sexta-feira, 2 de março de 2012

Peculato e "reprogramação estratégica"


Do dicionário: peculato - crime de desvio, por abuso de confiança, de dinheiro público para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que o administra.



Esgota-se-me a paciência para eufemismos.
Quando oiço o senhor primeiro ministro dizer que desviar o dinheiro de obras paradas mas de financiamento, anteriormente aprovado, pelos fundos do QREN, para medidas difusas contra o desemprego jovem é “reprogramação estratégica” desses fundos, não posso concordar, porque para mim é peculato.

Peculato é crime e poderá ter atenuantes em função dos objetivos.

Peculato é pegar numa verba orçamentada para uma coisa e gastá-la noutra coisa com prejuízo da primeira.
O QREN, no seu programa 2007-2013, já tem 37%, do total de 21 mil milhões de euros, alocado à qualificação dos recursos humanos
(http://www.qren.pt/item3.php?lang=0&id_channel=34&id_page=202 );

compete a quem foi eleito para o governo gerir o programa e administrar bem as verbas em vez de se queixar do governo anterior ou iludir os eleitores com medidas do tipo “o que era bom era”
QREN é um programa que visa operacionalizar fatores de competitividade e de valorização do território. Para esta função (valorizar o território, isto é, equipar o nosso país com infra-estruturas de que a sua economia depende, como modos de transporte mais eficientes energeticamente, e com menores emissões de CO2, do que viagens aéreas, refiro-me ao abortar do TGV) alocaram-se 55%.

Esta notícia vem sobrepor-se à recente notícia de que a receita fiscal está a ficar inferior ao orçamentado e poderá impor um novo orçamento retificativo para 2012 (situação previsível e motivo de aviso público ao senhor ministro das finanças com base na curva de Laffer, subindo a receita cobrada primeiro e descendo depois, entre o ponto de receita zero quando a relação entre o imposto e a receita é zero, até ao ponto de receita zero quando a relação entre o imposto e a receita é 1).
E à notícia de que o número de desempregados ultrapassou o que estava previsto no orçamento de estado.
Isto é, a dois terços do primeiro trimestre de execução orçamental existem desvios que indiciam claro desfasamento da realidade por parte de quem elaborou o orçamento (pondo de parte a elaboração deliberadamente errada do orçamento, o que configuraria crime) e evidente ignorância da lei de Philips, frequentemente referida neste blogue (existe uma correlação fortemente positiva entre as políticas de contenção de preços praticadas pelo BCE e pelos governos subservientes, e a taxa de desemprego da população ativa; isto é, para conter a procura do consumo que estimula o aumento dos preços, a arma mais eficaz é promover o desemprego).
E à terrível notícia de que o governo se comprometeu com um defice estrutural de 0,5% . Terrível pelo que isso significa de estrangulamento do investimento em infra-estruturas indispensáveis para  o funcionamento regular da economia, e pelo que isso significa de incompreensão e falta de sensibilidade para as questões técnicas e físicas das comunidades.

Perante estes casos de indícios de peculato e de incapacidade de análise das tendências de variáveis económicas e financeiras, recordo da minha vida profissional a deficiência que os jovens economistas evidenciavam quando entravam na empresa: ignoravam completamente como o negócio da empresa funcionava, isto é, produzir passageiros.km, como se justificavam investimentos que concorressem para essa produção, que relações de causa e efeito existiam entre decisões concretas, nas frentes de trabalho e não nas análises de quadros de receitas e despesas (agora diz-se proveitos e gastos).

Verifico que se passa o mesmo com os decisores económicos do BCE e do governo português. As decisões são tomadas sem saber para que serve o túnel do Marão ou o TGV e que relações de causa e efeito existem entre a decisão de os parar, o desemprego e a recessão económica (claro que quanto maior for a recessão económica agora maior será o crescimento dentro de uns anos).

Penso que compete aos técnicos deste país denunciar esta situação. Que parar uma obra ou suspender uma atividade técnica é sinal de que o “now-how” se pode perder e que o rearranque se fará à custa de gastos adicionais.

É uma lei da física, mais vale manter uma pequena atividade (por exemplo, o ministério do fomento espanhol lançou recentemente o concurso para um pequeno troço para um túnel em via única, complementar de outro túnel á existente, para a ligação em TGV (AVE) entre Madrid e a Galiza). Gasta-se mais dinheiro parando tudo e voltando a arrancar mais tarde, do que manter uma ligeira atividade.

Mas os economistas decisores, que nunca trabalharam nas frentes de trabalho, ignoram isto e não acreditam no que os técnicos lhes dizem.

Salvo melhor opinião, propostas de peculato e desvios orçamentais deste calibre são indício de que as instituições não estão a funcionar corretamente, circunstancia prevista na constituição da república portuguesa.

Mas também é verdade que a democracia tem poucas armas para se defender desta circunstancia, num país em que é muito difícil as pessoas organizarem-se em equipas multi-disciplinares em que não interesse a filiação ideológica ou partidária do membros. E assim é muito difícil melhorar.

Contrariando o que dizem ilustres comentadores, inclusive o que o economista P.Krugman veio dizer, direi que existem alternativas, á referidas neste blogue, quando referi o manifesto dos economistas aterrados
(http://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=economistas+aterrorizados
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/10/economicomio-lxi-as-medidas-contra.html)

e o livro de Luís Monteiro “Os ultimos 200 anos da nossa economia e os próximos 30 anos”

(http://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=um+livro+excecional  ).



Mas como digo, quando não se quer ouvir o que o outro diz, é como se ele estivesse calado.


PS - Existe coerencia do governo em querer um defice estrutural de 0,5%, em paralisar os investimentos QREN com fundos europeus, em esvaziar as funções do ministério da economia ao transferir a getão do QREN  para  o ministéro das finanças. Como bom contabilista, o senhor ministro da finanças fará uma gestão cega, para cumprir o défice estrutural. Não sabem o que fazem, por um lado, mas sabem o que fazem por outro, quando criam a ilusão do passaporte jovem para os estágios.

PS em 14 de outubro de 2012 - Tomo conhecimento com repugnancia dos indícios de cronycapitalism nas relações entre o secretário de estado da administração interna do governo de Durão Barroso em 2004 e a empresa Tecnoforma em que então trabalhava o atual primeiro ministro, ao adjudicar a principal fatia dos fundos Foral para empresas de formação. A suspensão do QREN em 2011 e o desvio de fundos anteriormente alocados a obras de infraestruturas para ações de formação permite colocar a hipótese de que o governo ignora a importancia da construção de infraestruturas, mas conhece profundamente o negócio dos cursos de formação. Trata-se de uma situação que mereceria investigação por parte da procuradoria da República mesmo sem denuncia particular. Agiardemos.


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