sábado, 23 de junho de 2012

Cenas domésticas numa manhã de junho de 2012 num bairro de Lisboa

Bem comportadamente, faço o que me pedia a mensagem recebida da Autoridade Tributária (nome bem escolhido, na verdade, um pouco autoritário, mas bem escolhido, até porque a explicitação da autoridade na designação de uma atividade deste tipo, do tipo fiscal, que é um nome menos elegante, deixa vir à superfície o que o subconsciente freudiano revela, que a autoridade assim é forte com os fracos e fraca com os fortes, mas não vale a pena chorar sobre o leite derramado), através do serviço de avisos eletrónicos da viaCTT.
Que me dirigisse com toda a documentação e a notificação dessa mensagem à repartição de finanças do meu bairro.
O tempo de espera excedeu ligeiramente os 18 minutos de média anunciados pelo monitor de televisão e visor das senhas de espera; que orgulhosamente anunciava que neste ano já tinham sido feitos 1 milhão e duzentos mil atendimentos (excelente produtividade).
O meu atendimento foi um sucesso, tendo a senhora funcionária pública verificado com eficiência os documentos dos tratamentos médicos e dos pagamentos de seguros efetuados em 2011.
No posto de atendimento ao lado, uma senhora de ar paciente, aparentemente reformada há mais anos do que eu, fazia o mesmo, mas com mais elegância e método de organização da documentação e respondendo com clareza e um sorriso doce às rebuscadas perguntas do agente inquiridor.
Recordei que na base do relacionamento entre a Autoridade Tributária e o cidadão existe sempre uma desconfiança, tal como a exigência dum registo criminal por tudo e por nada, mas o exemplo da senhora do lado moderou-me.
E tive ainda tempo para tratar de assunto de outra natureza, noutro balcão da mesma repartição de finanças.
Total de tempo gasto: 45 minutos.

Ora, tinha-se dado o caso de ter deixado a minha mulher na loja do bairro de um dos operadores de telecomunicações móveis.
Que era necessário mudar de cartão porque a rede de telemóveis agora era 4G e ia deixar de ser 3G.
Saí da repartição de finanças e fui ter com ela à loja de telecomunicações.
Não era o caso de haver poucas assistentes a atender e muitos clientes.
A pobre assistente que a atendia esforçava-se por transferir a lista de contactos do telemóvel antigo para o novo (ah, já agora, como tem pontos acumulados, porque não leva um novo?), sobraçando um molho de cabos de ligação.
Até que confessou que não havia cabo com ficha compatível com aquele novo modelo de telemóvel.
Não disse, mas pensei, como pode existir uma empresa de tanto sucesso no fabrico de telemóveis, do seu software, nas potencialidades que a rede 4G suporta, que é incapaz de compreender uma coisa que toda a industria que a antecedeu compreendia e praticava: a normalização, para que as coisas fossem compatíveis.
Claro que a transferência da lista de contactos se pode fazer por bluetooth, por ligação USB a um computador, etc, etc., mas não esteve ao alcance da simpática atendedora.
Valeu o jornal de que me tinha munido para a espera na repartição de finanças.
Tempo de espera gasto na loja do operador de telecomunicações: 85 minutos.

Observações finais, que para isso escrevi o “post”:
1 – a produtividade comparada entre um serviço público e um serviço privado de grande difusão parece ser claramente superior no caso público;

2 – o peso dos serviços de telecomunicações particulares na estrutura de consumos do PIB parece ser claramente exagerado, obrigando a gastar recursos humanos e de meios de investimento que fazem muita falta no setor transacionável para diminuir a dependência do exterior através das importações

3 – em consequência, parecerá desejável reduzir a oferta dos serviços de telecomunicações e a variedade de modelos dos equipamentos, embora se reconheça a sua contribuição para um certo volume de emprego temporário, e que nesse caso teria de haver um desvio dos recursos para atividades mais produtivas.

PS - Amável comentador chamou-me a atenção para que a senhora assistente da operadora de telecomunicações não terá ficado bem na descrição que fiz.
Não era a ideia; a baixa produtividade do seu serviço não é da sua responsabilidade, antes da administração e direção da operadora, paradoxalmente muito bem cotada na opinião pública e na imprensa.
As coisas não funcionam bem ou mal por serem privadas ou públicas, mas também por serem bem ou mal geridas, e, neste caso concreto, a produtividade dum serviço público e dum serviço privado está bem à vista, sem com isto querer naconalizar a operadora de telecomunicações, claro.

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