quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Dedicado ao senhor secretario de Estado dos transportes Sergio Monteiro

A Transdev/Veolis, um dos principais grupos interessados nas partes de empresas de transporte público a privatizar, falou no seminário da FERNAVE em 24 de Outubro:

“Não conheço nenhuma rede de transporte urbano sem prejuízos, logo é preciso compensar isto com subvenções ou compensações de serviço público. É preciso ter fontes adicionais de financiamento. Isto acontece em qualquer parte do mundo.”

Ainda bem que a Transdev diz isso, porque é o mesmo que foi dito ao senhor secretário de estado de transportes e ao senhor ministro desde que eles entraram de rompante a dizer que iam acabar com as regalias nas empresas publicas.

Estamos de acordo que se devem reduzir custos respeitando os critérios de segurança, eficiência, rapidez e conforto sob critérios razoáveis de qualidade de serviço (duvido que os senhores governantes saibam avaliar esses critérios, mas enfim).
Mas acreditar que as economias devidas a uma melhor gestão pelos privados de uma empresa (ou da parte dela dedicada à exploração) são maiores do que os seus lucros, é acreditar em histórias de fadas, digo eu, que conheci o problema de uma empresa de transportes por dentro (ver nota).

A menos que queiram comparar o não comparável (a tal história dos indicadores de qualidade de serviço, de segurança, de eficiência, de rapidez e conforto; ou a disponibilização das tais fontes adicionais de financiamento, como foi feito para  a FERTAGUS; ou a assunção pelo Estado do risco das quebras de procura e de receita; ou a transferência fiscal de contribuições perdoadas para proveitos do concessionário; ou a disponibilização de infraestruturas ou de envolventes sem custos para o concessionário…).

Enfim, aguardemos os próximos episódios da novela de “privatizar a tout prix, porque sim, porque o diretório manda”

Nota – Seja o momento 1 em que o Estado obtem o saldo efetivo  anual S1 na gestão de uma empresa:


S1 = R1 - D1 - C1 – J – Ipb1

Sendo:
R1   receita operacional
D1  despesa operacional
R1-D1   resultado operacional
C1  indemnização compensatória
J   serviço da divida acumulada anterior
Ipb1  serviço da divida do investimento no ano corrente

Suponha-se que o Estado entrega por concessão a gestão da empresa;  no instante 2 a empresa obterá os seguintes resultados anuais:

L + r + Ipv2 = R2 – D2 + C2

Sendo:
L  lucro
r  renda a pagar ao Estado
Ipv2  serviço da dívida do investimento privado ((obtenção externa)+auto-financiamento)  
         incluindo o serviço da eventual aquisição da dívida pública acumulada anterior
R2 receita operacional
D2 despesa operacional
C2 indemnização compensatória recebida do Estado

O saldo efetivo anual do Estado no momento 2 será:

S2 = r – C2 – J – Ipb2

Sendo:
Ipb2    serviço da dívida do investimento público

Do ponto de vista económico, admitindo que os indicadores de qualidade se mantêm (se não se mantivessem teria de se calcular o custo-benefício), a concessão só terá sido vantajosa para o Estado se:

S2 > S1

Isto é:

r – C2 – J – Ipb2 > R1 - D1 - C1 – J – Ipb1

ou:

r  > (R1 – D1) + (C2 – C1) + (Ipb2 – Ipb1)

O que quer dizer que a renda paga pelo concessionário deverá ser superior à soma: 

  • do resultado operacional antes da concessão, 
  • com a diferença entre as indemnizações compensatórias depois e antes da concessão, 
  • e com a diferença entre os investimentos públicos depois e antes da concessão  (claro que o concessionário vai querer limites e compensações para eventuais quebras de procura e receitas, e para os níveis de investimento privado e público).
Admitindo que o resultado operacional já era nulo antes da concessão, e que os níveis de investimento se mantinham, tem-se que a renda deverá ser superior à diferença entre a nova compensação indemnizatória e a antiga; caso contrário a concessão não tem interesse económico.

