sexta-feira, 5 de abril de 2013

Contra a sinistralidade rodoviária, especialmente contra os atropelamentos


Em memória de António Moreira, entusiasta companheiro mais velho de trabalho que foi no metropolitano de Lisboa, morto por complicações surgidas na sequencia de um atropelamento


Por um lado, devemos estudar um problema sabendo que as suas variáveis principais não devem ser desligadas do contexto, isto é, não é possível estabelecer uma relação entre essas variáveis independente do ambiente exterior. Em linguagem simples, as coisas estão todas relacionadas, umas com as outras.
Por outro lado, podemos tentar isolar uma ou várias variáveis supondo as restantes constantes, isto é, podemos fazer uma abstração ou decompor o problema em estados simples para tentar uma abordagem. Em linguagem simples, temos de cortar o bolo ou a piza em fatias par ao poder comer.

Serve esta introdução para abordar a tragédia dos atropelamentos, nas passadeiras e fora delas.
Na madrugada da passagem do ano 2012 para 2013, um jovem foi atropelado mortalmente quando se encontrava no passeio, por uma condutora alcoolizada. Depois, houve o atropelamento mortal de uma mãe em passeio ciclista com  a família, de uma menina atropelada mortalmente à porta da sua escola numa passadeira, pouco tempo a seguir a outra menina ter morrido depois de se apear do autocarro. Em 8 de março, às 20:30, duas pessoas são atropeladas mortalmente numa passadeira da Avenida Recíproca, junto da gare do Oriente. Em 5 de Abril um jovem é atropelado no passeio, perto da sua escola secundária, em Faro.
As variáveis são muitas, de muitos tipos.
Tentemos alinhar algumas:

1 – falso direito à velocidade - a maioria dos condutores considera um direito conduzir a velocidades elevadas

2 fórmula da distancia de travagem - a maioria dos condutores, tal como a maioria dos portugueses, não faz os cálculos da distancia de travagem em função do quadrado da velocidade e da desaceleração de travagem, nem do espaço percorrido durante o tempo de reação do condutor, do peão, e dos mecanismos do próprio automóvel, nem da variação desses parâmetros com o pavimento molhado, com óleo, ou com areia

3 – espaço visível - a maioria dos condutores considera que o espaço livre visível à frente do automóvel de que fala o código da estrada para possibilitar uma travagem nunca pode ser inferior àquele que o condutor pensa que é, nem que pode bruscamente deixar de o ser    

4 – condições ambientais -a maioria dos condutores considera que as condições atmosféricas, poeira, areia ou lama pouco influem nas condições de aderência e nas caraterísticas de travagem do automóvel             

5 – efeitos mortais da velocidade -  a maioria dos condutores manifesta surpresa, muitas vezes sincera e entrando até em estado de choque, depois da ocorrência de um acidente por excesso de velocidade (considerando excessiva a velocidade que, atendendo às condições atmosféricas, de visibilidade e de aderência, não permite a travagem no espaço livre visível à frente do automóvel), ou perante a evidencia de que uma velocidade, como 45km/h, que consideravam baixa, tem consequencias mortais em caso de colisão, no local, ou mais tarde, no hospital, algumas vezes mais de 30 dias depois do acidente

6 – os perigos da ilusão da comodidade e dos equipamentos de segurança - as 5 condições anteriores podem ser uma manifestação de excesso de confiança dos condutores, ou a presunção de um direito, com a agravante da ilusão de constantes melhorias das condições de segurança e de comodidade dos automóveis

7 – necessidade de esforço para interpretar corretamente -  as 5 primeiras condições podem ainda revelar problemas de iliteracia matemática pela dificuldade em avaliar o risco da variação da distancia de travagem com o quadrado da velocidade, ou de português, pela dificuldade de interpretação de normas como a da aproximação das passadeiras de peões (o código da estrada diz que o condutor deverá abrandar à aproximação da passadeira, para o caso de algum peão ter iniciado a travessia, sem explicitar, como seria conveniente: o peão tem prioridade nas passadeiras)

8 – os perigos culturais - as 5 primeiras condições podem também ser consequência da cultura de competição e de valorização artificial de atividades como a condução em si e a rapidez da condução, como aliás se depreende dos aspetos mais valorizados nos anúncios de automóveis, ou de compensação de insegurança ou frustração própria através de afirmação como condutor de sucesso, situações agravadas no caso de condutores jovens, faixa etária de maior incidencia da mortalidade entre condutores

9 – os perigos psicológicos - as condições económicas e financeiras adversas da atualidade podem afetar a estabilidade psicológica dos condutores e o cumprimento dos procedimentos mínimos de manutenção do automóvel, comprometendo a segurança da circulação automóvel e pedonal.

