domingo, 10 de janeiro de 2010

Economicómio XXXVIII- O poder político e o poder económico

Com a devida vénia, cito o excelente trabalho de investigação histórica de Pedro Jorge Castro, “Salazar e os milionários”, baseado na consulta da correspondência entre Salazar e os chefes das principais famílias com poder económico no país.

Com a crise de 1929, a fortuna de Alfredo da Silva, o empresário da CUF, correu riscos de desaparecer porque o senhor tinha feito grandes investimentos nas suas empresas e o seu financiador ficou sem dinheiro. Salazar ordenou então à CGD que abrisse uma linha de crédito a Alfredo da Silva. Dois anos depois o banco de Alfredo da Silva ameaçou falência e Salazar avalizou os empréstimos necessários. No ano seguinte, foi a vez de um investimento em navios da companhia de navegação de Alfredo da Silva poder ser liquidado graças a um adiantamento ou subsídio directo do Ministério da Marinha.
Transcrevo uma carta de Alfredo da Silva para Salazar : “Solicito de VExa a bondade de não me abandonar nesta conjuntura difícil”.
7 anos depois da crise, foram os navios de Alfredo da Silva que transportaram grande parte das tropas marroquinas da rebelião de Franco que iniciou a guerra civil de Espanha. Como escrevera Salazar a Alfredo da Silva, “O governo não pode fazer nada para ajudar mas o senhor pode se quiser”.
Interessante também ler os “conselhos” que Alfredo da Silva dava a Salazar no sentido de aumentar as exportações para vencer a crise.
E mais interessante ainda uma carta de Ricardo Espirito Santo, em resposta ao cancelamento de um dos habituais encontros semanais entre ele e Salazar: “Espero ser compensado”.
Fascinante, como os empresários de que dependia a subsistência de muitos trabalhadores se referia ao governante com os termos com que os amantes se correspondem.

De modo que estamos perante um claro exemplo das relações entre o poder político e o poder económico.
Daqui poderá o presidente Obama tirar ensinamentos para lidar com os potentados de Wall Street, como ele diz, quanto mais não seja para não fazer como Salazar. Mas os tais potentados se têm encarregado desses ensinamentos, pela maneira como se portam, aproveitando a “retoma” para aumentar a estrutura accionista (lá está, enquanto o PIB chinês estiver a crescer, o dinheiro aparece) e assim poder devolver os empréstimos federais e decidir os bónus para os gestores (continuem a esticar a corda, continuem).
Também os grandes políticos internacionais terão a lucrar com a leitura do livro. Embora aquele senhor do Iraque, Tony Blair, não precise de conselhos nesta matéria. Conselheiro da Louis Vuitton, o homem,e colega de Gorbachev. Faz-me lembrar aquele senhor que saiu de primeiro ministro da Alemanha e foi para administrador da companhia dos gasodutos da Russia; ou aquele senhor que saiu do cargo de secretário geral de um grande partido político português directamente para a administração de um grande banco privado. Tudo legal, mas a natureza humana e a natureza da sociedade são assim. Pelo menos por enquanto e nos tempos mais próximos, apesar de haver uma ligeira contradição com a Declaração dos Direitos do Homem por coartarem o acesso público e concursado de outros cidadãos a esses cargos.

Livro muito útil e actual, este “Salazar e os milionários”, editora Quetzal, devidamente actualizado com a posição na lista, dos mais ricos na actualidade, dos descendentes dos milionários de Salazar . Não digo isto por inveja, que é a acusação habitual dos adam smithistas, mas por respeito para com a revolução francesa, a da liberté, fraternité, égalité…
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