terça-feira, 16 de novembro de 2010

Cougar



Segui a uma distância respeitosa a novela da aquisição por ajuste direto dos blindados para a cimeira da NATO. Motivos de urgência e de segurança foram invocados para um investimento de 5 milhões de euros para 6 blindados, para contornar as disposições legais do código de contratação pública.

Senti-me a dado passo repreendido por um senhor na televisão, explicando aos ignorantes que as viaturas blindadas não eram blindados, eram viaturas com proteção anti-balística, os Cougar, fabricados pela Force Protection.

Depois chamou-me a atenção a notícia de que não iriam chegar a tempo da cimeira as seis viaturas, talvez apenas duas. Mas que se não chegassem para a cimeira, para o que a polícia as quer é para entrar nos bairros problemáticos.

Sinto de repente o meu cérebro invadido pelas imagens do “Hair” de Milos Forman , a crucificação do soldado morto no Vietname pela insensibilidade dos políticos de Washington e um grande símbolo “make love, not war”. Recordo o que já escrevi em :
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/05/make-love-not-war-reflexao-na-leitura.html

Também me sinto sócio da empresa que importou os Cougar.
Não sócio de uma empresa comercial, mas de uma comunidade, isto é, contribuinte que elege representantes e delegados para gerirem a segurança da comunidade de cidadãos a que pertenço.
Mas de sócio transformam-me, com a argumentação que oiço na televisão e leio nos jornais, em vítima a ser protegido.
Sou idoso o suficiente para desconfiar do escuteiro que me quer atravessar para o outro lado da avenida, sempre sujeito a todas as ameaças de destruição mais ou menos maciça.
E também idoso o suficiente para identificar a falha da democracia que não me deixa, como cidadão, participar no debate da organização da segurança na comunidade.

Mas acredito, apesar de não suportar as ideias de planeamentos estropiados e de objetivos escondidos, que sim, que a polícia quer os Cougar para entrar nos bairros problemáticos, porque já aconteceu à entrada nesses bairros serem recebidos a tiro de armas de guerra e, certamente (eu escrevi este advérbio com um sentido trágico-irónico, mas se tiverem a paciência por mim imerecida de me seguirem, compreenderão), um dia destes encontrarão minas e explosivos no seu caminho.

Deixemos a cimeira, interessa-me a segurança nos tais bairros problemáticos, numa altura em que as promessas dos contratos de segurança de bairro e do conceito de policiamento de proximidade se esbatem.
Porque já há muitos anos, quando a criminalidade cresceu nos operadores de transportes urbanos, propus que o investimento em câmaras de videovigilância saísse do orçamento do ministério da administração interna e não das empresas de transporte.
Defendi também que esses mesmos operadores deveriam participar nas politicas de prevenção ao mais alto nível, incluindo o apoio ao sistema escolar (não verbas apenas para o policiamento das escolas, mas medidas para melhorar o controle financeiro e educacional pelos encarregados de educação dos alunos do primeiro ciclo, que é a falta desse controle que determina o insucesso escolar).
Mas eram utopias e o que era necessário era descredibilizar os professores, o que foi eficazmente feito com o apoio dos meios de comunicação social.

Vá que a criminalidade não se agravou desde então, possivelmente porque a cidade desertificou e os municípios adjacentes de Lisboa viram os seus meios de apoio aos bairros problemáticos e de contenção reforçados, embora fale sem conhecimento dos dados reais, que deveriam ser recolhidos em inquéritos estatísticos.

Então procuro informações sobre os Cougar, para entender o que são e para que servem.
A Internet mostra-me o Cougar como nome em inglês do puma, ou leão da montanha, um bicho simpático na natureza mas que já tem provocado acidentes fatais nos parques e reservas naturais dos USA .

Segue-se a informação sobre o Ford Cougar, um coupé americano dos fins dos anos 90, sobre a plataforma do Ford Mondeo. Era um modelo maior do que o Ford Puma, fabricado na Ford alemã e propagandeado por Steve McQueen. Não tem este Cougar nada a ver com as viaturas com proteção anti-balística.

E muito menos tem a aceção seguinte de Cougar, que vejo num artigo da Wikipédia sobre a disparidade , ou desacerto de idades no relacionamento entre dois parceiros sexuais. Imaginem que existia um “site” de encontros no Canada denominado Cougardate. E que predominaram nesse “site” os encontros entre jovens senhoras de 30 e tal anos e rapazinhos de 18. Daí passarem a designar-se as senhoras balzaquianas, em inglês dos USA, por Cougar.

Donde, chamar Cougar, quando este nome está associado à plenitude da mulher, organismo supremo dos mecanismos da evolução, a um veículo com proteção anti-balística, parece de razoável mau gosto. Mas foi o nome com que a Force Protection, Armored military vehicles, Ladson, South Carolina, batizou os veículos que foram substituir os Humvee no Iraque e no Afeganistão.

Ah, porque afinal vem a saber-se que o objetivo da criação dos Cougar foi o de entrar nos bairros problemáticos do Iraque e do Afeganistão, oferecendo proteção aos militares contra a explosão de minas e contra o tiro de armas de guerra das emboscadas. Por uma portinhola das traseiras pode sair um EOD (explosive ordinance disposal), que é um robot que por telecomando pode desenterrar e desativar a mina (como se viu no Hurt Locker). Afinal, como dizia a cantiga, havia outra viatura. Quando o Hurt Locker ganhou o Óscar, já o Cougar tinha substituído o Humvee do filme. Progressos, agora extensíveis à nossa polícia, enquanto a Force Protection não conclui o processo de desenvolvimento de um novo blindado ligeiro (perdão, de uma nova viatura ligeira com proteção anti-balística), o Ocelot, só disponível em 2011. Dava mais jeito, para os bairros problemáticos com ruas estreitinhas… (estas guerras ganham-se com escolas e com empregos, não com cruzadas; pensem em Gandhi e na roca da bandeira da União indiana).

Por uma questão histórica, não posso deixar de recordar as Berliet do Tramagal, que faziam a função de aguentar o rebentamento das minas.

Sinceramente, não gosto desta história.
Não gosto que não seja dada oportunidade a cidadãos de pensar de maneira diferente da que a nossa polícia nos quer fazer pensar.
Por isso lhes dedico esta frase de Noam Chomsky, norte-americano: «A forma inteligente de manter as pessoas passivas e obedientes é limitar o espectro da opinião aceitável, mas estimular muito intensamente o debate dentro daquele espectro… Isto dá às pessoas a sensação de que o pensamento livre está pujante, e ao mesmo tempo os pressupostos do sistema são reforçados através desses limites impostos à amplitude do debate».
http://www.forceprotection.net/products/cougar_4x4/



Sobre situações  de guerra com portugueses, com intervenção das Berliet, ver um hurt locker em Moçambique, nos anos 70:





PS - Segndo informção posteriores, a verba de 5 milhões de euros envolve mais equipamentos, sendo o preço unitário dos Cougar cerca de 250.000 euros, já pintados de azul.

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