sábado, 9 de julho de 2011

Resposta da Moody's

Foi recebida a seguinte resposta da Moody's à encomenda contendo lixo que lhe foi enviada por um grupo de cidadãos ofendidos:

Caros Senhores

Acusamos a receção da vossa encomenda com amostras de lixo produzido no vosso país.
Analisadas as amostras, é nosso parecer que o lixo é de boa qualidade e suscetível de ser reciclado com boas perspetivas de retorno do capital investido nas instalações de reciclagem.
Prometemos assim ponderar este facto nas próximas avaliações que fizermos da vossa economia.

Aproveitamos a ocasião para reafirmar também o nosso próprio patriotismo, como facilmente compreenderão  através da nossa contribuição para a luta do dólar contra o euro pelo controle das exportações.

Não podemos porém deixar de manifestar alguma estranheza pelas declarações do senhor presidente da vossa república, que ainda na ultima campanha eleitoral afirmou, e citamos, "que não vale a pena recriminar as agencias de rating, o que devemos fazer é o nosso trabalho", e que na sua própria campanha eleitoral afirmava que não devemos morder a mão de quem nos empresta dinheiro.

Somos levados a pensar que o vosso moicano (piada nossa, por Jeronimo ser o nome do ultimo grande chefe indío independente dos USA) tem razão quando diz que os clamores do vosso presidente são de "circunstancia e não correspondem às suas reais posições politicas".

É verdade que nós recebemos muito dinheiro das vossas câmaras municipais, das vossas empresas, dos vossos bancos, do vosso estado, para vos podermos avaliar.

Mas é o nosso trabalho e vocês acreditaram nele até há bem pouco tempo, enquanto vos demos uma boa notação. O carrasco tambem tem o trabalho dele e quem não gosta que haja carrascos deveria votar contra existencia da pena de morte, não seria?
Ainda há poucos anos o Metro de Lisboa tinha uma notação impecável e conseguia obter empréstimos a juros baixissimos para fazer obras de expansão que deveriam ter sido integralmente pagas pelas contas do estado e pelos fundos  dos organismos europeus de investimento, mas que ficaram na contabilidade do Metro.

Durante anos os privados portugueses foram aumentando a dívida até 230% do PIB, todos os diretores de bancos e professores das faculdades de economia estavam a ver, e agora queixam-se de nós?
Foi um pouco a técnica dos canibais, que alimentam bem as suas vítimas antes do sacrifício supremo, mas são as regras do jogo.

Não há lei nenhuma que proiba a Europa de ter uma agencia de rating.
Escusavam de nos pagar a nós.
Mas ainda não se entenderam se seria uma agencia privada, como os liberais  da UE mais liberais que Adam Smith querem para dar negócios aos amigos (inveja da Goldman Sachs e de Henry Paulsen?) ou se seria uma agencia publica.
Claro que nesse caso toda a gente iria protestar que era preciso garantir a independencia dos governos.
Nos tempos que correm é dificil ser independente seja do que for.
É mais fácil ser dependente.
Mas já foram desenvolvidas para a ciencia e para a industria técnicas de controle mutuo de quaisquer organismos produtivos, alem de que a democracia tem um mecanismo muito simples. Quem preside ao Banco Central Europeu deveria aceder ao seu cargo através de eleições pelos cidadãos e cidadãs, e as tais agencias deveriam subordinar as suas decisões a programas de ação sufragados ou, pelo menos referendados.
Simples.

Mas nós gostariamos ainda, se não levassem a mal, e com a intenção de fazer alguma pedagogia, que para isso somos consultores bem remunerados, de fazer um pequeno enquadramento e umas sugestões para melhoria da vossa notação, enquanto os esforços do vosso governo não dão resultados (porque tais resultados levam sempre anos) nas estratégias de melhoria dos resultados do PISA em matemática, compreensão da linguagem e ciencias fisicas e naturais, de combate ao insucesso escolar, de prevenção da criminalidade, de diminuição do desemprego.

Sem querer menosprezar a vossa história e os vossos sucessos atuais em muitos domínios, queremos recordar-vos uma história exemplar passada com o vosso empreendimento do Alqueva.
Durante anos, uma minoria de vós lutou para que ele fosse para a frente. Com muita dificuldade conseguiram (um caso semelhante ao do porto de Sines, que já deu provas, e à linha de TGV para Madrid, que querem matar à nascença), e por isso estão de parabens, essa minoria e toda a população portuguesa.

