sexta-feira, 1 de julho de 2011

Discutir política de transportes com qualificativos - a suspensão do TGV

Qualificativo: que exprime a qualidade ou qualidades de uma ação ou pessoas.

Primeiro, oiço um analista económico-político, na televisão, qualificar a intenção do senhor primeiro ministro de privatizar a CGD como juvenil.
Depois corrigiu, talvez por se ter dado conta de que não devem ser ditas verdades de chofre em direto, para "liberal", no sentido de escola económica.
Retenho a importancia e a inter-relação dos dois qualificativos: juvenil e liberal.

A seguir, leio um dos comentadores do DN, classificando como amadorismo e ligeireza a forma como foi apresentado o corte de 50% do subsídio de Natal acima do salário mínimo (com a agravante do senhor primeiro ministro ter dito, em plena campanha eleitoral, que era um disparate acabar com o 13º mês, embora formalmente acabar com  50% do excesso sobre o salario minimo não seja acabar com o 13º mêsm e ter dado a sua garantia de que eventuais ajustamentos seriam canalizados para impostos sobre o consumo e não sobre o rendimento das pessoas; dir-se-ia que certificados do tesouro com prazo de resgate de 10 anos seria menos feio...).

Entretanto, a propósito do balde de água fria que vem de Espanha questionando se a intenção é mesmo de suspender as obras do TGV para Madrid (depois do acordo firmado com Espanha há anos, depois de Espanha ter investido nas obras do seu lado, depois da EU ter alocado as respetivas verbas a uma rede intraeuropeia, e considerando a maior eficiencia enegética e menores emissões de gases com efeito de estufa por passageiro-quilómetro do transporte ferroviário, tudo argumentos de peso para ter cuidado com o que se diz), o DN cita uma fonte: "essas coisas (suspender o TGV) podem ser ditas numa campanha eleitoral, mas agora não", como quem diz que se aceitam críticas infundadas numa campanha eleitoral, como quem alardeia má-língua na conversa de café, mas quando se tem responsabilidade deve fundamentar-se uma proposta.

É um fado muito português.

Estamos a repetir com o TGV o que se passou com a água e o Alqueva (atenção que parte significativa da bacia hidrográfica que alimenta o Alqueva é território nacional).
Assinou-se um acordo nos anos 60.
Depois Espanha executou obras do seu lado, enquanto do lado português se discutia o sexo do anjos e freudianamente se recusava o avanço decisivo.
O governo de 1972 deu uma timida luz verde; o governo de Vasco Gonçalves, o V provisório, acendeu a luz verde com a intensidade máxima que lhe foi possível; os governos a seguir tentaram suspender, mas não conseguiram, embora tivessem feito um bom e prolongado não-trabalho (haverá algum economista poupadinho que diga agora que foi dinheiro mal gasto?).
Como suspender o TGV, agora.
O TGV e a bitola europeia para as mercadorias do porto de Sines (outro elefante branco dos anos 60/70, que de repente passou de elefante branco a oportunidade extraordinária para a economia portuguesa) e das plataformas alentejanas.

Durante a campanha eleitoral, pedi a uma amiga minha que muito prezo, destacada militante do partido agora no governo, que transmitisse às suas hierarquias que a suspensão do TGV era incompatível com os argumentos que citei acima, que é sempre possível abrandar o ritmo das obras, mas pará-las é das últimas coisas que se deveria fazer (é aquela questão da física que foi dada nas aulas em que os decisores faltaram: a energia necessária para o arranque de um móvel é superior à energia necessária para o manter em movimento) . E que todo o esforço se deveria concentrar em negociar o aumento da comparticipação dos fundos europeus através do QREN (a grande dificuldade do QREN é a exigencia da elaboração de projetos rigorosos, não basta definir intenções, mas existe quem os tenha feito e quem  seja capaz de os fazer).
Em vão.

Para mim, isso significa ignorancia das variáveis significativas da questão, incapacidade de ouvir quem tem um pouco mais de experiencia em transportes e dificuldade de compreender e distinguir o essencial do acessório.
Que o mesmo é dizer, que não me parece ser possível ter um pingo de confiança numa política subordinada a tais qualificativos (juvenil, liberal, amador, ligeiro, critico infundamentado).
O que é uma pena, em assuntos de transportes, não haver confiança nos decisores, e estes não terem confiança em quem lhes explica as coisas.

Resta a esperança que os homólogos espanhois expliquem melhor do que este humilde blogue o que é uma rede europeia de transportes (não confundir com rede inter-regional ou interurbana nacional).

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