domingo, 4 de novembro de 2012

O chairman convocou o conselho consultivo e já recebeu o relatório do psiquiatra


O chairman convocou  o conselho consultivo com carater de urgência.
A empresa tinha uma dimensão significativa, embora não pudesse classificar-se entre as grandes do panorama económico europeu, apresentava alguns indicadores preocupantes e o CEO dava indícios de, juntamente com o CFO, tomarem as medidas de efeitos precisamente contrários à reversão pretendida para os indicadores e que tinham provocado o agravamento desses  mesmos indicadores.
Por exemplo, advogavam o progressivo corte nas despesas da empresa, cortando salários, fornecimentos e investimentos, caindo na armadilha da pobreza e da ineficiência de investimentos, à imagem da política escocesa de redução da  ração diária de palha.
Tinham também aumentado os preços de venda, sem cuidarem de aumentar o volume e a rentabilidade de negócios, através da quantidade, da eficiência e da diversificação da produção.
Apesar da gravidade da situação, os conselheiros ficaram surpreendidos com o entusiasmo inovador com que o chairman apresentou a sua proposta: contratação de um psiquiatra credenciado para analisar o CEO e o CFO.
Embora o parecer do conselho consultivo não fosse vinculativo, ainda assim a proposta do chairman mereceu a concordância de 55% dos conselheiros.
Complementarmente, o chairman pretendia evitar os custos para a empresa da convocação de uma assembleia geral de acionistas para alterar a composição da estrutura acionista.
Por isso pretendia manter a administração, nomeadamente os administradores que defendiam investimento reprodutivo e a manutenção da qualidade dos serviços prestados, mas reforçando-a com pequenos acionistas que se tinham destacado nas criticas ao CEO e CFO apresentando medidas alternativas coerentes.
Dentre essas medidas destacava-se a renegociação das condições de financiamento junto da banca de modo a imitar o serviço da dívida a 5% do volume de vendas, e a recapitalização da empresa através do aumento de capital pelos acionistas, com distribuição regressiva do número de ações em função do peso de cada acionista (isto é, os pequenos acionistas teriam direito a mais ações do que os grandes acionistas, embora a contribuição destes para a recapitalização fosse maior).
Os pequenos acionistas propunham ainda a conversão de capitais dos maiores acionistas, ainda não aplicados na empresa,  em títulos de dívida destinados a resgatar os empréstimos de juro mais desfavorável que a empresa tinha contraído junto da banca nos últimos 2 anos.

O processo de contratação do psiquiatra foi rápido, tendo previamente sido suspensos os procedimentos habitualmente em vigor na empresa,  e não tardaram os primeiros resultados, com a listagem dos sintomas observados e o diagnóstico preliminar.

Assim, o psiquiatra começou por afastar a hipótese dos sintomas de ausência de insight (auto-análise) revelados pelo CEO terem por origem perturbações orgânicas.
Baseou-se, para isso, na grande resiliência perante situações adversas ou de stress revelada pelo CEO, na não evidencia de défice cognitivo e na ausência de perturbações somatoformes.
No entanto, a sua grande capacidade para, perante a evidencia da realidade, persistir na manutenção do comportamento e recusar sistematicamente a perceção de eventual psicose associada, conduziu ao diagnóstico de hipomania, caraterizada por episódios breves e repetidos de  ciclotimia, que por sua vez, caso o doente não seja retirado das suas funções, ou sucumba ao stress, ou venha a cair na dependência do tratamento com antidepressivos, poderá derivar para perturbações bipolares.
O diagnóstico de ciclotimia foi confirmado pela variabilidade de humor, contrastando o tom persuasivo de algumas intervenções do CEO dirigidas ao marketing dos clientes ou aos próprios trabalhadores da empresa, com o tom agressivo, sem admitir a interrupção do discurso, com que responde a críticas do principal grupo de acionistas que se lhe opõem e dos pequenos grupos de acionistas. Ou episódios de secretismo intenso na gestão da empresa, alternando com outros episódios de apelo à participação de todos os acionistas em debates alargados sobre as estratégias a adotar.
O diagnóstico de hipomania foi ainda confirmado pelas manifestações de ideias de grandeza e delirantes, nomeadamente a crença de que só ele poderá salvar a empresa das ameaças, mesmo que com a sua ação perca a confiança da assembleia geral dos acionistas e dos trabalhadores da empresa.
A agravar estes diagnósticos, conta-se a sistemática utilização de mecanismos de defesa, de que se destaca a fuga de ideias, ou manobras de diversão com mudança do tema de discussão central, quando acusado de tomada de decisões prejudiciais ou apanhado em contradições sobre afirmações anteriores.
Tudo ponderado, o psiquiatra recomendou  o afastamento definitivo do CEO das suas funções.

Relativamente ao CFO, o psiquiatra não conseguiu confirmar, mas em presença dos sintomas, colocou a hipótese de que a ausência de insight possa ter origem em perturbações orgânicas com origem em dependência de alcalóides do tipo cocainoide, atendendo aos largos períodos de tempo passados em empresas congéneres e de âmbito supranacional onde o seu consumo é prática corrente e responsável por muitas das decisões tomadas ao mais alto nível nessas empresas, como confirma o panorama económico-financeiro internacional.
O diagnóstico foi assim de hipomania de grau mais grave do que a do CEO, atendendo aos sintomas de ausência de perceção da psicose, à perturbação da expressão retardada do fluxo do pensamento e à ideia delirante de auto-valorização ligada à obrigação moral de retribuir as compras dos clientes com a aplicação das suas ideias, mesmo que essas ideias conduzam ao aumento dos preços, e à crença de que só ele conseguirá obter os juros mais baixos para os empréstimos.
Também neste caso o diagnóstico foi substancialmente agravado pela evidencia dos sintomas do complexo de Hubris associados a episódios de exibição de mecanismos de defesa, como, por exemplo, a tendência para humilhar o acionista opositor ou o cliente discordante da estratégia comercial da empresa, ao mesmo tempo que, em aparente, mas aparente apenas, dissonância cognitiva, elogia as qualidades destes. Ou quando contrata consultores da sua escola para, em secretismo, fundamentar decisões prejudiciais aos trabalhadores e clientes da empresa.
Tudo ponderado, e considerando os riscos para a empresa decorrentes da sua permanência em funções, o psiquiatra recomendou a urgente cessação de funções do CFO.
O psiquiatra entregou as suas conclusões ao chairman.

Toda a empresa aguarda ansiosamente a decisão do chairman.

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