quarta-feira, 21 de abril de 2010

Ruínas, um filme documentário de Manuel Mozos





http://aeiou.expresso.pt/ruinas-o-filme-sobre-um-pais-a-desaparecer=f574028



Tenho-me esquecido de vos informar sobre este filme, que por enquanto faço mais coisas na vida do que blogues, e agora o filme já deve estar por pouco tempo no King, onde se sente a passagem dos comboios da linha da cintura e do metro de Roma para o Areeiro.

Não sei se gostarão de ver, porque ver ruínas não dispõe bem, porque tem histórias, mas não tem atores a fingir o que não foram, porque não é propício a ser visto em DVD ou na televisão, antes no ritual escuro da sala de cinema (somos uma espécie de rituais, não? Como as outras, não é? e as salas escuras do cinema ainda são um ritual).
Os críticos disseram muito bem das imagens e mal dos textos. Estranho, porque achei os textos muito bons.
Mas eu sou suspeito.
Da extensa relação de ruínas ali documentadas, exibindo olimpicamente a superior capacidade dos portugueses para desprezar o património construído (citação de cor, com a devida vénia, da senhora diretora da cinemateca nacional), possivelmente corolário da sua superior incapacidade de se organizarem sem privilegiar individualismos provincianos e novos-ricos (mistura não doseada de citações esparsas de Sofia de Melo Breyner e deste escriba, pretensioso por citar assim Sofia), fazem parte duas de que estive perto.
Pode ser um jogo ir ver o filme e ver se alguma ruína nos tocou: um cemitério no Porto, o sanatório das Penhas da Saúde, as estalagens abandonadas do Gado Bravo ou perto de Peniche, a estação do caminho de ferro condenado e executado de Barca d’Alva…
De fora ficaram montões de pedras para que o filme não fosse infindável, como por exemplo o paço de Avis, o mosteiro de Seiça, a Torre de Brotas, que já fazem parte deste blogue. A fotografia que ilustra este texto também não é do filme, foi tirada perto de uma estancia de turismo florescente.
Ah! Claro, não há dinheiro para a recuperação.
Continuamos a comprar 200 milhões de euros de automóveis ligeiros por mês ,cuja compra podia ser adiada por um ou mais anos, temos em contas de off-shores, contabilizadas às claras, cerca de 16 mil milhões de euros.
Mas não há dinheiro.
De facto não pode haver, quando se importa mais de 80% dos alimentos que consumimos.
Dir-se-ia que, já havendo uma estratégia nacional para a energia, falta uma estratégia nacional para a alimentação.
Fará falta no PEC, uma taxazita sobre as transferências para as off-shores, pequenina para não assustar ninguém, ou, mais sibilinamente adamsmitista ou struggleforlifista, fará falta pressionar os “mercados “ financeiros internacionais para revalorizar as moedas dos países exportadores de alimentos para Portugal (citação libérrima do senhor economista Daniel Bessa; i,é, começávamos a comprar doses maciças dessas moedas para lhes subir o preço; comprávamos a descoberto, claro, com o dinheiro dos outros).
Assim baixávamos as importações e aumentávamos as exportações; e já podíamos dispensar as taxazitas sobre os depósitos dos temerosos e sensíveis depositantes dos off-shores…
Mas voltemos ao Ruínas. Não percam, se puderem.
Pela minha parte, impressionou-me ver o abandono da pousada da EDP no Picote, onde estive um mês, na central hidro-elétrica do Picote, entre as centrais de Miranda do Douro e de Bemposta, no tempo em que era preciso fazer estágios em empresas para se ter o “canudo”.
O texto diz a verdade histórica. Havia uma ementa para engenheiros e outra para engenheiros técnicos (na altura chamados agentes técnicos) ou técnicos qualificados; os eletricistas ou serralheiros só lá podiam ir almoçar se convidados por um engenheiro ou engenheiro técnico. O técnico qualificado de telecomunicações (era, seguia informação codificada por portadora sobreposta nas linhas aéreas de alta tensão), dado que as correntes fracas ainda eram consideradas parente pobre nesta região de intensa produção de energia, era equiparado aos eletricstas e serralheiros, mas estava sempre convidado. Havia também na pousada a Rosinha, transmontana solteirinha ainda aos 37 anos, e havia umas costeletas de vitela que se cortavam com o próprio garfo.
Agora é uma ruína.
A EDP, que como se sabe é gerida por semi-deuses, fez o que qualquer exploradora de redes faz, telecomanda as suas centrais.
Mas abandonar a pousada do Picote? Já não há turistas?
A outra ruína está mais perto de Lisboa e é apresentada como a construção inacabada de um sanatório em Cabeço de Montachique, ao lado da A8 (mais precisamente em Tocadelos, que nesta região foram deixados étimos árabes nos nomes das povoações; Montachique, por exemplo, significa o monte dos amantes); podem ver uma fotografia no Google Earth, em 38º53’46,16’’ N / 9º11’17,50’’ W.
O sanatório foi mandado construir pela sociedade dos Makavenkos, ligada a burgueses endinheirados e republicanos do fim do século XIX e princípio do século XX.
http://aeiou.expresso.pt/a-sociedade-secreta-dos-makavenkos=f561905
Dele fazia parte Grandella (o das vilas operárias, aliás para os empregados de comércio, da estrada de Benfica). Capitalismo esclarecido, que sabia que a produtividade está correlacionada fortemente com a comodidade das condições de vida (correlação esquecida com o correr dos anos por muito boa gente, quiçá não tão esclarecida).
Mas dizem as más línguas, conforme me transmitiu a minha sogra que era de Cabeço de Montachique, onde eu ia aos fins de semana primaveris e outonais durante o período pré-nupcial de acasalamento, que o sanatório não era sanatório, era um casino fora de portas, com salas para o jogo e compartimentos celulares para oferendas a Afrodite. As paredes das celas ainda lá estão.
País de ruínas, como disse Luis Vaz (citação também libérrima), “nesta apagada e vil tristeza” (citação rigorosa), surdo a tantas propostas que se vão fazendo para que a resposta à crise seja um esforço coletivo…
Não percam. Só é possível a reconstrução depois de se conhecerem as ruínas.

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