sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Selvajaria, disse ele, ou as auditorias...

Selvajaria, disse ele, o antigo presidente de câmara de Cascais que tinha assinado o contrato com a fundação Paula Rego.
Consta que o dinheiro para a fundação vinha das receitas do jogo e pouco tinha que ver com o dinheiro dos contribuintes.
Terá sido uma pequena desatenção dos senhores auditores do tribunal de contas.
Uma pequena falta de desatenção, como diria a senhora minha sogra.
Semelhante à que tinham tido com a avaliação que fizeram à fundação Gulbenkian, que teve de vir explicar que não é uma fundação pública e os dinheiros públicos que lá entram são-no por via de contratos de parcerias independentes do estatuto (os senhores auditores do tribunal de contas terão mesmo tomado conhecimento da atividade cultural da fundação?).
Mas sintomática da arrogancia pretensiosa de justiceirismo serôdio.
Digo serôdio porque é o mesmo espírito com que os cidadãos medievais encaravam o pelourinho como forma de ir castigando uns quantos como se fosse uma purga da sociedade, um elemento moderador.
Não contesto a necessidade de um orgão fiscalizador, mas a realização de uma auditoria exije aos seus autores muito tempo para ponderação, polivalencia de competencias  e sólido conhecimento do que estão a avaliar.
E um conhecimento sólido dificilmente se obtem sem experiencia vivida das mesmas situações a avaliar.
Duvido que os senhores auditores tenham experiencia suficiente de condução de empreitadas, de negociação de contratos e da problemática dos respetivos negócios  para serem tão assertivos.
Falo posso falar por experiencia própria.
Nunca tive a responsabilidade de fornecimentos superiores a 17 milhões de euros. Quanto a empreitadas de construção civil, apenas as acompanhava para fins de compatibilização com a integração dos sistemas e equipamentos.
Mas vi o suficiente para testemunhar a fraqueza de muitas argumentações do tribunal de contas.
Por exemplo, no caso do maior erro da engenharia portuguesa, o desastre do tunel do Terreiro do Paço, em junho de 2000.
Os inefáveis auditores deixaram passar o cerne da questão: por um lado, que o metropolitano tinha adjudicado por concurso público uma intervenção destrutiva (para permitir a construção da estação Terreiro do Paço) num tunel construido por outro empreiteiro e dentro do periodo de garantia, quando o correto teria sido a negociação por ajuste direto (as diretivas europeias prevêem esses casos quando tecnicamente fundamentado, como era aplicável, e não são os juristas e os financeiros do tribunal de contas que tem competencia técnica para avaliar isso); por outro lado, deixaram também passar a negligencia do empreiteiro que estava a realizar a intervenção no túnel (sim a fiscalização falhou, mas isso iliba o adjudicatário?) e que se viu até premiado depois da obra.
Mas voltando à minha experiencia pessoal: cerca do ano 2000 decorreu uma auditoria geral no metropolitano, que aliás deu origem a algumas conclusões válidas a que o sistema não deu seguimento. Coube-me a mim ser interrogado por uma financeira e um jurista sobre o fornecimento do sistema de sinalização ferroviária para a extensão Entrecampos - Cidade Universitária, inaugurada em 1988.
Dada a antiguidade da obra, arrastei-os para o arquivo morto onde respirámos os três poeira até eu encontrar os meus registos pessoais (não havia registo informático, em 1988; digo isto com a dúvida se seria possivel encontrar os registos se tivessem sido informatizados, mas isso é outro assunto).
E tive de responder à pergunta: porque tinha gasto o dinheiro dos contribuintes em dois concursos de sinalização, um para a Cidade Universitária e outro 4 anos mais tarde para o Campo Grande, quando teria sido mais económico fazer um só concurso de uma vez? (dada a extensão dos meios necessários para pôr em marcha uma ampliação de uma linha de metro, ficar-se depois por uma unica inter-estaçao a mais é sempre um investimento de baixa produtividade).
Respondi-lhes que tinha sido explicado aos senhores do ministério dos transportes da altura  que se teria poupado dinheiro assim, mas os senhores do ministério responderam que só havia dinheiro para fazer a extensão até Cidade Universitária (e também a extensão Sete Rios-Colégio Militar; diga-se de passagem que estas extensões foram feitas com financiamento público nas contas do Estado e não do Metro, coisa que não aconteceu depois, como se sabe da história do endividamento das empresas públicas) . Felizmente lá apareceu dinheiro logo a seguir , mas aconteceu também o problema com o cálculo da resistencia dos varões de aço pré-esforçado para o viaduto e estação do Campo Grande que inviabilizou o prolongamento até lá antes de 1993.
As minhas respostas devem ter sido satisfatórias porque não "apareci" no seu relatório.
Ou então as minhas contribuições terão sido consideradas irrelevantes.

Mas é, de facto, uma questão séria a das auditorias.
Já tenho referido o caso de auditorias internas realizadas com furia justiceira por colegas juristas ou financeiros sem conhecimento direto da realidade das obras. Convencem-se de que os colegas técnicos responsáveis da obra ndaram a favorecer os empreiteiros e as administrações receosas de ficarem manchadas apressam-se a mandar fazer inquéritos disciplinares.
Aconteceu com um colega que "desviou" de um troço de galeria para outro, não previsto no caderno de encargos, verbas da recuperação da galeria que tinham sobrado por utilização de um método mais económico de reparação.
Foi o cabo dos trabalhos, os sacerdotes puristas do formalismo juridico queriam a cabeça do colega. Felizmente estava na altura da reforma e ele reformou-se.
O mesmo aconteceu com outros dois colegas acusados de favorecerem o empreiteiro com o perdão de multas por atrasos, quando a complexidade da obra não admitiria que de fora fosse avaliada.
Estavam inocentes porque o que fizeram ou não fizeram resultou do cumprimento de ordens sigilosas do admnistrador do pelouro das obras e decorreu dos condicionalismos do pesado sistema de circulação de informação no metropolitano e das burocracias exteriores como atrasos por expropriações.
E a prova de que os colegas não tinham favorecido veio depois da conclusão da obra: tinha ficado mais barata do que o  previsto no caderno de encargos.
Só que os dois colegas já tinham sido despedidos.
Felizmente que um deles também aproveitou para se reformar, e a outra colega conseguiu provar a sua inocencia em tribunal do Trabalho (ou o metropolitano não conseguiu provar a acusação feia que lhe fez), mas ainda se aguarda a evolução do caso.

Auditorias, uma ideia perigosa, muito parecida com os pelourinhos medievais.

Sem comentários:

Enviar um comentário