quinta-feira, 22 de março de 2012

Voltar aos mercados

Às 9 horas em ponto da manhã, nem mais um segundo, nem menos um segundo do dia 23 de Setembro de 2013, quando as portas se abrirem, ele entrará confiante no mercado.

Os jornalistas comparecerão de microfone estendido e abrirão alas para a marcha sorridente e triunfante.
E ao fm do dia, com a sua voz pausada, anunciará o sucesso da operação.
O país voltou aos mercados.
Eu, que acompanhava minha mãe aos mercados quando era menino, e me deixava discretamente afastado enquanto minha mãe negociava com as senhoras das bancas de peixe o preço e a cor das guelras, fiquei com esta ideia deturpada para o resto da vida de que os mercados são negociar a cor das guelras e o preço do peixe, definido não pelo custo de produção, transporte e comercialização, mas pelos mecanismos transcendentes, tão transcendentes como os princípios da Termodinâmica de Carnot, porque será que não posso tirar mais energia de uma entidade do que aquela que lá se pôs, dos mercados.
Mais tarde, acho que compreendi os princípios da Termodinâmica e até as demonstrações da teoria da relatividade restrita e os seus efeitos no cálculo da energia dos eletrões, mas tenho de confessar que ainda hoje não sei interpretar esta frase “voltar aos mercados”.
Leio nos jornais que “voltar aos mercados” significa poder comprar o dinheiro dos empréstimos a longo prazo por um juro razoável, não apenas conseguir obter empréstimos de curto ou médio prazo.
Mas subsiste a dúvida, o que é um juro razoável?
Serão os 7% do limite do senhor ministro das finanças do anterior governo?
O que significaria que, se em 23 de Setembro de 2012 se obtiver um empréstimo a longo prazo a um juro de 6% se voltou aos mercados, mas se o juro foi de 8% não se voltou aos mercados.
Será isso?
E a partir de que valor se considera que já é longo prazo? 5 anos? 10 anos?
Convinha eu perceber, que já tomei nota da fala do senhor governante da voz pausada, que anunciou a data do regresso aos mercados, para poder avaliar se a previsão do senhor ministro estava dentro de uma margem de erro ou intervalo de confiança aceitável.
Embora tudo fique na mesma.
O senhor ministro dirá que conseguiu a consolidação orçamental e que conseguiu “voltar aos mercados”, e se não conseguiu dirá que conseguiu então um outro empréstimo para prolongar a agonia dos juros do empréstimo de 78 mil milhões de euros acordado com o memorando de 2011 e que não há problema em não ter voltado aos mercados porque a Alemanha, a Holanda e a Finlândia concordaram em novo empréstimo.
Mas, mas, isso é uma vitória de Pirro, vamos continuar a pagar cada vez mais juros, quando o que interessava era os produtos alimentares que consumimos sejam produzidos no país, e que exportemos mais em valor do que o que importamos, quer em bens alimentares, quer par aos outros bens.
Ora, o que se verifica é que o valor das importações continua a ser mais do que o das exportações.
Parafraseando Ronaldo, assim não ganhamos o jogo.
E o senhor ministro da voz pausada diz que está tudo bem, que a consolidação orçamental é a prioridade, que tudo o mais se lhe deve subordinar, e que “não haverá um tostão” até ao fim de 2013.
E contudo, contudo não importa que um pobre escriba como eu não compreenda o que é “voltar aos mercados”, apesar de compreender os princípios da Termodinâmica.
O que importa e é grave é que os indicadores de Janeiro e Fevereiro de 2012 não são nada famosos e são justificados pelos senhores governantes de forma acrítica, repudiando qualquer responsabilidade e atribuindo o seu carater negativo a fatores externos "que não controlamos" (que garantias há de nos próximos meses não haver fatores externos?e só agora descobriram que há fatores externos não controláveis  que o governo anterior deveria ter controlado?).
Salvo melhor opinião, os senhores governantes deveriam arrepiar caminho e lançar pontes à oposição e à opinião pública dos cidadãos e cidadãs, em vez de os contrariar com ar olímpico e sobranceiro; como o senhor ministro Relvas afirmou, que no fim de 2012 se há-de ver que a ação deles é que está correta.
Até pode ser que esteja, que este mundo é extremamente complexo e paradoxal, mas não se fala assim às pessoas.
Nos dois primeiros meses de 2012 verificou-se, relativamente a igual período de 2011:

- descida de 1,1% da receita do IVA (previsível consequencia da recessão, e ainda não inclui o efeito da subida do imposto, pelo que a lei de Laffer ainda não contribuiu para maior redução da receita fiscal; tambem ainda não está incluido o efeito, este para crescer, do aumento das retenções na fonte; mas aqui há um problema grave, é que o senhor ministro tinha previsto um crescimento do IVA de 12,6% , mas era uma previsão só dele, possivelmente orgulhosamente só)
- descida de 42,6% da receita do IRC (se não tivesse havido antecipação dos dividendos a descida teria sido de 3,7%)
- subida de 0,3% do IRS (a classe média que pague a crise)
- subida de 191% do défice publico (ver a seguir)
- subida de 3,5% da despesa pública (aumento de juros e pagamentos à RTP)
- subida de 10% dos depósitos das famílias (total: 131 mil milhões de euros – a classe média que pague a crise)

Se a isto juntarmos a triste constatação de que o orçamento foi feito com base no preço do petróleo a um valor inferior ao que já é praticado, só posso concluir que, até ver, a teoria da consolidação orçamental é apenas uma figura de retórica, em voz pausada.
Igualmente fica já demonstrado que a solução não era cortes na despesa, porque depois dos cortes que houve na saúde e na educação continuam a verificar-se valores elevados na despesa (realmente, com os juros qu têm de se pagar, como é que se pode baixar a despesa).
Caso os indicadores continuem assim, parece que ficará demonstrada a necessidade de mudar de políticas, quanto mais não seja tomar medidas de austeridade de emergencia (deslocar a linha dos sacrificis mais para o lado do fator capital).
Salvo melhor opinião.
Mas vamos ter de aguardar mais dois meses.
No entanto, é de assinalar que muitos agentes económicos, fator trabalho e fator capital, continuam a trabalhar e bem, infelizmente em áreas cada vez mais restritas à medida que o desemprego aumenta.



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