Sabe-se que os técnicos da ANSR mantêm o registo cuidado da sinistralidade e das suas causas, e que fazem propostas de melhorias que chegam ao ministério da tutela.
Porém, precisamente porque o problema tem muitas variáveis e implicações, algumas de relativa complexidade técnica para cuja compreensão os decisores não estarão preparados, receia-se que não se intervenha em todas elas, perdendo-se assim eficácia.
Acresce que, por mais impressionantes que sejam os acidentes e as suas consequências, passado o impacto mediático são esquecidos e não são divulgados, se é que foram realizados os inquéritos, os respetivos resultados, as causas e as medidas para evitar a repetição (pedi de uma vez acesso a um relatório de um acidente mediático, tendo-me sido facultado apenas o relato cronológico da ocorrência).
Ora, a divulgação ampla das causas específicas de um acidente é uma condição fundamental para diminuir a probabilidade da sua recorrência.

Tentemos para cada uma das condições anteriores encontrar medidas ou áreas de intervenção para diminuir a sinistralidade, principalmente de peões:

1 – falso direito à velocidade - requer-se uma divulgação intensa de que a velocidade não é um direito. O que é um direito é a mobilidade, que como qualquer direito deve estar dependente de um código. E que o direito à mobilidade em segurança de uns prevalece sobre o desejo de velocidade de outros. O direito à mobilidade termina onde começa o direito do outro. Sendo diferentes as condições de peão e de automobilista, e considerando que a mortalidade dos peões (e ciclistas) sobe mais depressa do que a dos automobilistas, daí decorre naturalmente que as concessões do automobilista terão de ser maiores do que as do peão. O critério prioritário não deverá assim ser a rapidez, mas a segurança, sendo que os valores da velocidade e das distancias de segurança têm de ser calculados em função dos valores mais desfavoráveis dos tempos de reação (dependentes do estado de atenção do condutor -  propõe-se o valor de 2 segundos para o tempo de reação). Sugere-se fortemente a introdução no código da estrada da noção de que a fluidez de tráfego se pode e deve fazer a velocidade não excessiva; por outras palavras, a quantidade de pessoas que são transportadas por hora e sentido através da secção de uma via não depende da velocidade mas sim da distancia entre veículos; a velocidades mais elevadas a distancia entre veículos deverá ser maior (correspondente ao espaço percorrido em 2 segundos), pelo que a quantidade de veículos por sentido, por secção e por hora é constante (caso contrário, se aumentando a velocidade se reduz o intervalo temporal entre veículos estaremos a reduzir a segurança da circulação). Alerta-se para que um veículo deverá guardar uma distancia de segurança para o veículo precedente porque não tem visibilidade sobre a estrada à frente desse veículo, no qual poderá estar um obstáculo, situação particularmente grave no caso de ultrapassagens precipitadas.
Igualmente a distancia de visibilidade a garantir para proteção de um ponto de colisão eventual, como por exemplo uma passadeira de peões, deverá corresponder ao espaço percorrido em 2 segundos.
Propõe-se assim a implementação de zonas de limitação de velocidade em função das caraterísticas urbanísticas, e a limitação a 30 km/h da velocidade de atravessamento das passadeiras pelos veículos automóveis, quer se verifique ou não a presença de peões.

2 – fórmula da distancia de travagem – considerando a aversão à matemática de grande parte da população, sugerem-se campanhas na televisão explicando a fórmula de cálculo da distancia de travagem, função do quadrado da velocidade, exemplificando que a distancia necessária para travar a 40 km/h é 4 vezes maior do que a distancia de travagem a 20 km/h. Deverá ser explicada a influencia de condições de aderência adversas e da possibilidade de piores carateristicas de travagem de um dado veículo. Igualmente deve ser explicada nessas campanhas a influencia do tempo de reação do condutor e do equipamento do automóvel; neste caso, a distancia percorrida enquanto o condutor ou o equipamento não reagem é proporcional à velocidade (o espaço percorrido a 40 km/h é o dobro do espaço percorrido a 20 km/h)

3 – espaço visível – a perceção que os condutores têm do espaço visível  à frente para a travagem até um obstáculo pode ser enganadora, isto é, o espaço visível pode ser inferior ao que o condutor pensa porque as condições de aderencia podem ser piores do que as pensadas ou porque um obstáculo pode não estar visível em condições normais mas não ser percecionado pelo condutor. Por outras palavras, será importante, nas referidas campanhas de sensibilização para  a segurança da condução, explicar a vantagem de cada condutor contar com uma margem de segurança para circunstancias imprevisíveis (por exemplo: um peão pode ser ocultado por outro veículo numa passadeira de peões, situação particularmente perigosa nas passadeiras junto de paragens de autocarro)

4 – condições ambientais – a ocorrência de chuva ou a presença de lama, óleo ou areia no pavimento agravam significativamente as condições de aderencia dos pneus e aumentam a distancia de travagem e os riscos de bloqueio das rodas (provocando derrapagens ou deslizamento do veículo) e de patinhagem (rodas a rodarem em vazio sobre si próprias, podendo por esforço diferencial provocar despistes). Sugere-se nas campanhas de sensibilização combater o excesso de confiança dos condutores e sublinhar que os níveis de velocidade excessiva baixam consideravelmente com o agravamento das condições ambientais. Igualmente deverão ser consignadas no código da estrada as alterações para restringir a velocidade nestas condições e o Instituto das Estradas promover sinalização rigorosa nos troços mais sujeitos a estes riscos.