Mas não é a história do Alqueva que nos interessa recordar.
É a história do que se passou quando sobreveio um período de seca e a albufeira já se encontrava 80% cheia.
Uma delegação de agricultores alentejanos veio ao ministério da agricultura, em Lisboa, pedir medidas e a declaração do estado de emergencia. Entretanto, um grupo de agricultores espanhois da Estremadura foi à câmara de Mourão e pediu autorização para estender até à albufeira tubos de polietileno de 1 e 1/4 polegadas de diametro, alguns dos quais com 1000 metros de comprimento, para alimentar as suas bombas e regar as plantações.
Daí a uns meses caiu chuva em abundancia (a inveja que nós, americanos, temos do vosso clima temperado), o nivel da água na albufeira subiu e os espanhois retiraram os seus tubos e venderam os seus produtos.
Felizmente, sabemos que há quem, neste momento, invista e trabalhe no Alqueva, mas esta história é exemplar, e muitas vezes há quem queira trabalhar e uns senhores que mandam aparecem e não os deixam trabalhar.
Lá no Alentejo até há aquele exemplo da reforma agrária, que só descansaram quando acabaram com ela e conseguiram reduzir a superfície de terra cultivada depois de 1979 (mais uma vez chamamos a atenção, para que não haja melindres, que nem todos contribuiram para isso, sendo de destacar o aumento da área de plantação de vinhas e a qualidade dos vinhos produzidos, perfeitamente à altura dos nossos melhores californianos).

Claro que é dificil investir, e o principal problema são as dificuldades para o arranque de qualquer investimento. Quem tenha uma casa a cair ou um terreno coberto de mato não tem nenhuma garantia de que o seu investimento terá custos controlados e terá bom fim. A solução seria gabinetes junto das câmaras municipais de apoio técnico aos privados para elaborarem os seus projetos de investimento e controlarem os custos. É sempre o primeiro passo que mais custa e nada se faz se ele não for dado. O mercado livre a funcionar neste caso já se viu que não dá (quem disse que nos USA os departamentos federais não têm força?) por causa da tal assimetria de informação, da escassez de agentes económicos e da natureza de externalidade dos problemas.

Ainda dentro do enquadramento da situação, recordamos as promessas de desenvolvimento da vossa economia nos anos 60 do século passado, consequencia da acumulação de capital durante a segunda grande guerra, dos dinheiros do turismo e das remessas de emigrantes. Apesar da vossa economia condicionada (a teoria era mesmo chamada de "condicionamento industrial") e apesar dos gastos da guerra ou guerras coloniais houve desenvolvimento industrial. (É o nosso grande problema agora, não aprendemos com o Vietnam; o Iraque e o Afeganistão estão a exaurir-nos, e um dia destes vamos começar a baixar a notação dos USA; mas para isso temos de baixar primeiro a da Alemanha e a da França, e só depois a da Inglaterra, embora ela esteja pior, mas temos de proteger os nossos amigos).
Depois, nos anos 70 e 80, enviámo-vos uns gurus de gestão, primeiro Porter e depois Drucker, que concluiram que, independentemente das novas tecnologias, deveriam concentrar-se nos "clusters" ou grupos tradicionais (vinho, azeite, turismo, cortiça, moldes de plásticos, fibras texteis, calçado, construção naval)

É o que vos sugerimos agora:
- turismo, mas não se preocupem que seja de luxo; turismo de massas é bom para haver muitas entradas de capital, e especialmente no interior, por exemplo aproveitando o aeroporto de Beja e os castelos abandonados do Alentejo
- emigração, claro que, agora, deve ser de mão de obra qualificada; preocupem-se em mandar os jovenzinhos o mais cedo possivel, para não estarem a subsidiar os paises ricos com a formação universitária deles
- setores tradicionais devidamente atualizados
- acordos especiais com os BRIC (vocês até falam brasileiro e dão-se bem com os chineses)
- autonomia alimentar
- contenção nas importações (andem mais de transportes coletivos, não comprem tantos SUV asiáticos)
- apoio técnico de cariz público para "desencalhar" os pequenos investimentos privados

Se assim fizerem, juntamente com os vossos amigos gregos, que têm umas ilhas maravilhosas (parece que com os irlandeses não é preciso gastar tanta argumentação) se as coisas derem para o torto, não será por vossa culpa.

