domingo, 23 de outubro de 2011

O limão argentino

Olho-o com atenção, tentando compreender como chegou até mim.
Seguro-o com cuidado e lentamente, com a faca em movimentos descendentes de vai e vem e a toda a sua largura, atravesso-o, separando completamente as metades.
Espremo completamente uma das metades num copo de água tónica, de patente inglesa mas de fabrico, ou engarrafamento, nacional, que o seu código de barras é o 560.
A outra metade derramo-a numa omelete de camarão cuja embalagem dizia "from China".
Os bróculos e os ovos são nacionais.
O limão é argentino, retirado de uma banca de fruta que tinha ao lado laranjas e toranjas da África do Sul.
Terá vindo, o limão, de avião cargueiro?
Direto de La Plata ou via Madrid?
É provável, seria arriscado vir por via marítima, embarcado ainda verde em contentor isolado mas sujeito a fungos.
Mas não sei.
O meu limão


Fico com inveja, tenho um limoeiro no meu quintal que produz um limão ano sim, ano não, mas também está à sombra e sofre ataques de cochonilha.
Já a minha vizinha tem o limoeiro cheio, durante quase todo o ano, por estar mais perto do sol.
E por esse país fora, muitos limoeiros alimentam em regime de auto-subsistencia, arrisco um número, as mesas  de 5% de portugueses (a população que se dedica à agricultura?). 
O que não fica registado no PIB.

Há anos que penso e exprimo o que penso sobre isto, mas sou um teórico sem capacidade de convencer quem quer que tenha poder para concretizar medidas corretivas, que não é sustentável um país importar 80% dos alimentos que consome.
Ainda que fossem compensadas as importações de alimentos com exportações de bens industriais, serviços de turismo ou emigração, porque qualquer das atividades pode sofrer colapsos, mesmo transitórios.
O que nem isso é o caso.
Que pena teria o meu professor de economia se visse isto.
Diria que a solução é simples e já deu resultado.
O Estado estimula a produção de limões através da garantia de que os compra e os armazena (junta nacional das frutas, lembram-se?) até os preços compensarem, enquanto o avião da Argentina não chegar.
Penso que Medina Carreira concordaria, até nem é uma medida protecionista.
No ponto em que estamos não me parece que o mercado possa funcionar sem planificação e sem intervenção (acreditem que pode haver planificação descentralizada).
Ah! as regras da UE não autorizam?
Não, de certeza? Uma empresa pública, cooperativa, parceria ou mutua não pode comprar limões? Onde está isso escrito?
Ah! o Estado não pode financiar essas empresas.
Não pode?
Mas pode financiar as companhias de aviação quando inviabiliza linhas de TGV e sujeita cidadãos e cidadãs a ruidos ilegais nas imdeiações de aeroportos e a riscos inadmissíveis de acidentes com camiões-cisterna para alimentar os depósitos do aeroporto? Ou quando financia parcerias exploradoras de sistemas de transporte em condições de favor, quer sejam auto-estradas, quer sejam linhas de metro ou suburbanas? E pode transferir ministros para a presidencia dessas empresas?
Bom que esta conversa de limões não azede ainda mais do que o ácido dos limões.
Bom que de uma forma ou de outra chegue ao conhecimento dos senhores do governo que da adesão à UE faz parte um acordo tácito: eu até posso prescindir dos limões portugueses, pronto, não se fala mais disso. Mas não prescindo de um aeroporto internacional com rotas que não sobrevoem os hospitais de Lisboa, nem de uma linha férrea que me permita chegar a Barcelona em pouco mais de 5 horas.
Também quero os indicadores de desigualdade e de bem estar a melhorar, mesmo que seja um governo económico de fora a gerir o que for preciso.
Ah! Não é possível, já não há dinheiro para isso?
Só para paliativos como o fundo de estabilidade?
Eurobonds não, emissão de dívida comum não?
Não me importo que técnicos da Escandinávia venham gerir projetos que os nossos governos não querem desenvolver.
Certamente que apreciarão uma boa limonada numa esplanada de Lisboa.
Mas não vêm?
Lamento.

Então a opinião do cidadão mudou, não está interessado em estar nesta UE.
Compreenderão que pagaremos as dívidas quando pudermos, em prazos maiores e a taxas menores, e sempre na razão direta da taxa de cobertura das importações pelas  exportações.
E parte, ou grande parte, das dívidas não pagaremos.
Faremos como a Islandia e vamos como na jangada de pedra para mais perto dos BRICS.
Como?
Querem renegociar?

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