quarta-feira, 6 de junho de 2012

Semiótica na fala de governante, em contraponto com memórias no metropolitano

Discurso em Santarém em 5 de Junho de 2012, juntando as comemorações de um ano de governo (que lema bem escolhido pelo marketing: consolidação, crescimento e coesão – será exatamente o que os apoiantes gostam de ouvir), ao lançamento do programa de combate ao desemprego juvenil “Impulso jovem”:
http://sicnoticias.sapo.pt/economia/article1599101.ece

O rosto do senhor ministro dos assuntos parlamentares Miguel Relvas, o olhar, a forma de articular as frases, os gestos da sua mão direita, revelam, numa análise semiótica, um estado de tensão.
Revelam a consciência da dissonância entre o mundo de certezas pessoais e a realidade não aprovadora.
Já não se vê a enfática explicação aos ignorantes que o memorando da troica, quando manda reduzir o número de autarquias, se contenta que só se reduza o número de freguesias.
Já não se nota o orgulho de quem decide sem submissão a um coletivo.
Há menos impaciência perante os rebeldes que se recusam a aceitar as suas revelações, entendendo como revelações os conceitos recebidos de uma divindade.
Mas manter-se-á o orgulho da proximidade dessa divindade, entendendo como divindade a fonte de poder político, à maneira de Bossuet; maneira só, não formalismo da sua fundamentação e entronização.
Depois de dizer que o grande bem de países pequenos como o nosso é exportar massa cinzenta (visto de outro angulo: um país pequeno gasta fortunas a preparar um jovem qualificado e este vai pôr o seu rendimento ao serviço de outro país que não gastou um centimo na sua formação), eis uma afirmação a destacar:
“O Estado (porque a economia ainda não está em condições de criar oportunidades) vai criar condições para que esses jovens possam nas empresas gerar a possibilidade de criar condições para que a economia cresça, tambem a nivel local e possam daqui a 16 meses quando esses estágios terminarem, serem aproveitados”
A frase sublinhada é típica das apresentações de powerpoint.
"Criar condições" é uma bandeira de objetivos para qualquer decisor.
Criar é um conceito virtual, desde que os físicos entenderam o princípio da conservação da energia.
Não criamos, transformamos, mas cuidado que pode ser um conceito marxista.
E quanto às condições, só estudando caso a acaso, dentro de cada disciplina em que uma pessoa se possa considerar minimamente especialista (especialistas são aqueles que sabem pouco de um assunto; decisores são os que não sabem nada).
Isto para dizer o que penso da frase “criar condições”.
Mas não admira este discurso, quando o “Impulso jovem” tem declaradamente os seguintes pilares (não confundir o Impulso jovem com as Novas oportunidades, especialmente depois do senhor ministro ter dito que se conseguiu atingir a excelência na qualificação dos nossos jovens para exportação depois de anos da política do governo anterior):

- estágios profissionais,
- apoio à contratação, à formação profissional e ao empreendedorismo, e
- apoios ao investimento.

Perante tão tocante manifestação de inovação no combate ao desemprego, sinto a minha memória a recuar ao fim dos anos 70 do século passado (mais ou menos aquando da primeira e discreta intervenção do FMI).
Alguém de espírito vivo no governo de então descobrira que as máquinas ferramentas que equipavam as empresas públicas estavam subaproveitadas e que as políticas dos ministérios da educação a seguir ao 25 de Abril não tinham feito bem em minimizar os cursos técnicos profissionais das escolas públicas.
Então fui visitado por dois dinâmicos funcionários do ministério do trabalho da altura, a quem acompanhei numa visita ao laboratório de eletrónica de equipamentos fixos do metropolitano de Lisboa.
Os dinâmicos funcionários tomaram nota dos instrumentos existentes, alguns dos quais muito interessantes, osciloscópios com capacidade de armazenamento e análise de harmónicas, geradores de sinal, medidores de campos magnéticos, bancadas de teste de dispositivos de travagem automática (por ultrapassagem pelo comboio de sinais vermelhos.
Mas nunca apareceram os estagiários.
Felizmente nessa altura conseguia-se fundamentar admissões de técnicos de eletrónica, ou pelo menos eletricistas com competências de eletrónica, em função das necessidades de manutenção e instalação de equipamentos de segurança ferroviária.
Felizmente também, uns anos mais tarde (mais ou menos vinte) foi possível uma política de estágios no metropolitano, acolhendo temporariamente jovens com cursos técnicos profissionais.
Alguns ficavam depois sem termo certo, como diziam as colegas especialistas de recursos humanos, mas outros não; havia mobilidade de emprego nesses tempos…

E mais recentemente, mais precisamente em Dezembro de 2004, o ministério dos transportes e obras publicas do senhor doutor António Mexia e do senhor engenheiro Carlos Borrego teve a ideia de reunir em Coimbra todas as administrações e todos os quadros superiores de todas as empresas de transportes do país.

Foi interessantíssimo.

Fomos divididos em grupos de análise que apresentaram as suas conclusões a um painel que as sistematizou em plenário.

O senhor ministro e o senhor secretário de Estado obtiveram assim linhas de orientação (guide lines, como eles gostam de dizer) por menos do que com uma consulta a um gabinete de consultores com nomes sonantes (que normalmente só trazem a experiencia de um operador).

E o curioso é que nesse plenário nos foi comunicado que o ministério ia contratar 1000 jovens licenciados, dos melhor classificados, e colocá-los nas empresas de transporte.

E não é que… foi mesmo verdade?

É que nesse tempo até se vivia em austeridade e começavam a fazer falta jovens técnicos para o planeamento, programa base/anteprojeto e acompanhamento das obras e instalações das ampliações do metropolitano de Lisboa (e do Porto, também).

Tive assim o prazer de conhecer e trabalhar com alguns e algumas técnicos e técnicas de engenharia que desenvolveram trabalho utilíssimo e que ficou comprovado no metropolitano.

E como deve acontecer neste mundo, alguns e algumas, depois do estágio, optaram por não ficar no metro e casos houve em que também não ficaram no país, com alguma pena minha, devo confessar.

O problema dos idosos é que por vezes quando lhes falam numa coisa, lembram-se de outras.

Ou dito de outra forma, “inovação”, que palavra tão antiga.

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