sexta-feira, 5 de março de 2010

Rodoviarium XIV – Da variabilidade da capacidade da condução de máquinas e da fiscalização das regras da estrada


Detive-me a olhar, pensativo como imagino que Rodin desde sempre imaginou o seu pensador.
O que eu olhava podem ver nas fotos.
Dois mecos do solar dos condes de Carnide derrubados.
Terás feito isso de madrugada, talvez chuvosa, e também por isso as bases dos mecos não encontraram resistência do terreno.
Virias duma comemoração, ou de um simples divertimento noturno.



Para ti não deve ter interesse discutir a variabilidade da capacidade de condução de máquinas, nem tão pouco a problemática da incapacidade temporária ou definitiva de adaptar a condução de um automóvel às condições envolventes e às condições do próprio condutor.
Acharás que tens aptidão para conduzir e percorrer a estreita rua do solar dos condes de Carnide a 90 km/h, que pelo estado dos mecos não irias mais devagar, e isso será para ti um valor absoluto e invariável.
Não é; se pensasses para além dos teus primeiros impulsos, concordarias.
Não atribuirias as culpas do acidente à chuva, nem ao álcool, mas a ti.
Porque a tua aptidão para conduzir máquinas varia muito. Depende de muitos fatores. E varia tanto, que uns concidadãos teus, menos dados que tu a ficarem-se pelos primeiros impulsos, por gostarem de colocar hipóteses, de explorar as possibilidades das causas e das circunstâncias das coisas, discutem uns com os outros se hão-de definir as regras de condução prudente para 20% ou 50 % da capacidade do condutor médio em estado normal (quando tiveres 70 anos e quiseres continuar a conduzir, vais estar sujeito às mesmas regras da estrada que os teus jovens sucessores da altura).

Desta vez foram apenas dois mecos, dois soldados de guarda ao solar dos condes de Carnide, que tombaram na defesa das ombreiras e das paredes.
Como dois valentes, perante a força bruta dum automóvel, que deixaste tomar o freio nos dentes.
Desta vez não foram duas concidadãs, eventualmente cabo-verdianas, que regressassem das tarefas da limpeza de escritórios, nem muito menos, que bom não ter sido, duas crianças que tivessem de se levantar cedo para percorrer a longa distância que vai duma cidade, que não está bem organizada, ao local de trabalho dos pais e à escola.
Mas já terás ultrapassado tudo. Deixaste apenas como marca uma pequena camada de borracha do teu pneu dianteiro direito. Terás conseguido, com a tua capacidade de improviso e o teu telemóvel, um reboque ainda a tempo de ninguém ter sido alertado nem ter convocado a polícia. E sobranceiramente terias dito, se esta te tivesse incomodado: o seguro vai tratar de tudo e pagará tudo.

Ou talvez fosses apenas um adolescente desocupado a conduzir um grupo que se entreteve a roubar o carro para um passeio, uns pequenos assaltos, coisas assim que caracterizam o estado desgraçado duma sociedade impotente.
Impotente no sentido de tomar conta das suas crianças, de não as deixar sair da escola, de as ocupar nem que fosse com um ofício, como se dizia antigamente e que deixa os pequenos criminosos como tu a troçar dela.
Porque conduzir a 90 km/h naquela rua estreita de passeios estreitos é crime.
Quer sejas um pequeno marginal a conduzir um carro roubado, quer o carro seja teu, quer estivesses na posse das tuas capacidades para conduzir o carro, quer não.
Porque acima de 50 km/h a probabilidade de um peão sobreviver a um atropelamento é quase nula.
E por isso o número de mortos por atropelamento aumenta, de ano para ano, enquanto condutores como tu estão protegidos por cada vez mais eficazes dispositivos de proteção nos próprios automóveis.
Entendes porque te falo assim?
Eu sei que para ti pode ser difícil o esforço de imaginares que estás na minha pele e assim compreenderes o que penso.
Mas imagina que a polícia está a aperfeiçoar-se na fiscalização do cumprimento das regras do estrada, e que mais cedo ou mais tarde ela entrará em contacto contigo.
Aconteceu nos outros países, quando também tiveram graves problemas de mortalidade nas estradas. Melhoraram as polícias, baixaram os limites de velocidade e diminuíram a sinistralidade.
Será inevitável também no nosso país.
E então entenderás.

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