quinta-feira, 28 de julho de 2011

Hipótese: é o complexo de Hubris

Num breve intervalo de tempo, dois ministros do novo governo e o grande escritor Vasco Graça Moura classificaram como irresponsáveis ou criminosos quem não pensa como eles.
Será provavelmente o complexo de Hubris, que ataca quem detem o poder e se sente protegido pelos mecanismos da democracia, quem se convence de que tem razão por rejeição de argumentos contrários. Neste estádio, quem sofre de complexo de Hubris recorre aos adjetivos em detrimento dos argumentos (mesmo que estes sejam reais e evidentes) e à idealização de que está a servir uma causa nobre (a recuperação nacional, por exemplo).

Primeira citação: o senhor ministro Vitor Louçã Gaspar classificou como irresponsável quem defender o abrandamento do ritmo da consolidação orçamental.
Não obstante o aumento do prazo e a diminuição dos juros.
Não obstante os "irresponsáveis" quererem saber o destino dos 78 mil milhões de euros para se certificarem de que a maior parte do dinheiro se destina a investimento reprodutivel em bens transacionáveis geradores de crescimento económico.
Não obstante continuar a fugir como o diabo da cruz do imposto sobre os bancos para não diminuir a atração da poupança (reduz-se o poder de compra, mas o potencial de poupança sobe? é capaz de ser verdade, deixa-se de comprar o BMW e com o dinheiro da entrada faz-se um depósito, mas, quem não tem sequer o dinheiro da entrada? ai estas injustiças e esta falta de universalidade do imposto extraordinário)
Não obstante o senhor presidente do fundo europeu de estabilização financeira ter dito que "os resgates das dívidas de Portugal e da Irlanda têm sido um bom negócio para os países que lhes concederam garantias... até hoje só houve ganhos para os alemães, porque receberam juros acima dos refinanciamentos, o que reverteu para o orçamento alemão" (está-me a seguir, senhor ministro? está a ver o mecanismo de refinanciamento para receber juros mais elevados? deixemos Pangloss e a ingenuidade de Candide, e leiamos antes o Mercador de Veneza, de Shakespeare, mais conforme com a teoria dos juros do senhor ministro; a propósito, não tinhamos combinado há uns tempos com a UE  mutualizar a divida europeia, emitir eurobonds e taxar os lucros dos bancos?)
Não obstante o alivio do aumento dos prazos e da diminuição dos juros não viabilizar, por si, o pagamento das dividas.
Não obstante continuarem as cidadãs e os cidadãos a aguardar a discriminação do desvio de 2.000 milhões de euros (pela gravidade da afirmação, uma vez que desvio pode ser interpretado como apropriação indevida de dinheiro por alguem) uma semana era mais do que suficiente para explicar que desvio é este; o senhor ministro Vitor Gaspar o máximo que apresentou até agora, e mesmo assim sem mostrar as contas, foi que havia ministérios com "insuficiencias de orçamento para pagar salários e despesas em atraso acumuladas". Poderá ser verdade, mas, se não se mostram os cálculos, como se costuma dizer, é curto.