5 – efeitos mortais da velocidade – Sugere-se a divulgação ampla na televisão dos resultados de estudos e análise de casos que correlacionam a velocidade a que ocorrem os atropelamentos com o número de mortes provocadas. Dados estatisticos permitem estabelecer a seguinte correlação entre a velocidade de atropelamento e a mortalidade em percentagem de atropelados, a qual deveria ser amplamente divulgada:
                 60 km/h – 90%
                 50 km/h – 60%
                 40 km/h – 25%
                 30 km/h – 10%
                 20 km/h -   5%
Neste campo, ver
Isso justificará perante a opinião pública a imposição de zonas de limitação de velocidade. Convirá também que se chame a atenção da população para que o risco de mortalidade, para um atropelamento a uma mesma velocidade, aumenta com o peso do veículo. Sugere-se portanto uma penalização fiscal para veículos de maior altura (reduzem a visibilidade) e peso relativamente aos automóveis médios.

6 – os perigos da ilusão da comodidade e dos equipamentos de segurança – a comodidade dos automóveis atuais pode ser perigosa pela similitude com a operação de computadores. Este é um tema que o IMT poderia considerar na altura da homologação de novos modelos e justificará uma penalização fiscal.  Além disso, a auto estima do condutor pode levá-lo a ignorar os perigos do agravamento de condições atmosféricas e ambientais como a presença de chuva forte ou nevoeiro (reduzindo a quase zero a distancia de visibilidade e impondo redução decisiva da velocidade) ou lama, areia ou óleo no pavimento (reduzindo as condições de aderência). Sugere-se fortemente nas campanhas de sensibilização a divulgação de que a proteção automática de dispositivos como o ABS (automatic braking system) ou o ESC (eletronic stability control) pode ser ilusória e contra producente em condições ambientais agravadas. Isto é, os sensores podem induzir comandos errados dos automatismos como acelerações indevidas, pelo que a regra deverá ser sempre conduzir com uma margem de segurança impondo, obviamente, um comportamento e uma velocidade contidos ao automobilista do veiculo atrás. Este aspeto deverá ser considerado na fase de homologação de novos modelos.

7 – necessidade de esforço para interpretar corretamente – Sugere-se reforço da política de exigência nos exames teóricos para concessão da carta de condução e frequência obrigatória de ações de reciclagem dos condutores apanhados sem carta, envolvidos em acidentes ou que tenham atingido um determinado número de pontos por infrações

8 – os perigos  culturais – a cultura da competição, a cultura da promoção do estatuto social através da qualidade do automóvel ou da auto estima através da publicidade que realça as qualidades de bom condutor do proprietário, a cultura de que conduzir depressa é sinónimo de bom condutor, a cultura de promoção da dependência do automóvel, quando uma sociedade evoluída privilegia os modo suaves de deslocação e o transporte coletivo, são perigos graves para o condutor e para os seus companheiros de estrada e ainda mais para os peões, dada a imprevisibilidade de situações de risco com consequências fatais. Sugere-se portanto a penalização fiscal da publicidade com aquelas sugestões e a sua crítica pelos meios de comunicação social. Igualmente se propõem campanhas oficiais na televisão de sensibilização para comportamentos responsáveis na condução. A cultura de prevenção de acidentes, nomeadamente atropelamentos, e da moderação da velocidade, será melhorada com a referida realização sistemática de inquéritos e a disseminação pública dos seus resultados e propostas

9 – os perigos psicológicos – trata-se de uma problemática mais vasta a nível do país para cuja solução, dadas as condições financeiras atuais apenas se poderá contar com fundos europeus ao abrigo de campanhas comunitárias para redução da sinistralidade rodoviária, Propõe-se pelo menos o dispêndio de verbas para manutenção de uma equipa de contacto com os organismos europeus respetivos e para preparação das medidas a implementar, quer na sensibilização contra a condução em condições psicológicas deficentes (cansaço, preocupação ou drogas), quer simplificando os procedimentos e controlando os custos de manutenção dos veículos (na perspetiva de que a fisclaização deverá ajudar a atividade económica e não se concentrar na repressão). Igualmente se propõe a colaboração dos meios de comunicação social do debate público desta problemática.




Considerando que a prioridade deve ser a constante implementação de medidas de melhoria da segurança de peões e automobilistas, por mais que os indicadores de segurança melhorem, apela-se:
a) à alteração do Código da Estrada para melhor compreensão e eficácia da prevenção dos atropelamentos,
b) à disseminação sistemática através de campanhas de prevenção na televisão,
c) à criação de zonas de velocidade limitada, especialmente nas aglomerações populacionais, e
d) à disseminação pública dos resultados dos inquéritos tipificados.



Ver neste blogue:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/03/risco-de-atropelamentos-nas-passadeiras.html

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