domingo, 27 de maio de 2012

A impossibilidade operacional no Rock in Rio



a roda gigante no Rock in Rio

Retiro da página do facebook do metropolitano de Lisboa a informação que, nos cinco dias do Rock in Rio, o metro fechará a estação da Bela Vista à 01:20.

A hora oficial de fecho dos espetáculos é às 04:00.
Oiço na TV chamar a isto uma greve às horas extraordinárias.
Ainda no facebook leio que o metropolitano não assegura o serviço até cerca das 04:00, como nos outros anos, por “motivos de impossibilidade operacional”.

Uma impossibilidade operacional poderá ser uma falta de meios materiais que inviabilize a operação, ou uma falta de condições de segurança. Pode ser uma falta de meios humanos. Pode ser uma falha de coordenação, pode ser um condicionalismo externo que impeça a circulação dos comboios (um caso de “force majeur”, por exemplo, qualquer coisa como acidentes naturais ou como se ter perdido a chave da garagem e não se conseguir tirar de lá a carrinha). Pode, ainda por mais um exemplo, a falta de meios materiais ou humanos  estar relacionada com a política feroz de cortes mais ou menos cegos nas despesas de operação, de manutenção ou de investimento; ou pode ser consequencia do contexto e crescimento do desemprego que convida a roubar cobre dos equipamentos do metro e depois não há condições para circular. Pode ser um desaconselhamento económico para evitar prejuízos, apesar de neste caso os custos serem marginais, aqueles que estão na parte da curva em que os custos crescem menos quando aumenta a quantidade produzida e até teoricamente podem ser custos de dumping. Pode ser um caso político, de proibição por reunião de conselho de ministros, ou pode ser uma impossibilidade técnica porque os recursos se tornaram obsoletos e a sua exploração altamente deficitária (como acontece com o carro, velhinho, a consumir mais precioso combustível do que quando era novo). Aquilo que uma impossibilidade operacional pode ser ...

Mas será seguramente uma metáfora perfeita da dificuldade de organização e de trabalho em equipa de que sofre o nosso país e a sua população, da deficiente metodologia que se segue para tomar decisões, normalmente fulanizadas e polarizadas em processo progressivo, sem análise de cálculos que fundamentem as decisões. E longe, demasiadas vezes longe do conceito e da prioridade ao serviço público.

Não gosto da musica dos Metallica, nem dos Evanescence, nem dos Sepultura, nem dos Linkin, nem sequer de Springsteen.
Não dependo de rituais com sincronia dos movimentos dos braços ao som distorcido com predominância da secção rítmica sobre as melodias e os acordes harmónicos.
Mas daria algo que me fizesse falta para que quem gosta possa usufruir do espetáculo, ou do ritual de socialização, de normalização ou de afirmação, ou o que for.
Apesar de cada entrada diária custar 61 euro e o bilhete pacoviamente VIP por um dia subir a 240 euro num país de coeficiente de Gini elevado.
Apesar de não faltar dinheiro para equipar o parque da Bela Vista para o Rock in Rio, mas não haver dinheiro para o dotar de infra-estruturas de apoio aos munícipes durante todo o ano.
Passada a euforia, nem sequer há uma esplanada ou café a funcionar.

Por isso me custa ver a impossibilidade operacional de organizar o serviço do metropolitano.
Por isso me custa ver desprezada a noção de serviço público, aplicável sempre que é necessário transportar pessoas.
Imagino a satisfação dos senhores do ministério da economia e transportes, a concitar o apoio, de quem não teve metropolitano, para combater “as regalias dos trabalhadores do metro”, como eles dizem.
Talvez haja algo de cínico no sorriso com que terão imaginado que com a nova administração de quatro elementos que o decreto lei anunciou para a fusão do Metro e Carris as coisas correriam de forma diferente.
Como dizia Trindade Coelho, ou melhor, como ele repetia dos latinos, abyssus abyssum, abismo atrai abismo.
Num contexto de desprezo visceral pelo artigo 23 da declaração universal dos direitos humanos, a vaga de desemprego e de despedimentos acaba por refluir e afetar quem mantem o seu emprego.

Penso que as organizações de trabalhadores poderiam estar mais abertas a aceitar sacrifícios, com a condição de poderem participar no controle efetivo da repartição equitativa dos sacrifícios por todos os setores da sociedade, poderem participar no controle efetivo do destino e aplicação dos dinheiros dos empréstimos (isto é, saber a composição das dívidas pública e privada para se poderem corrigir as distorções da repartição de sacrifícios) e poderem participar em debates alargados para tomada de decisões sobre assuntos de transportes.
Talvez por serem poucos a pensar como eu é que provavelmente a “impossibilidade operacional” é uma metáfora perfeita do nosso país.
Do que se poderia fazer com as pessoas que temos se a organização fosse outra.

Dizia a TV que não houve problema, porque a Carris disponibilizou autocarros.

Mais uma vez temos um problema de gestão de energia e de transportes.
Se nos 5 dias tivermos 250.000 entradas, poderemos estimar 50.000 deslocações de saída a pé, 100.000 de automóvel, 50.000 de comboio e metro e 50.000 de autocarro. Fechando mais cedo, estimo que 30.000 deslocações terão sido transferidas do metro para autocarros. Se cada percurso for de 5 km, temos 150.000 passageiros.km em modo rodoviário quando poderiam ter sido em modo ferroviário.
Gastou-se cerca de 9.000 kWh em energia equivalente a mais, só em transportes, por se terem transportado os passageiros em autocarros (cálculo para consumos marginais específicos de 60 Wh/pass.km no metro e de 120 Wh/pass.km ou 0,11 litros/pass.km em autocarro).
E isto sem falar nas emissões de CO2 a mais devidas aos autocarros.

Mas é claro, em vez de se resolver a questão em conjunto e em profundidade, o argumento da energia acabará por ser jogado como fator de atribuição de culpas.

Expressão bem achada, esta da “impossibilidade operacional”.




fogo de artifício no Rock in Rio; somos um país produtor de fogo de artifício, muitas vezes em deficientes condições de segurança, mas somos produtores



Adaptando Fernando Pessoa (Álvaro de Campos):

"Come chocolates, pequena;

Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria"
Come chocolates, pequena,
e vai ao cinema, vê telenovelas e vai ao Rock in Rio.


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