Segunda citação: o senhor ministro Alvaro Santos Pereira classificou como irresponsável fazer uma linha de TGV com premissas totalmente fora da realidade" e que não era irresponsável suspender uma obra já acordada com o governo espanhol (tendo a parte espanhola já gasto dinheiro) e beneficiando de fundos europeus, porque o que se pretende é uma linha de mercadorias de bitola europeia.
É pena que estas coisas já estivessem há muito no blogue do senhor ministro, mas esperar-se-ia melhor fundamentação depois de um mês de ministério (mau aconselhamento?).
É muita pena que uma afirmação tão grave ("pressupostos totalmente fora da realidade") seja feita sem fundamentação, apenas com adjetivos.
Eu próprio tenho criticado as soluções da RAVE, mas sempre fundamentei as críticas.
E nunca critiquei o facto de prever a construção simultanea de uma linha de mercadorias com ligação a Sines com travessa bi-bitola como está efetivamente previsto.
Acresce que o traçado da ligaão do TGV a Madrid e ao Porto até é razoável (embora eu preferisse a travessia do Tejo por Beato-Montijo e a estação central do TGV de Lisboa no Vale de Chelas/Olaias).
Em Portugal, os grandes problemas como o traçado do TGV são deixados primeiro a um grupo restrito que faz secretismo. Aos poucos vão-se conhecendo as propostas e apontando as deficiencias do projeto. Graças ao esforço resistente do grupo restrito (ver a sobranceria com que num programa prós e contras foi contrariado o impacto visual da travessia Chelas-Barreiro no miradouro e Alfama) só muito lentamente e por aproximações sucessivas se vai chegando a uma solução razoável; veja-se ainda o caso da localização do eventual novo aeroporto de Lisboa, proposto primeiramente por um senhor primeiro ministro, conhecido por raramente ter dúvidas, coisa que quem aplica o método científico tem sistematicamente, para uma base aérea chumbada pelas suas más condições meteorológicas para base dos F16).
A construção simultanea de infraestruturas para modos diferentes é uma forma de economia, talvez mais significativa do que apagar as luzes (a propósito, sempre reparei que tinha de ser eu a apagar as luzes dos gabinetes, que os meus colegas preferiam deixar acesas; é interessante pensar que a maioria dos meus colegas não tenha conseguido fugir à estatística dos eleitores dos partidos atualmente no governo; eles deixavam as luzes acesas e votaram num governo que apaga as luzes; eu apagava as luzes e não votei num governo que liga mais às economias intermédias do que às grandes economias (do ponto de vista macroscópico, é uma ilusão estar a poupar em pequenas coisas quando o principal desperdicio só pode evitar-se mediante investimentos pesados geradores de poupança).
Mas admitamos que os pressupostos estão fora da realidade. Nunca poderão estar totalmente, porque o TGV permite um consumo específico de energia e emissões de gases com efeito de estufa por passageiro-quilómetro inferior ao transporte rodoviário e ao transporte aéreo.
E parece evidente que a gestão correta das ligações entre Lisboa e Madrid terá de taxar os modos aéreo e rodoviário de modo a "encaminhar" os passageiros para o TGV.
Isto é uma heresia para o fundamentalismo liberal do mercado livre, mas até os economistas mais fanáticos das companhias aéreas low-cost conhecem termo internalização da externalidade, aplicável ao diferencial da emissão de gases com efeito de estufa destes modos relativamente ao TGV. De momento, a tonelada de CO2 está a menos de 20 euros, mas tem tendencia a subir, tal como os custos das "low-cost", à medida que forem eliminando a concorrencia que tem custos superiores de manutenção e que não fica com o dinheiro da reserva se o passageiro não puder embarcar na data combinada e à medida que o petróleo sobe).
Entretanto, será um pressuposto totalmente infundado admitir que o TGV transportará por dia pelo menos a capacidade de um avião e, durante as férias, de dois?
Isso dará aproximadamente 90.000 passageiros por ano, o que se traduzirá num diferencial aproximado TGV-avião de 7,5 GWh e 4.000 toneladas de CO2. (Não é interessante pensar que é possivel baixar as emissões do transporte aéreo, com a condição de se usar aviões de grande capacidade (800 passageiros), que não estão homologados para aterrarem no atual aeroporto de Lisboa?).
Isto são pressupostos "totalmente fora da realidade"?
Parece uma afirmação demasiado grave para um ministro de um mês, sobre uma questão importante de transportes.
O que me faz lembrar o que me ensinou o chefe da central do Picote, quando lá fiz um estágio de um mês, há muitos anos: existem pessoas que não estão bem dentro dos assuntos mas têm sempre soluções que os outros não tinham conseguido descobrir (ele citou o caso de um engenheiro de gabinete na sede que tinha sugerido retirar a turbina para reparação sem retirar o alternador, o que pouparia imenso) e que acham que o trabalho dos outros ou é mal feito ou não merece confiança; quando tomam posse fazem re-avaliações "como deve ser"; e exemplificava com um heroi de banda desenhada com algum sucesso num jornal do Porto, o Becas maravilhas.
Sinceramente, da parte do senhor ministro esperava argumentações e cálculos. Acusações de que quem não pensa como ele é irresponsável, não.

Terceira citação: Vasco Graça Moura, não sendo agora oportuno dizer mal do governo, tem dedicado a maior parte das suas crónicas no DN a zurzir o novo acordo ortográfico.
Um paciente leitor explicou em cartas ao diretor, argumento a argumento, que o acordo não é assim tão mau. Mas Vasco Graça Moura, cometendo o pecado de privar a comunidade dos leitores e escritores em português de obras suas que poderiam e deveriam ser escritas no tempo em que escreve as crónicas, insiste e insiste.
Diz agora que a grafia do novo acordo é criminosa (será que isso significa que quem escreve conforme o novo acordo é criminoso, e réu em que tribunal?).
É pena, porque assim não é liberal.
Como dizia Stuart Mill, o liberalismo de uma pessoa não deve ir além dos limites do liberalismo dos outros. Se eu quero dizer e escrever perceção, por que cargas de águas não posso?
Nestas coisas sou eu mais liberal, vou continuar a escrever segundo o novo acordo (exceto por ignorancia minha, claro) e concordo sem qualquer hesitação que Vasco Graça Moura escreva, aliás bem e com humanismo quando não se deixa polarizar pela politica, de acordo com o anterior (não me refiro ao que o antecedeu, aquele em que fleuma se escrevia phleugma)

Conclusão:  Será seguramente o complexo de Hubris - o poder consolida a auto-convicção, independentemente da realidade, dos cálculos e dos argumentos contrários.
Não será autismo, será complexo de Hubris.


mais informações em:
http://www.google.pt/#hl=pt-PT&source=hp&q=irrespons%C3%A1vel+vitor+gaspar&btnG=Pesquisa+do+Google&oq=irrespons%C3%A1vel+vitor+gaspar&aq=f&aqi=&aql=&gs_sm=s&gs_upl=10604l19698l0l23028l26l26l0l11l1l1l394l3215l2-4.6l10&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&fp=39942fb498c34481&biw=958&bih=536

http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=irrespons%C3%A1vel+aLVARO+SANTOS+PEREIRA&oq=irrespons%C3%A1vel+aLVARO+SANTOS+PEREIRA&aq=f&aqi=&aql=&gs_sm=s&gs_upl=84377l95775l0l97884l33l20l0l0l0l9l466l4128l1.0.4.6.2l13&biw=958&bih=536&cad=cbv

http://www.google.pt/#sclient=psy&hl=pt-PT&source=hp&q=vasco+gra%C3%A7a+moura+criminosa&pbx=1&oq=vasco+gra%C3%A7a+moura+criminosa&aq=f&aqi=&aql=1&gs_sm=s&gs_upl=3190l11715l0l14719l29l23l1l6l7l2l925l8314l2-1.4.7.3.2l17&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.&fp=b4d4143e10bb08ed&biw=958&bih=536

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/09/madrid-lisboa-de-aviao-ou-de-tgv.html

http://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=hubris

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