lhes coloque no mercado internacional os sapatos que podem produzir depois de se libertarem da Aerosoles (volta Pinho, estás perdoado).
Devemos ser ambiciosos.
É que os financeiros, especuladores e companhia também são ambiciosos, já andam animadíssimos a falar em retoma e em voltar ao “business as usual”.
Para voltarmos ao mesmo:
Consumam enquanto especulamos; comprem nas grandes superfícies e vejam televisão. Quando rebentarmos, ajudem-nos para podermos continuar a explorar os recursos e a acumular as mais valias, como a História mostra em sucessivos "remakes".
Não percam o filme.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Religo IV – O Cardeal Barragan

O cardeal Barragan desempenhou as funções de ministro da saúde do Estado do Vaticano e destacou-se mais uma vez ao declarar recentemente que os “gays” nunca entrarão no reino dos céus.
Posso concordar com ele, desde que não acredite no reino dos céus.
Mas a ideia não seria essa, além de que o cardeal, receoso que os seus colegas teólogos o desancassem por pretensiosismo insuportável de quem imita Jesus Cristo a referir-se aos ricos (é mais fácil o cabo da embarcação passar pelo buraco da agulha – já agora chamo a atenção para mais uma confusão linguística: em grego camelo é muito parecido com a palavra que designa o cabo grosso de uso marítimo) achou por bem apressar-se a esclarecer que não era ele que o dizia, mas S.Paulo.
É possível.
Não retenho todas as epístolas de S.Paulo com essas referências aos pobres “gays” escorraçados para o inferno. S.Paulo é uma figura notabilíssima na historia da gestão. É um precursor dos grandes economistas gestores do nosso tempo. Pegou numa organização discreta e pacífica e, como se fosse um “yupie” cujo sucesso é a recuperação de empresas falidas, dotou-a com todos os elementos que o marketing da época reconhecia como os mais apreciados pelos seguidores das outras religiões (é aqui que entra o culto de Mitra, disseminado em toda a área mediterrânica em avanço relativamente à religião cristã, que com ela partilha muitos mitos). Depois, como gestor internacional, lançou as bases do triunfo a longo prazo da organização sobre todas as concorrentes. Fez como a Austrália, aproveitou os mais humildes até que os mais humildes se tornaram a maioria organizada e a religião cristã passou a religião oficial incompatível com a existência das outras (concílio de Niceia, ano 312).
Mas recordo da Bíblia (o tal acervo de crueldades) a condenação à morte dos “gays” pela sociedade judaica.

E vem agora o cardeal Barragan recordar-nos o anti-humanismo do pensamento oficial da igreja católica. Fechando os portões do paraíso aos “gays”. Como a figura central da religião cristã dizia, “não sabem o que fazem”.
Ou sabem, jogando na intolerância, até que venha a condenação por método democrático do intolerado. Por referendo ou por decisão do governo, apesar da laicidade estar consagrada na Constituição da República. E combatendo, à sa manière, a homosexualidade dos sacerdotes, ameaçando os pobres sacerdotes "gays" com o castigo do senhor deus dos exércitos, como diz a Bíblia; tudo para que as ovelhas não se tresmalhem.

E admiram-se do sacerdote islâmico a explicar que o homem pode bater na esposa desde que não a faça sangrar….
O cardeal Barragan sabe quem entra e quem não entra no reino dos céus, apesar do método científico já ser praticado pela humanidade há mais de 3 séculos.
E a verdade é que dão ouvidos ao cardeal Barragan.
E se calhar até a maioria dá ouvidos ao cardeal Barragan.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Que deu a Deu la deu?



Será verdadeira a notícia? Que oiço na antena 2 no primeiro dia a seguir a 1 de Dezembro?
Que o Banco de Portugal vai emprestar ao FMI 1.600 milhões de euros?
Ao FMI, para fazer face às despesas da crise… e para cumprir uma promessa feita em Abril de 2009 (ai este país de promessas…).
A notícia falava em mil e seiscentos milhões de euros, o que em moeda antiga daria 320 milhões de contos.
320 milhões de contos dá para uma ponte sobre o Tejo (bem, só ferroviária, que a classe média do Barreiro não tenha muitas esperanças de vir de carro para Lisboa nos tempos mais próximos).
320 milhões de contos é à volta de 1% do PIB do meu rico País, melhor dizendo, do meu País rico.
Que terá dado a Deu la deu?
Achou que estávamos outra vez no cerco de Monção?
Achou que o melhor era juntar as massas e oferecê-las ao inimigo para o inimigo nos largar a porta?
Foi isso?
O FMI vai levantar o cerco e nunca mais nos vai incomodar e vai reconhecer ad infinitum a nossa independência?
Foi isso?
Se foi isso então está bem, estou de acordo.
Só que… o artigo 48 da Constituição dá aos cidadãos o direito de serem esclarecidos sobre assuntos de interesse público.
E prevejo que as explicações que vão ser dadas pelo Banco de Portugal , possivelmente com uma cara muito séria, com os músculos da face deslassados para dar esse aspecto sério, de quem tem uma postura de estado e anda permanentemente preocupado com a coisa pública, não vão ser satisfatórias, não (a taxa será indexada à da Euribor? ou a TAEG é negociável?).
Porque previsivelmente não vai ser dada a justificação de Deu la deu.
Porque os sócios do clube não foram consultados sobre esta despesa da direcção nem houve nenhuma assembleia geral de sócios para debater este assunto (se a Democracia vive na sociedade recreativa de Escalos de Cima, porque não há-de funcionar no resto do País?).
E porque o cargo de governador do Banco de Portugal vai continuar a ser um cargo de nomeação.
Nem eleito, nem sujeito a concurso público, como as empreitadas do decreto lei nº18 de 2008.
Como dizia um amigo, um grupo de sábios está a rever a peça de Gil Vicente Todo o Mundo e Ninguém. E então, a propósito da crise financeira, parece que vão ter de meter uma frase do género: Todo o Mundo: - Ensandeceu; e NINGUÉM: -Sabe como sair daqui?



PS - Afinal a notícia ouvida na Antena 2 tinha uma incorrecção.
O em+réstimo não foi de 1.600 milhões de euros, mas sim de 1.060 milhões.
Não se tratou de 320 milhões de contos, mas de 212 milhões de contos.
Não de 1% do PIB, mas sim de 0,64% do PIB.
Fica a correcção e a tristeza de que afinal era verdade o empréstimo, por coincidência no dia em que o FMI afirmou que a retoma não era suficiente para que Portugal diminuisse o défice.
Acho que Monção vai cair, apesar dos trabalhadores que estavam dispostos a apoiar Deu la deu.
A ver se um dia conto a história doutra Deu la deu, mais próxima de nós do que a original, Conceição Pinhão, um bocadinho mais abaixo do que Monção, em Arcos de Valdevez, e a quem o empréstimo assentava melhor do que ao FMI...