quinta-feira, 26 de abril de 2012

Acidente em Amsterdam-Sloterdijk em 21 de Abril de 2012





Declaração prévia: a análise que se segue baseia-se em hipóteses e o seu grau de probabilidade de traduzir as reais causas do acidente não é elevado.
No entanto, o autor destas linhas partilha a ideia de que a divulgação de dados que possam esclarecer os acidentes deve ser feita o mais depressa possível, precisamente para credibilizar as hipóteses mais prováveis.
Efetivamente, só após prolongado inquérito, nomeadamente com leitura dos dados das caixas negras, será possível validar as hipóteses.
Mas o dever de informação sobre assunto de natureza pública impõe, contrariamente aos critérios de secretismo e de adiamento das informações até uma altura em que o seu impacto mediático seja menor, que as informações relevantes para o esclarecimento do acidente vão sendo tornadas públicas.
O interesse público decorre naturalmente das questões de segurança de transporte que os acidentes revelam.
Na ausência de informações mais seguras, parece assim legitimo colocar hipóteses cuja discussão será de interesse público.

1 – Natureza do acidente de 21 de Abril de 2012 – Colisão frontal entre um comboio suburbano saído da estação central de Amsterdam, com um intercidades que se aproximava da estação central de Amsterdam com destino a Nijmegen, uma cidade do sudeste da Holanda

2 – Local do acidente – zona de bifurcação de várias linhas em trincheira e viaduto. No troço de cerca de 1600 metros entre o local do acidente e a estação central existem 3 vias duplas em paralelo que se separam na zona do acidente
A  -   Local aproximado do acidente
B  -  estação central de Amsterdam


A  -  zona aproximada do acidente
B  -  ponto de colisão                      
C  -  comboio intercidades  para Amsterdam e Nijmegen
D  -  comboio suurbano proveniente de Amsterdam
a traço interrompido o percurso correto do suburbano         

3 – Embora a zona do acidente seja de agulhas, nenhum dos comboios descarrilou nem aquele facto estará diretamente relacionado com o acidente

4 – A zona é de tráfego intenso e partilhada por comboios de vários tipos (rápidos, suburbanos, mercadorias)

5 – A entidade gestora e o principal operador da rede ferroviária continuam a ser públicos, mas a infraestrutura ferroviária é também partilhada por operadores privados

6 - Dada a proximidade da estação central, a complexidade da rede, e os comboios não terem descarrilado, a colisão deve ter ocorrido a baixa velocidade

7 – Para os dois comboios se encontrarem na mesma via, é provável que existissem circunstancias extraordinárias como indisponibilidade ou avaria da via normal de saída da estação central, ou trabalhos de manutenção na via normal, ou utilização da via normal para manobras de comboios de serviço ou de mercadorias. Nestas circunstancias, os comboios circulam em velocidade reduzida e, eventualmente, em caso de avaria na sinalização, em marcha à vista (o que é sempre uma situação de risco).

8 – Da análise das fotografias e da deformação dos comboios, ponho a hipótese da velocidade de colisão ter sido da ordem de 20 km/h. Admitindo uma deformação de 1 metro e a velocidade resultante de 40 km/h, ter-se-á uma desaceleração (a = v2/2e) de cerca de 60 m/s2, isto é cerca de 6G. Isto justifica o numero de feridos e a morte de uma senhora no dia seguinte. Se um passageiro é projetado contra a parede da carruagem a um metro isso equivalerá à queda de um andar a 6 metros de altura. A conclusão é a de que, mesmo a velocidades muito baixas, uma colisão sem absorção do choque é muito grave (esta é a razão para os para-choques deslizantes nos fins de linha).

9 – De acordo com uma informação jornalística, uma testemunha terá ouvido, através da porta da cabina do comboio suburbano, o seu maquinista referir que teria ultrapassado um sinal proibitivo. Embora a credibilidade do testemunho não seja elevada, parece que o comboio suburbano se encontrava na via de sentido contrário. É uma hipótese que os controladores do posto de comando e operações tenham dado ordem ao maquinista de avançar em contra-via enquanto o intercidades não chegava, passando pela agulha de mudança de via localizada na estação central, com o sinal em proibitivo, com o objetivo de retornar à via correta na zona de agulhas aonde o intercidades chegou primeiro.

10 – O descrito no ponto anterior configura uma situação condenável que nunca se deve praticar com passageiros a bordo, e que o diretor da operadora ferroviária classificou como “de pesadelo”, mas é uma hipótese que poderá justificar a presença do suburbano em contravia. Outra hipótese seria a avaria dos circuitos de via de modo a não detetar a aproximação do intercidades e a viabilizar o itinerário de mudança de via para o suburbano. No entanto, a probabilidade de ocorrerem avarias de não deteção de ocupação em vários circuitos de via é extremamente baixa.

11 - Conviria que o inquérito que está a decorrer permita conhecer os planos de formação dos maquinistas (tanto do operador público como dos operadores privados) e dos controladores, sendo certo que a partilha da rede impõe uma coordenação sem falhas e uma formação sem cortes de economia (circunstancias que contra-indicam as privatizações ou concessões de operação de linhas ferroviárias).

12 – Da forma como o acidente ocorreu, parece que nenhum dos comboios dispunha de ATP – sistema automático de proteção do movimento dos comboios, que provoca uma travagem automática sempre que a velocidade do comboio ultrapasse o valor máximo da velocidade compatível com o estado de ocupação da via à frente. Para uma rede tão carregada como a da região de Amsterdam, a inexistência de ATP configura uma falha grave da parte do operador, que assim atira para os maquinistas a responsabilidade pela segurança e por eventuais falhas (fadiga, distração, doença) que possam comprometer a segurança dos passageiros e do movimento dos comboios.

13 – Confirmando-se o ponto anterior, caso o inquérito conclua por “falha humana” do maquinista ou dos controladores, estará a ocultar a principal “falha humana”, que terá sido dos órgãos decisórios do operador ou do respetivo ministério que não autorizaram a instalação do sistema ATP, equipamento essencial numa rede com tanto movimento (embora a partilha da rede por vários operadores venha dificultar a gerenralização do sistema).

14 - CONCLUSÃO – Evidentemente que vamos ter de esperar pelas conclusões do inquérito, embora se desconfie desde já que o comboio suburbano ultrapassou um sinal vermelho, com ou sem autorização do posto de comando central, e que, quanto mais tarde chegar a conclusão, menos importância lhe dará a opinião pública. O que poderia ser importante, a opinião pública, havendo conveniencia em melhorar alguma coisa, como parece ser o caso (reformulação dos procedimentos de controladores e maquinistas para a circulação de comboios em circunstancias anormais? plano de intalação de sistemas ATP? maior exigencia de formação e de normalização de exploração?)

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