sábado, 17 de abril de 2010

A eiafialaioculização (do nome do vulcão eiafialaiocul)

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Estamos habituados a falar da globalização.
Falamos dela quando queremos uma desculpa ou uma justificação.
Deveríamos produzir mais, mas não vale a pena porque outros, do outro lado do globo, produzem mais barato para nós.
Não é saudável, a globalização, se pensarmos assim.

Assim, ignoramos o que já David Ricardo ensinava no princípio do século XIX, que devíamos produzir mais vinho, para o vender do outro lado do globo, ou, pelo menos, para o vender a quem o fosse lá vender.
Ou repetimos à exaustão as histórias curiosas, como a do bater de asas duma borboleta na China a provocar um tornado na Europa…

Isto a propósito de uma expressão que saiu com uma grande simplicidade a uma senhora retida na Republica Checa por causa da erupção do vulcão Eiafialaiocul: “Aqui estamos, por causa de um vulcãosinho de que nunca tinha ouvido falar, na pequena Islândia”…

Talvez haja aqui alguma despreocupação de viajante, viajante pela vida, digo, porque não sabemos desde sempre que uma pequena coisa é suficiente para parar uma coisa grande? E que matar uma mulher no Afeganistão por ensinar numa escola pública é matar uma de nós? Porque não há compartimentos estanques. E que nem um vulcão nem a Islandia são pequenos?

Deixem-me pôr a hipótese de que não estávamos preparados para o que aconteceu, apesar dos vulcões existirem e produzirem erupções.
O que me deixa zangado.
Porque os técnicos de aviação já sabiam que as cinzas em suspensão param os reatores.
E eu não sabia nem mo disseram.
Nem sei o que fizeram para evitar o perigo associado.

Como técnico de transportes fico contrariado, faz-me lembrar os atropelamentos no metro sul do Tejo e ainda estamos à espera das passadeiras de peões enquanto se desculpam que não podem baixar a velocidade dos veículos (é por isso que se fazem túneis e viadutos, e foi isso que lhes foi dito, na altura do projeto…).

Querem os fabricantes de reatores dignar-se informar os cidadãos sobre o que podem colocar nos reatores como proteção contra cinzas? o que podem pôr nos injetores de combustível para que não se entupam com as cinzas? e os fabricantes de aviões como podem tentar proteger os vidros da cabina?

Não quero chamar eiafialaioculização à globalização. Quero chamar eiafialaioculização a este fenómeno de estarmos demasiado confiantes, de nos sentirmos auto-suficientes, ou pelo menos alimentados pela suficiência de outros, de não estarmos preparados para o dia em que alguém ou algo fecha a torneira e então paramos, como se o bug do ano 2000 tivesse finalmente triunfado.
Ser-se vítima da eiafialaioculização é não ter alternativas quando se foi atrás da solução mais fácil.
Durante anos o liberalismo económico triunfante exultou com o abaixamento dos preços das viagens aéreas enquanto combateu o desenvolvimento do transporte ferroviário de alta velocidade.
O liberalismo económico acha que devemos deixar o mercado funcionar (coitado do mercado, só pode funcionar em liberdade se não houver informação assimétrica, nem escassez, nem externalidades coletivas).
O liberalismo económico não viu com bons olhos o Eurotunnel (demasiados capitais públicos, via SNCF pelo meio). E é agora o Eurotunnel que serve de alternativa, não chegando para a procura.

Este é um princípio básico da técnica de transportes: quando tem de se transportar pessoas e bens entre dois pontos, nunca se assegura a ligação entre dois pontos apenas por um modo de transporte.
Devem ser previstos percursos diferentes, e não necessariamente de recurso. Isto é, uma malha de transportes.
Não esquecer, por favor, que a velocidade comercial de uma ligação aérea anda à volta de 600 km/h e de uma ligação ferroviária de alta velocidade à volta de 250 km/h.

Donde, não parece que uma viagem de 7 horas entre Lisboa e Paris, de comboio, seja assim uma coisa que ninguém vai querer fazer, como dizia o senhor fundamentalista especialista de economia mas pouco seguro em técnica de transportes, quando comparada com as 3 horas de avião.

Compare-se também a produção por passageiro, ente Lisboa e Paris, de 300 Kg de CO2 de avião e 150 Kg em comboio de alta velocidade.
Ou, se entrarmos com a reação molecular do carbono e das outras moléculas do combustível e do ar, para produzir o seu dióxido, cada passageiro consumiu, só para ir de Lisboa a Paris, 0,9 toneladas de petróleo de avião ou 0,2 toneladas de petróleo se for de TGV (é o peso do nuclear na tração elétrica em França…).
Farão os leitores o favor de perdoar as imprecisões que estes números têm devido à variabilidade das taxas de ocupação é à omissão nos cálculos de dados como os custos complementares necessários ao funcionamento dos modos de transporte.

Então, vamos lá projetar uma rede de transportes europeia como deve ser, sem fundamentalismos de liberalismo económico, cujos economistas, parafrasendo Pancho Guedes, não percebem nada de transportes.
Dirão os fundamentalistas: o vulcão vai voltar ao seu sono de décadas, e o caminho de ferro também sofre com a neve; voltemos ao espaço aéreo.
Então voltem, mais cedo ou mais tarde as redes ferroviárias vão ter de se desenvolver, e provavelmente graças aos economistas.

Talvez que tudo isto suceda porque o próprio primeiro ministro justifica a situação eiafialaioculizada “derivado a que…” .
(ver      http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=11512        )
O que me deixa perfeitamente atónito e preocupado com a forma como se fala português nos sítios onde se tomam as decisões da res publica.

Eis a questão, deixem-me parafrasear Shakespeare: não estarmos preparados enquanto não quisermos, com todas as letras, dizer que contra-eiafialaioculizar é preciso.



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