E estamos em crer que será melhor para todos.
Não vos poderemos sugar tanto, porque vocês serão mais auto-suficientes, mas cá nos aguentaremos e amigos, amigos, notações à parte.

Os nossos melhores cumprimentos.

PS - Este blogue assiste com alguma surpresa à reação supostamente patriótica contra as agencias de rating. Por razões ideológicas, este blogue é efetivamente contra a existencia de agencias de rating. Na sua profissão, este humilde escriba sempre teve a imodéstia de julgar conhecer a competencia técnica dos atores económicos nas suas próprias áreas de intervenção. E, quando tinha duvidas, perguntava a colegas mais próximos das especialidades envolvidas. Prestou por várias vezes informação a outros colegas que precisavam delas. Pode agora dizer até que não cobrou por isso. É da abertura e do contacto entre profissionais, estendidos aos profissionais homólogos de outros paises através dos mecanismoos próprios de cada atividade, que resulta a perceção e a avaliação dos fornecedores. Isto é, nunca precisou de agencias de rating nas suas áreas de atividade (embora as houvesse) , e sempre lamentou que as estruturas hierárquicas nunca tivessem aceite esse conhecimento para denunciar o preço anormalmente baixo que por vezes era proposto por fornecedores (no fundo, a principal razão para a existencia das chamadas derrapagens nos preços das empreitadas).
Analisando a história, este humilde escriba também é contra o ultimato inglês do mapa cor de rosa, não por impedir a soberania portuguesa sobre os territórios entre Angola e Moçambique, mas porque a ocupação desses territórios, por portugueses ou ingleses, era um ato de puro colonialismo e de absorção de energias do povo português (como aliás foi reconhecido por alguns politicos minoritários da altura). Este blogue não quer ver ninguem a marchar contra canhões.
Do mesmo modo, os clamores que se levantam contra as agencias de rating não são porque na sua essencia elas representam uma  contribuição para a acumulação de capital nas mãos de cada vez  menos em detrimento e em agravamento das desigualdades relativamente a cada vez mais; são porque existe um orgulho ferido, mas isso tambem existe quando a seleção de futebol perde.
A agravar este panorama, vem o senhor presidente da República "recomendar um pouco mais de estudo aos que sofrem de ignorancia financeira", referindo-se, se a noticia do DN está bem elaborada, à agencia Moody's.
Digo grave, porque é plausivel a ignorancia da agencia da sebenta de finanças publicas do senhor presidente enquanto professor de economia, a qual explicará quando há ou deixa de haver justificação para uma agencia bem comportada subir ou baixar uma notação.
Porem, o grave está em que não é a realidade que tem de se comportar conforme as sebentas^; são as sebentas que têm de refletir e simular a realidade.
No filme Inside Job, conta-se o episódio de Alan Greenspan, o presidente da reserva federal, responsável pela rejeição sistemática "por motivos ideológicos" (lá como cá) de mecanismos de regulação, ter dito, quando confrontado com o facto dos bancos e seguradoras já não poderem receber os empréstimos àqueles juros (a tal taxa de alavancagem ou razão excessiva entre o crédito concedido e os ativos), que só um licenciado em matemática poderia demonstrar essa impossibilidade;  e não fez nada a seguir, dando no que deu.
Analogamente, de acordo com o procedimento científico, a comunidade agradecia que fossem apresentados cálculos para justificar os comentários do senhor presidente, mesmo que seja necessário convocar especialistas de matemática para calcular a possibilidade ou a impossibilidade do setor público pagar os seus empréstimos com estes juros e estes prazos, e o setor privado tambem (pede-se insistentemente que expliquem aos portugueses para onde vai o dinheiro que vai chegando dos empréstimos, que é o que qualquer cidadão faz em sua casa, querer saber quanto gasta em alimentação, em escolas, em água, luz, telemóveis,etc, para decidir onde cortar; se não souber a distribuição de gastos, os cortes serão cegos, que é o pior que podem ser).
É assim que se faz na ciencia (e só assim se poderá decidir se é ou não de renegociar a dívida), mas infelizmente os indicios são cada vez mais fortes de que na economia se evolui em sentido inverso ao da ciencia.
O que é pena, muita pena, e mais preocupante do que um orgulho ferido.
  



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