quinta-feira, 8 de abril de 2010

Diálogos de Siracusa - 3º diálogo: Teoria política

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Publius Coletius não trabalhava nesse dia. Eram as festas da Floralia, pela cidade preparavam-se os jogos e os teatros , e Publius aproveitou o dia para se refastelar à beira da praia, comentando com Caio Indivisio as últimas decisões do prefeito de Siracusa.



Publius Coletius – Não são os disparates que o prefeito decide que me chocam. Pelo menos não é o que me choca mais.
É o ar de auto-suficiência com que diz na Ágora que só o plano dele serve o bem comum e quem não concorda com ele é irresponsável e está errado. Quando o plano até nem é dele, que ele nunca foi discípulo de nenhum discípulo de Vitruvius, como foi o seu edil adjunto, que se considera a reencarnação de Vitruvius e que lhe fez o plano.
Só um grupo de discípulos dos discípulos de Vitruvius , com as mentes mais abertas, poderia ajudar a resolver os problemas de Siracusa, mergulhando bem fundo nos podres da cidade, conversando com os cidadãos, acolhendo as propostas de patrícios, de artesãos, de pescadores e militares, chamando-os à participação na Ágora.
Caio Indivisio – Estarás a ser um pouco imprudente a falar assim, tu, um funcionário da Ágora.
Publius Coletius – Talvez, mas como dizia o filósofo da relatividade, mais vale sofrer um castigo injusto do que aplicá-lo.
Caio Indivisio – É por isso que não bates nos teus escravos?
Publius Coletius – Não, não é por isso. Nisso estou de acordo com as novas religiões orientais que vão triunfar em Roma. Somos capazes de imaginar o que um escravo possa sofrer, o nosso estômago reage da mesma forma que o estômago de qualquer deles. Logo, não vejo por que havemos de andar a bater-nos uns com os outros. Quanto mais não seja para evitar as revoluções de Spartakus.
Caio Indivisio – Engraçado, passam uns séculos e quem condenar Spartakus será condenado. Veja-se o filme de Kubrik, da década de 60 do século XX. Ao invés do que acontece agora; quem recordar Spartakus dessa forma pode ser condenado. Continuas imprudente.
Publius Coletius – Exatamente como Giordano Bruno. Mas talvez o prefeito não me mande crucificar. Foi meu pupilo e sempre me falou bem. Não fazia o que eu lhe dizia, mas falava-me bem.
Caio Indivisio – Acaba por ser desanimador para os cidadãos, verem um só, o prefeito, a expor o plano que é só dele, embora seja apresentado a Jupiter como de todos os patrícios do senado.
Publius Coletius – Não podem os senadores ser todos da mesma opinião. Por isso aprendemos com os pais gregos o que é a democracia.
Caio Indivisio – Sempre ingénuo! Mais dia menos dia vamos ter de ouvir as opiniões das estouvadas das mulheres, da plebe, e dos criminosos.
Publius Coletius – Que os deuses te sosseguem. O que os deuses fizeram foi pôr a correr uma história que não pode parar. A democracia tem de ser para todos. Por isso não pode haver escravos, mas para os criminosos já foi inventada uma coisa que se chama direito romano, e que não vale a pena mudar.
A democracia só pode ser praticada por democratas, e os democratas têm de se defender dos criminosos. Aliás, a melhor maneira de lidar com o crime é a prevenção, é preparar os precetores, os mesmos, para os filhos dos patrícios e do povo, é organizar o trabalho para os patrícios e para o povo, é pôr tudo o que os filósofos foram capazes de produzir ao serviço de todos; in caveo malum stat virtus (a virtude está em evitar o mal) , não está no remédio depois do mal feito.
Caio Indivisio – O sol de Siracusa é muito forte e a tua cabeça já ostenta algumas calvas. Vem proteger-te à sombra destas videiras.
Publius Coletius – Meu jovem amigo. Se não fosses irreverente não eras meu amigo. Mas como és meu amigo vais ter de ouvir o que eu tenho a dizer mais do prefeito. E é essa a minha teoria política.
O prefeito consegue dominar um grupo pequeno de seguidores.
Cada um destes seguidores tem também um grupo, agora menos restrito, de seguidores. Ninguém dos pequenos grupos ousa questionar as opiniões do prefeito.
Ninguém nos grupos maiores ousa questionar a opinião do prefeito ou o seu seguidor direto porque é o prefeito e dele dependem os centuriões, porque quem questiona o centurião está a questionar César.
O critério de escolha de quem chefia os pequenos grupos é o de quem tem loquacidade para convencer os outros da aparência do que diz ou faz. Da aparência, não do que diz ou faz, não do que é capaz de fazer ou de compreender. E de cadeia em cadeia, de cascata em cascata, o prefeito domina toda a cidade e os campos à sua volta que a abastecem, e o comércio marítimo que nos traz o que precisamos.
As coortes dos centuriões devem, pelo decreto imperial, defender os proprietários dos latifúndios e os donos das minas, dos barcos e do comércio. Os donos dos escravos da construção e os grandes grupos de artesãos. E devem também assegurar que o pão e o circo cheguem ao povo. Assim garantem a continuação do poder do prefeito.
Eis a minha teoria política.
E tudo isto é sustentado por nós, os patrícios, e pelo povo.
Caio Indivisio – Eu também sustento isso? Eu também colaboro nisso?
Publius Coletius – Tu quoque , amicus mei (tu também, meu amigo). Não pagas os teus impostos? Não votas na Ágora?
Caio Indivisio – Tu dico is (tu o dizes)
Publius Coletius – Então, gozemos, calmamente, o sol de Siracusa, e vamos logo ao entardecer a Taormina fazer umas oferendas à deusa Flora, que a Primavera e as suas flores estão uma delícia e as colheitas são propícias; tudo oferendas dos deuses enquanto não se lembram de nos castigar. Deixa os escravos na vila; conduzo eu a carroça.


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