terça-feira, 13 de julho de 2010

Micro-ensaio sobre os insetos altruístas

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Micro-ensaio é isso mesmo. Pequeno demais para ser um ensaio, mas mesmo assim como se pudesse vir a ser um ensaio.

Tal como a minha professora de ciências naturais do liceu nos ensinava, não deveremos estudar os grupos de animais segundo os padrões da sociedade humana.

Mas podemos analisar o comportamento dos bichos para fazer metáforas.

As formigas são um exemplo de predomínio do coletivo sobre o individuo.

Por exemplo, uma formiga pode desenvolver uma espécie de vacina quando todo o grupo é ameaçado por uma epidemia; a pobre formiga desfaz-se a si própria na vacina que impede a propagação da epidemia; é como se o indíviduo se sacrificasse para redimir ou salvar todos os seus semelhantes.

Claro que este comportamento não resulta de nenhuma decisão; é apenas um mecanismo de proteção da espécie. E como qualquer mecanismo biológico, a capacidade humana para estabelecer relações entre supostas causas e supostas consequências terá, por exemplo, transformado o mecanismo em fenómeno religioso. Veja-se o caso do deus indu Aravan, escolhido pelos deuses para se sacrificar para os salvar. O que Aravan aceitou, com a condição de se casar na véspera da batalha em que ia morrer. Nenhuma noiva o quis, pelo que Krishna, um avatar do deus supremo Visnu, tomou a forma de Mohini, que deu a Aravan a noite de núpcias merecida. E assim Aravan é considerado o progenitor das hijras, os transexuais homem-mulher na Índia. Não inventei nada. Tudo isto faz parte da religião indu. O cérebro humano, em grupo, consegue criar relacionamentos entre comportamentos, como a formiga consegue criar vacinas. Provavelmente o efeito protetor sobre a espécie será o mesmo, se podemos dizer que a religião protege de alguma coisa, do medo, talvez.

Mas talvez seja mais fácil analisar o comportamento dos insetos altruistas entre os pirilampos.

Verificou-se que os grupos de pirilampos macho sincronizam os seus

flashs em vez de emitir as luzes aleatoriamente.

Se o fizessem, algumas, apenas algumas pirilampos fêmea reagiriam aos flashs.

Essa seria a proposta de Adam Smith, que os mais capazes emitissem os seus apelos, sendo certo que só muito poucos receberiam o retorno (é a velha historia de 10 % de indivíduos terem 90% do rendimento).

Porém, os pirilampos são também insetos altruístas e sincronizando os seus flashs permitem às fêmeas escolher calmamente os seus acasalamentos. Essa seria a proposta de Marx, distribuir os benefícios pelo maior número possível de indivíduos. Como dizia John  Nash (teoria da conciliação e da negociação), não devem todos os pretendentes concentrar-se simultaneamente na loura de olhos verdes.

E não esqueçamos que os insetos estão razoavelmente preparados para resistir às radiações nucleares e às mudanças climáticas.

Mais uma vez regeito qualquer racionalidade entre as formigas ou entre os pirilampos. Mas também é capaz de não haver muita racionalidade nos comportamentos humanos. Pode ser apenas uma reação de grupo, de movimentos moleculares, de mecanismos protetores de uma espécie. Ninguém desejaria alterar o código genético do indivíduo de modo a que ele se sacrificasse pelo coletivo, nem tão pouco de modo a que limitasse a sua liberdade individual contentando-se com um benefício igual ao do coletivo, quando tinha uma oportunidade de o ter maior.

Porém, não devemos propor a mudança do código genético, mas podemos pedir a utilização do cérebro para melhorarmos o bem estar do coletivo. É por isso que existe o código da estrada. Todos vão sincronizados, na autoestrada, a 120 km/h, de acordo com as regras de circulação pela direita, em nome do bem estar coletivo. Altruísmos.


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