terça-feira, 8 de março de 2011

A sindroma da lotaria e a manifestação de dia 12 da geração à rasca

O jogo é uma das atividades viciantes do cérebro.
Retira prazer, isto é, produz dopamina e outros neurotransmissores, da expetativa e dos resultados, mesmo perdendo a aposta.
Não sofendo desse vício, isto é, produzindo eu a minha dopamina e outros neurotransmissores a partir de outras atividades, penso ter distancia suficiente para  fazer uma analogia com um dos dogmas do neoliberalismo que nos governa: que a riqueza advem principalmente da capacidade e da iniciativa de empreender de cada indivíduo.
Em resumo, o prémio da lotaria só sai a alguns e só sai a quem concorre.
Mas, e a maioria a quem não sai a lotaria, ou porque não tem capacidade para concorrer, ou não concorreu porque já acha demasiada a dependencia do acaso na vida corrente, ou simplesmente não lhe saiu a sorte grande porque os negócios correram mal (por exemplo, serem comprados por uma multi-nacional americana depois de esta ter posto à venda produtos concorrentes ao preço da chuva)?
A lotaria cultiva a desigualdade, e como tal devia ser contida (não digo proibida).
Talvez por isso haja tanta preocupação em aplicar os dinheiros da lotaria em intervenção social.
Mais um exemplo de remediar, em vez de atuar a montante.

Vem isto a propósito de uma reportagem no Noticias Sábado do DN sobre os "Inovadores... os empresários sem medo que tiveram a coragem de apostar em coisas completamente novas e venceram. Conheça os negócios do futuro em Portugal".
Como diz o outro, o entusiasmo e o acreditar que nos vai sair a sorte grande move montanhas e multidões.
A mim soa-me mais a iludir as pessoas.
Mas o facto é que saiu a sorte grande a alguns estes empresários. Um deles é diretor da Cisco em Londres e afirma, entre as apologias à inovação, que "o direito ao emprego não existe. Se o emprego não está disponível, devo poder criar o meu emprego ... os desempregados criam o seu emprego ou emigram". Lá está, e quem não consegue? Como dizia Melo Antunes, há espaço para todas as forms de organizaçõ e de produção. Porquê então este vício de dogmas exclusivistas? Tem de se procurar no cérebro a origem destas deficiências. Psiquiatras sociais, precisam-se. Local de trabalho: os centros de análise e de decisão dos economicómios.
Mas estou de acordo, o direito ao emprego não existe.
De facto, o artigo 23 da Declaração universal dos direitos humanos apenas declara, no seu ponto 1, que
"Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego."
Eu até acrescentaria que, para além do direito ao trabalho existe o dever, das sociedades organizadas, de fornecer trabalho, e dos cidadãos e cidadãs, o dever de trabalhar (pode ser polémico, mas o dever de trabalhar limita o direito à liberdade individual, tenho muita pena, o que legitima o direito da sociedade organizada de perguntar ao cidadão ou cidadã, em caso de duvida, por que não trabalha, com a condição de lhes dar a escolher, podendo trabalhar, várias hipóteses, incluindo horários adequados ao seu estado de saúde).

Vamos clarificar as coisas.
Os dogmas neoliberais de que não existe o direito ao emprego e de que a sociedade organizada deve minimizar a componente social dos gastos públicos, opõe-se:
- aos direitos humanos conforme a declaração universal;
- ao lema da revolução francesa, Égalité, traduzido, graças à evolução das ciencias sociais, por um indicador confiável, o coeficiente de Gini.

Custa-me ver eleger políticos que tendem mais para os dogmas neoliberais.
Especialmente quando, no tempo do afluxo dos fundos da UE, os deixou ir para atividades não reprodutivas e, no caso do metropolitano de Lisboa, sumptuárias (desperdício na construção e manutenção de estações). Pior ainda, quando colaboraram no estrangulamento da capacidade produtiva agro-alimentar de Portugal (lembram-se dos subsídios para arrancar oliveiras, figueiras, amendoeiras, vinha? lembram-se da repressão do movimento cooperativo orientado para a produção cerealífera que teve como consequencia a diminuição da área explorada de propriedades com mais de 20 ha? lembram-se do escandalo da imposição de quotas à produção de leite nos Açores? lembram-se da redução da frota pesqueira e da zona marítima exclusiva? ) .
Por isso eu gostaria de participar na manifestação de dia 12 de março da geração à rasca.
Certamente que muitos desempregados licenciados não se importariam de ir gerir explorações agrícolas para contribuir para a diminuição do endividamento público e privado do país (podiam começar por apareer na feira de Cabanas, Palmela, agora em Abril).
Mas se calhar há uma desadequação geracional; a geração de recibos verdes não deve gostar que eu receba uma reforma razoável e dirá que nunca mais morro para não ter de me sustentar (embora toda a vida ativa tenha descontado cerca de 35% do salário bruto).
E depois, se calhar, a geração à rasca não concorda comigo, que o essencial é defender os direitos e os deveres da declaração universal e centrar toda, mas toda a atividade económica e financeira no controle do coeficiente de Gini.
Se calhar não concorda comigo.
Tenho pena, de não poder alinhar na manifestação.
Tenho pena que a juventude não ouça a velhice, que a queira responsabilizar pelas dificuldades (curioso, um país tão pequeno, ter conseguido influenciar tanto a crise financeira internacional), e não pense em responsabilizar (politicamente apenas, nas eleições, que eu não gosto de vinganças) os políticos que geriram imprudentemente os fundos da UE a seguir à adesão.
Tenho pena, pronto, como é próprio da geração velha.





Por vezes dás contigo desanimado
Por vezes dás contigo a desconfiar
Por vezes dás contigo sobressaltado
Por vezes dás contigo a desesperar


De noite ou de dia, a luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar


De pouco vale o cinto sempre apertado
De pouco vale andar a lamuriar
De pouco vale um ar sempre carregado
De pouco vale a raiva para te ajudar


De noite ou de dia, a luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar


E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção


E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino


Não falta quem te avise «toma cuidado»
Não falta quem te queira mandar calar
Não falta quem te deixe ressabiado
Não falta quem te venda o próprio ar


De noite ou de dia, a luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar


E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino


Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção


E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
A luta continua

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