terça-feira, 4 de setembro de 2012

Emanuel Nunes


Emanuel Nunes não era um compositor popular.

Fez a ponte entre Fernando Lopes Graça e compositores atuais como Pedro Amaral e Pinho Vargas, que o homenagearam ao seu desaparecimento.

A sua musica não era atrativa e os intelectuais já a consideravam ultrapassada.

Mas tem um lugar na história da musica internacional.

Num ano em que 100.000 licenciados portugueses já saíram do país, recordo a musica de Emanuel Nunes, também emigrado, como a maravilha do som. A arte abstrata que toca a sensibilidade humana e que serve as ideias.



Escrevi o texto seguinte em Janeiro de 2008, depois de assistir no S.Carlos à sua ópera Das Marchen.

Os intelectuais da nossa praça e o senhor secretário de estado da cultura de então não gostaram.

Em musica, até os intelectuais mais conhecidos são, com honrosas exceções como Eduardo Lourenço, muito limitados na sua sensibilidade musical.
E não, não é possível corrigir a trajetória de um país sem cultura musical.
Como diz a inscrição na estação do metropolitano do Parque, foi pela musica que começou a indisciplina, a indisciplina necessária para o  progresso seguir o seu processo.

Mas também, em questões musicais, os senhores secretários de estado da cultura fazem sempre o papel de Estaline no confronto com Prokofiev (Estaline para Prokofiev: a sua musica é politicamente fraca; Prokofiev para Estaline: a sua politica é musicalmente fraca).

O senhor diretor do S.Carlos queixou-se que o compositor falhou prazos de entega (sim, sim, eu também falhei prazos de entrega, para não me acusarem de falhar conteúdos).

A gravação ficou escondida, desperdiçando as vantagens das sua disseminação internacional.

A obra não é atrativa, não seduz pela facilidade, é fácil ser olhada com incompreensão.

Mas é boa, muito boa, e serve a mensagem de Goethe: o diálogo acima de tudo.









A incompreensão é diretamente proporcional ao volume do conjunto das palavras.

A linguagem formou-se a partir dos mecanismos cerebrais.

Se estes têm problemas de comunicação (podem os neurónios espelho não terem todos os neurotransmissores de que precisam, ficam a faltar hipóteses de interpretação para escolher comparativamente), a linguagem reflectirá todos esses problemas de comunicação.

Logo, quanto mais se comunicar, mais distorção se introduz e mais dificil é o interlocutor compreender o que o emissor pretende dizer. Isto é, não só são recebidos sinais incorrectamente codificados, como o receptor dispõe de insuficientes chaves de código e hipóteses de descodificação para interpretar a vontade ou o desejo do emissor.

Daí a utilidade dos sinais por gestos ou atitudes.

A linguagem é um fenómeno que pretende interpretar os outros fenómenos.

Coitada da linguagem nos seus objectivos. Se os fenómenos fossem interpretáveis já tinham sido interpretados antes de haver linguagem.

Reduzamo-nos à nossa humildade.

Linguagem são grunhidos, urros, gemidos, combinações de sons que emanam realmente do cérebro, em sucessivas demonstrações de associações de ideias, mas do cérebro dos nossos antepassados Cromagnon. Por isso a linguagem não é muito racional e estimula mais a incompreensão do que a compreensão.

Valha-nos portanto os sinais (a semiótica, não é?).

Só que vêm depois os desajeitados que não só não interpretam os sinais como não sabem emitir os sinais que interessam.

E tudo isto também a propósito da ópera Das Marchen.

Reparar, no argumento, na citação de Goethe sobre as insufuciências da linguagem, apesar dele escrever bem.

E tem os ingredientes de que as pessoas costumam gostar numa ópera: um rio, uma bela Lilia, um Velho, uma serpente verde que se transforma em ponte para a felicidade dos povos, todos enfeitiçados à espera dum acontecimento que trará a paz e a harmonia.

Tudo com muita música contemporanea, de que até gostei, mais bailado contemporâneo (de que também gostei) e muita encenação espalhafatosa (de que muito pouco gostei).

Valeu a pena.

Como o conto é hermético, deixem-me comover com a minha interpretação de que apela à comunicação e à compreensão entre as pessoas.

O conto de Goethe integra-se num conjunto de novelas e contos saídos das conversações entre exilados alemães, expulsos pelo exército francês da margem esquerda do Reno. Podia ser hoje no Kosovo, em Pristina, ou no Iraque, ou em Gaza, ou no Afeganistão, ou no Paquistão ou no Quénia (na Síria, hoje), e no meio disto, apela à compreensão...

Aplausos.

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