quarta-feira, 2 de março de 2011

O senhor professor

O senhor professor falava com propriedade e com os músculos da face distendidos, muito sério.
Dirigia-se aos jovens, maioritários na plateia.
"Estou a ser antipático mas digo-vos isto para vosso bem. Vocês devem lutar para acabar com os empregos estáveis por toda a vida. Devem lutar para acabar com as regalias sociais que conduziram ao estado atual".
Parecia estar a ser sincero.
Alguém se levantou na plateia a perguntar há quantos anos o professor lecionava na mesma universidade e qual o montante da reforma que iria auferir.
Um dos seguranças da sala obrigou o intruso a sentar-se.
Aliás as perguntas não foram ampliadas porque não tinha microfone.
Mas o professor ouviu-as e respondeu que o caso dele era diferente.
De facto era diferente, o professor tinha direito a um emprego estável para toda a vida e com garantias sociais.
Eu fiquei a interrogar-me se em funções de segurança no transporte aéreo, ou em segurança ferroviária, se podem ter empregos instáveis, com mudança de atividade assim que se atinge algum conhecimento e experiencia (e diminuindo assim os níveis de segurança).
Ou em medicina, em que toda uma vida não chega para compreender todas as implicações que um fenómeno conhecido possa ter.
Mas o professor achará que sim, que se deve ter fé na auto-regulação do mercado do trabalho, e que os empregos têm de ser instáveis porque as regalias sociais conduziram a nossa comunidade à penuria.
Pode ser que o professor tenha razão.
Mas quanto aos empregos instáveis não tem quando se trata de segurança nos transportes.
E quanto às culpas do estado social, então o Inside job está equivocado quando diz que a culpa foi dos especuladores financeiros?

Na verdade, a ineficiência no setor público é muito grande. Mas o peso do setor público já não é decisivo nos tempos que correm.
O enquadramento jurídico é também ineficaz. Mas como dizia Camilo Castelo Branco, de que serve ao regente fazer uma lei perfeita, se ela pode ser sempre iludida por mais perfeita que seja?

Custa-me assim dar crédito ao senhor professor.
Ele estará a identificar bem os sintomas e algumas causas da doença.
Mas as medidas de prevenção e de tratamento que propõe parecem pouco realistas, salvo melhor opinião.

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