sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Viagem à Grécia

Não é o testemunho de uma viagem à Grécia de hoje.
Já passaram 5 anos desde que a visitámos.




Não vi carros de luxo nas ruas de Atenas, nem vi edifícios novos sumptuosos.
Não vi linhas de metro com estações sibaríticas nem o porto do Pireu com infra-estruturas supérfluas.
O novo aeroporto que vi tinha movimento compatível com a sua grandeza.
Lamentei não existir uma linha ferroviária de ligação ao centro de Atenas.
O transporte entre as ilhas, quer por via aérea, quer marítima, pareceu-me eficiente e ajustado.
Era abril e os hoteis estavam cheios.
No meio da ilha de Mykonos, em ambiente rural, a capela antiga estava aberta e habitada, coisa rara em Portugal, pelo que pude admirá-la ("no photos" disse o pope, interrompendo a leitura da bíblia, enquanto a mulher assentia com a cabeça e rodava o terço circular).
No café da Ana, foi a Ana, vestida como se estivesse em Londres, que nos atendeu e falava inglês muito melhor do que eu. Estranhei que a sanduiche de peru fumado, embalada em vácuo, fosse Turkey made, não por causa do trocadilho, mas porque deveria haver perus e fábricas de processamento na Grécia.
No dia seguinte, depois da visita à ilha de Delos (pronuncia-se Dilos), a sede da confederação grega cinco séculos antes de Cristo, dissolvida porque o govero de Atenas não quis repartir a sua riqueza com os outros estados federados, jantámos numa esplanada à beira do Egeu.
A moça que nos atendeu encetou uma conversa com a minha mulher sobre as calças que uma e outra vestiam.
Lembrei-me dessa conversa quando no Algarve, noutra conversa, um pai contente me contou que tinha conseguido empregar o filho no bar de um campo de golfe, porque no secundário não conseguia fazer a matemática, o português e o inglês.

Sabe-se agora que o governo mascarava as contas, mas ao turista despreocupado nada parecia antecipar esta crise.
Vieram entretanto os jornais explicar que os gregos eram uns oportunistas que trabalhavam pouco e sem produtividade, com pensões elevadas e uma idade de reforma baixa.
E então lembrei-me dum filme triste, talvez dos mais tristes que vi, com Marcelo Mastroiani, a fazer de caixeiro viajante que todos os anos fazia uma viagem por todo o mundo rural grego para recolher o mel dos apicultores (ver: http://cineclubeybitukatu.blogspot.com/2010/03/0603-o-apicultor-theo-angelopoulos-1986.html).
Das primeiras imagens bucólicas se passou progressivamente para as imagens de degradação e desertificação do mundo rural com modos de transporte ineficientes, até à morte do caixeiro viajante de exaustão e improdutividade.
Talvez esteja aqui a chave: a degradação da agricultura, a desindustrialização que levou a importar as sanduiches turcas, a cegueira da viragem para o setor terciário com a ilusão de que basta ter turismo de qualidade.
Não, não basta, é um fator recorrente, em todos os paises em crise a percentagem de população dedicada ao setor terciário é exagerada (o senhor economista Vitor Bento costuma dizer isto de forma mais correta, a saber que o país deve desenvolver o setor de produção de bens transacionáveis, isto é, que podem vender-se ao estrangeiro ou substituir bens essenciais importados).
Donde, custa-me muito a aceitar que seja solução ir cortando, como o dono do cavalo cortava na ração, e que o esforço de reindustrialização de economias pequenas seja suficiente para compensar a crise internacional (se a California não consegue...).
Caimos assim nas alternativas de Luciano Amaral, nenhuma delas agradável
(ver:  http://fcsseratostenes.blogspot.com/2011/05/madame-butterfly-e-situacao-financeira.html).
Vamos então ter menos rendimentos,  aumentar a tal de produtividade, perder soberania.
Mas ao menos vamos perceber que na origem desta insustentabildade está a ganancia e a especulação dos grandes grupos económicos? Não quer dizer que se consiga acabar com isto, mas ao menos perceber.
Por exemplo, que não pode uma loja com 250 m2, no Chiado, ser alugada por 20.000 euros por mês (terei ouvido bem?), nem uma moradia na quinta do Lago ser vendida por 24 milhões de euros (terei ouvido bem?).
É que não é saudável, nem sustentável, embora possa parecer que estes negócios trazem mais valias. Trazem, mas são efémeras.
Estas coisas evitavam-se com a tal de regulação, mas parece que também não funciona por razões intrínsecas do sistema económico-politico em vigor.
É capaz de ter razão , o senhor ministro da Economia, é preciso mudar de modelo.
Mas a dúvida é grande, que o novo modelo do senhor ministro também funcione.

Donde, resta a nostalgia da viagem às ilhas gregas.

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