Substituindo o valor de C2 na inequação chega-se a:

(R2-D2) > (R1-D1) + L + ((Ipb2 + Ipv2) – Ipb1) – C1

Isto é, os resultados operacionais com a gestão privada deverão exceder os resultados operacionais com a anterior gestão pública no valor da soma:

  •  do lucro 
  • com a diferença entre o investimento público e privado depois e antes da concessão,
  •  descontando o valor da indemnização compensatória anterior à concessão mas incluindo o serviço da eventual aquisição da dívida pública acumulada anterior.
Recordando que C1 é um valor pequeno, interessará ao concessionário, para que economicamente o Estado tenha interesse (embora com evidente afetação da qualidade e preço do serviço):

  • reduzir a despesa operacional (reduzindo salários, o quadro de pessoal ou a manutenção, ou subcontratando pessoal ou manutenção precários, por exemplo)
  • aumentar a receita (aumento de tarifas, agravamento do custo de circulação automóvel)
  • minimizar os investimentos (adiar melhorias)

Eis por que, sem diminuir os indicadores de qualidade, não se crê que os lucros sejam menores do que o diferencial dos resultados operacionais antes e depois da concessão, devido à "melhor gestão privada".


PS em 30 de outubro de 2012 -  Amável colega que trabalhou na Transdev, e que não gosta de escrever nas caixas de comentários,  chamou-me a atenção que eu não tinha mencionado outras hipóteses do concessionário obter um resultado operacional melhor do que o de uma empresa pública, através de uma melhor gestão e da libertação de constrangimentos laborais.
Bem, a experiencia que eu tenho é que a melhor gestão dos privados não é uma regra universal, depende do profissionalismo dos técnicos.
Além disso, o privado A, com maior capacidade de gestão do que o privado B, pode perder para este um concurso devido aos critérios de adjudicação, isto é, a economia possível com uma melhor gestão de A pode ser deitada a perder por um privado B que prescinda de mais lucros e esteja disposto a pagar uma renda maior (para o mesmo nível das indemnizações compensatórias e de investimentos privado e público).
Isto para dizer que não parece dever utilizar-se um argumento para a privatização ou concessão quando ele depois perde valor entre privados.
Há ainda a considerar, na gestão privada, o risco de desinvestimento em material circulante, como foi patente à aproximação do fim da participação inglesa na concessão da Carris, e na perda de “know-how” (por exemplo, para "entender" uma problemática específica) ao economizar em estruturas de engenharia não  ligadas diretamente à produção.
Quanto aos constrangimentos laborais, há muito que nas empresas públicas se verificam despedimentos com justa causa, nos termos da lei.
Para a melhoria da produtividade laboral não era a lei que era preciso mudar (como foi feito no contexto atual,  nivelando por baixo e contra os seus interesses, entre os trabalhadores do público e do privado), mas sim corrigir nas empresas , internamente, a burocracia interna, o predomínio de critérios administrativos sobre critérios técnicos, a lentidão nas reconversões, a dificuldade de contratação de profissionais qualificados; e externamente, através do diagnóstico e correção (obviamente, nos tempos que correm, extremamente difícil) dos condicionalismos externos que limitam a produtividade interna, como sejam: limitação dos investimentos em equipamentos e sistemas para melhorias, deficiente funcionamento do mercado de subcontratação, deficientes transportes casa-emprego, custos de habitação, pressão psicológica excessiva.
Isto para dizer que, nos tempos que correm, os fatores negativos que afetam a produtividade nas empresas públicas também o são nas privadas.
Por isso, considerando:
- o pequeno volume de negócios de uma empresa publica de transportes urbanos portuguesa
- a pequenez das indemnizações compensatórias atribuídas à empresa pública
- que se estranhará que a indemnização compensatória a atribuir depois da concessão venha a ser maior do que antes,
continua a duvidar-se que a economia obtida com melhores resultados operacionais numa privada seja superior à diferença entre os lucros da privada (incluindo a indemnização compensatória depois da concessão) e a indemnização compensatória antes da concessão.

PS em 31 de outubro de 2012 - Vem o senhor secretário dos Transportes afirmar hoje que em 2013 as gestões da operação das empresas de transporte de Lisboa e do Porto serão privadas. Continua a não serem apresentados os cálculos fundamentadores desta decisão. Será mais um caso de cumprimento cego do memorando, dado que não consta existirem especialistas de transportes na troika (se existem, é direito dos cidadãos serem informados dos cálculos fundamentadores, embora já se preveja que a desculpa da troika será que privatização é uma decisão do governo português). Conviria, entretanto, que nas contas do senhor secretário de Estado estejam incluidos, para alem dos encargos de operação, os encargos de manutenção, quer interna às empresas, quer externa, e restantes encargos financeiros, para que as situações antes e depois possam ser comparáveis, e para que não se diga que foi concessionada a parte lucrativa e se manteve na posse pública a parte não rentável. 







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