sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

No ano de 1995





No ano de 1995, em que a Austria e a Suécia entraram na União Europeia, a ABB, lembram-se, tinha uma fábrica de material circulante ferroviário na Amadora, ao pé da rua das Industrias; fabricava, ou montava, automotoras para o metropolitano, pendolinos para a ligação Porto-Lisboa, vagões de mercadorias para o Egito e para a Bósnia.
A orientação estratégica da empresa nessa altura era a de diversificar os seus fornecimentos e competir na área das infraestruturas.
 

A ABB concorreu por isso aos sistemas de sinalização ferroviária e e  
comando automático dos comboios na linha para a Exposição universal de 1998.
Não ganhou, apesar da sua proposta ser a mais equilibrada do ponto de vista do compromisso entre a qualidade técnica e o preço.






A forma como a proposta estava organizada também não ajudou; revelava pouca atenção dos técnicos suecos que não ajudaram os seus colegas portugueses a prepará-la, num tema em que não tinham experiencia. A tecnologia sueca tinha sido a primeira no mundo a instalar um sistema computorizado de sinalização ferroviária, em 1978, mas os rigores da legislação dos concursos públicos impediram uma discussão da proposta que a valorizasse.
Poucos anos depois de 1995, sobreveio a catástrofe naquela empresa.






Comprada em bolsa pela Bombardier canadiana, foi definida a estratégia de concentrar em Madrid as atividades na peninsula ibérica.
À boa maneira portuguesa, um grupo de técnicos portugueses viu nisso a oportunidade das suas vidas e quis ficar com a empresa da Amadora.









O jogo de bolsa que fizeram correu mal, a casa mãe bloqueou a circulação de informação com os servidores centrais, deixaram de se fabricar comboios e vagões e de nada serviu uma tentativa do governo de pôr a fábrica a produzir blindados para o exército.
Foi mais um exemplo do corte da capacidade produtiva portuguesa na metalomecânica pesada.





Mas em 1995 o ambiente era de esperança.
A ABB enviou-me um calendário com doze fotografias de mosaicos romanos.
De Conimbriga, à exceção de dois, retirados da Torre da Palma, os dos cavalos Hiberus e Lenobatis.
Conservei o calendário porque era uma boa metáfora para explicar o significado das tecnologias.
As tecnologias servem para as pessoas se sentirem bem. E é isso que se desprende das cenas, das figuras e das imagens geométricas dos mosaicos romanos.




Nem tudo é mau.
Não se terem perdido estes mosaicos é um facto espantoso.
Gosto especialmente de ver os olhos das personagens, muito abertos.
Também pode servir de metáfora para darmos uma olhadela à economia e aos indicadores das épocas.







No tempo de Conimbriga, a lei dos rendimentos decrescentes atacou implacavelmente a concentração urbana assente na produção esclavagista (poder-se-á dizer assente em baixa remuneração do fator trabalho?).
Conimbriga foi abandonada como as cidades maias por, atingido um estádio insustentável, não terem adotado estruturas de retribuição dos fatores de produção diferentes.




A solução escolhida foi a de diversificarem a estrutura produtiva, concentrando a produção de bens alimentares em vilas agrícolas descentralizadas.
Quando os "bárbaros" chegaram, as cidades eram ruinas.
Ruinas maravilhosas, mas ruinas.
Em 1995, a balança de pagamentos de Portugal estava ainda razoável. E há mais de 10 anos que estava equilibrada, com governos de várias cores.
  O que significava que o país fazia o que fazem as pessoas de bem. Vivia dentro das suas posses, sem que, no entanto, nos esqueçamos do afluxo de capitais dos fundos de coesão europeia.




Mas parece que em 1996 se agudizou a crise que já vinha de trás de provincianismo novo rico neste país, o país das auto-estradas e das stações de metropolitano sibaríticas; houve um acesso de suficiencia acultural, como se a cultura não fosse precisa na equação e como se os fundos europeus que não tinham faltado, e os empréstimos, fossem suficientes para dinamizar a economia.
E 1996 é o primeiro ano oficial da crise, em que a balança de  pagamentos se desequilibra e a dívida externa, que era de 8% do PIB sobe, sobe que sobe, até hoje, até aos 110% do PIB (não esquecer que a dívida externa não é só pública, também é privada, e que os governos foram de várias cores).




E pronto.
Chegados aqui, parece-me um pouco forçado estar a querer resolver os problemas da estrutura produtiva da Conimbriga atual da mesma maneira que os romanos fizeram, há 18 séculos, fugindo para o campo, ou então, chamando os professores de economia que ensinam as ideias denunciadas no filme Inside Job.




                  Mas, infelizmente, a democracia parece não ter mecanismos para prevenir estes acessos aculturais.


Com a devida vénia ao DN e ao seu colaborador da coluna "não há almoços grátis" , o professor de economia João César das Neves, donde retirei os dados sobre a dívida externa

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