terça-feira, 23 de abril de 2013

Teoria das nomeações em ambiente de crise financeira

Este blogue não gosta de discutir política.
Mas como dizia Aristóteles, a politica entranha-se na nossa condição animal.
Gostaria de manter a perspetiva física e económica das coisas de interesse público, que costumo dizer ser a perspetiva do Dr Spock da nave Entreprise, "fascinante", mesmo quando a ameaça parece exceder a capacidade de recuperação.
Como é o caso.
Depois da obstinação do atual governo em não querer mudar porque "enervaria os mercados" ou seria "incumprimento dos compromissos" (ou não seria obstinação, seria simplesmente incapcidade de compreensão do espírito dos acordos ou memorandos e dos seus fundamentos), assiste-se agora a um desfile de novos secretários de Estado.
E como são nomeados?
A mim me parece que se mantem válida a teoria da minha professora de instrução primária.
Que os lusitanos, quando tinham um problema, se sentavam à porta das suas cabanas, à espera que os conhecidos que passassem os esclarecessem sobre o que fazer.
A teoria é portanto o privilegiar a pessoa conhecida ou recomendada pelo conhecido, em detrimento duma ação anterior, de cariz coletivo e estruturante de uma sistematização de conhecimentos baseados na experiencia e testáveis pela experimentação.
Por outras palavras, a decisão sobre o que fazer dependia mais do prestígio não testado de quem dava a sua opinião, do que dum conhecimento estruturado.
Trata-se de uma teoria, para mais de dificil comprovação, uma vez que os lusitanos já não estão cá e os seus vestígios são esparsos.
Mas os habitantes da região parece seguirem o mesmo critério nos tempos que correm, a avaliar pela maioria dos senhores secretários de estado selecionados.
Os ambientes e as áreas de atividade são pequeninos, há pouca massa crítica, os gabinetes de advogados que tratam dos assuntos públicos têm os seus representantes no Parlamento, os secretários de Estado que tratam da regulação das empresas e dos bancos trabalharam antes de o serem ou vão a correr trabalhar para eles depois de sairem do governo, quem no governo superintende uma auditoria tambem se audita a si próprio, o meio é pequenino e defende-se muito bem de investidas dos cidadãos comuns.
É um sintoma da disfuncionalidade da sociedade portuguesa, as equipas de decisão não se formarem  naturalmente a partir dos meios cientificos e técnicos de quem tem experiencia nos respetivos negócios; não resultam, essas equipas, de um debate aberto e participado, independentemente de cores politicas.
A experiencia recente mostrou que nos casos de exceções a esta regra pode haver demissões mal explicadas, como sucedeu com o secretário de energia anterior. Consta que os problemas do defice tarifário e das rendas de compensação pela intermitencia das eólicas, apesar de precisarmos de poupar nas divisas com que se importa gás natural, terão sido determinantes do conflito.
Consta, porque infelizmente as coisas não são bem explicadas.
Mas será interessante ver o que a senhora nova secretária da defesa vai fazer com a questão dos Estaleiros de Viana do Castelo e do Atlantida.
Será que vai terminar a obra de destruição dos estaleiros e despachar ingloriamente o Atlantida? Ou, demonstrando sensibilidade e conciliação femininas vai procurar soluções em debate participado?
E os senhores secretários ex-administradores do metro do Porto, para serem despachados com presteza, terão prevaricado assim tanto com os CDS - credit default swap, essa invenção derivativa tão criativa e tão destrutiva? Não se terão limitado a cobrir o risco da variação das taxas de juro? Terão especulado? Comprado outros CDS que não os dos contratos de financiamento do metro? Transacionaram COS (collaterized obligations) cujo seguro eram os CDS? Sabiam que os COS e CDS eram transacionáveis mas sujeitos a cotação variável, apesar da ideia ser conseguir uma taxa fixa de juro para o financiamento? Que se as taxas subissem havia um seguro e uma vantagem, mas que se baixassem haveria uma desvantagem superior (ao menos que fosse igual) ? Terão alterado montantes de financiamento na esperança de ganhar algum dinheiro com o aumento das taxas? Ou simplesmente são peças de xadrez comidas para criar uma nova dinamica ao atual governo?
Não se sabe, porque o secretismo é grande, assim como não se sabe, nem nós no metro de Lisboa sabiamos, em 2009, o que o senhor presidente da altura fazia com os contratos de CDS.
Apenas sabiamos que o senhor era muito criativo em questões financeiras e muito restritivo nas despesas. Mandava-nos, nos orçamentos, cortar uma percentagem relativamente ao ano anterior, "chumbava" as propostas de investimento em alterações das estações para adaptação aos passageiros com mobilidade reduzida, tomava decisões sem perceber os pormenores técnicos que ingloriamente tentavamos explicar-lhe, combinava diretamente com empresas de telecomunicações a instalação de equipamentos na galeria das novas extensões sem avisar o colega responsável pelas telecomunicações. Em suma, consubstanciava o que sempre criticámos nas nomeações das administrações das empresas públicas: sem experiencia no negócio, militante do partido no poder com funções de comissário politico, prepotente na tomada de decisões. Mas não sabemos de facto os termos em que negociou os contratos CDS. E contudo, por essa altura, representantes do Tribunal de Contas frequentavam amiúde as instalações do metro de Lisboa... raramente se é solitário nestas coisas.
É verdade que também nessa altura pouca gente sabia o que eram COS e CDS (ver em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/01/inside-job-ii-inside-job-verdade-da.html  ) e portanto os próprios  
negociadores podem ter sido levados por um entusiasmo de ignorante.
Mas também nessa altura tinha ocorrido a falencia do Lehman Bros, do Merryl Lynch e da seguradora AIG (esta a grande "bolha" da questão).
Então os especialistas de finanças não saberiam na altura que os COS e os CDS estiveram na origem da crise?
Pobre democracia, que não tem meios de defesa das suas empresas públicas contra estes aprendizes de feiticeiro.
Ver as referencias deste humilde blogue ao assunto, a propósito das ameaças de privatizações/concessões e dos encargos financeiros exagerados das empresas públicas de transportes:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/02/privatizar-concessionar-ou-nao.html 

em que já se referem as preocupações em janeiro de 2013 da Direçao Geral do Tesouro e Finanças com as perdas potenciais (vá lá, se se ficarem por potenciais será  menos mau) devidas ao abaixamento da taxa de juro (a tal que é baixa com o objetivo de fazer crescer a taxa de crescimento e assim poder diminuir a divida; mas também não tem resultado) e à "volatilidade dos mercados" (conceito mais ou menos subjetivo para designar o ambiente de casino das bolsas).

Ver também os alertas que um partido politico da oposição já vinha fazendo há uns meses:
http://www.pcp.pt/h%C3%A1-anos-que-o-pcp-denuncia-esc%C3%A2ndalo-financeiro-dos-contratos-%E2%80%9Cswap%E2%80%9D

Mas enfim, da complexidade das questões é fácil aos senhores politicos conseguir o alheamento dos eleitores para as soluções, isto é, é fácil manter as politicas de engano aos eleitores e atribuir as culpas aos trabalhadores das empresas publicas e às politicas de defesa do estado social e de manutenção de atividades económicas de interesse público na esfera pública.

E assim vamos, em vez de nos sentarmos a uma mesa (ou mais mesas)  a debater  decisões a tomar em conjunto, mas respeitando as regras da discussão, para se atingirem objetivos, sem complexos de salvamento da nação.

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