segunda-feira, 17 de junho de 2013

Nós os portugueses, pelo snailfish, as expropriações e a prosmicuidade entre o setor financeiro e o poder politico

Liparis Liparis  (seasnail ou snailfish) origem: Wikipedia



Snailfish, ou peixe caracol, nome cientifico Liparis liparis, era um discreto, pequeno e desengonçado peixinho de muitos mares, incluindo o Atlantico Norte, e todas as profundidades, de aspeto grotesco, parecido com um girino, de pele gelatinosa e, quando muito, até 30 cm.
Com boa vontade, parecido tambem com o peixe Nemo, embora não tanto exigente como ele nos locais para depositar os ovos.
Referenciado como sem interesse comercial.
O pobre peixe existe para comer os pequenos crustáceos e os organismos mais pequenos que ele, para poder alimentar os peixes maiores e as aves mergulhadoras.
Utilidade comercial: ser comido para os humanos comerem os peixes que o comem.
Nunca se tinha ouvido falar dele e até está pouco estudado, havendo biólogos que nem o distinguem numa família própria.
Era menos falado que o verdinho, outro peixinho que graças à sagacidade da senhora ministra Cristas saltou para as páginas dos jornais por a UE ter autorizado o aumento da quota de pesca por Portugal.
Ironizo quando falo de sagacidade, claro.
E de repente, o peixe caracol é o centro das atenções.
Foi apanhado o seu DNA em embalagens de "bacalhau com natas" congelado.
Deixe-se o conflito psicológico, os preconceitos alimentares (assim como assim, os insetos tambem são fontes de proteinas e vitaminas) e as vestes rasgadas dos defensores da moralidade pública, e veja-se o caso com serenidade (parece que o pobre peixe não tem o mercurio nem o cadmio nem os coli fecais que podemos encontrar noutros alimentos) .
Deu la Deu Martins serviu uma dieta de tripas enquanto oferecia aos castelhanos carne do lombo.
A grande superficie comercial que vendeu o peixe caracol disfarçado de bacalhau retirou imediatamente o produto da venda e chamou a atenção que, sendo um grupo estrangeiro, tem fornecedores portugueses e foi o fornecedor português que lhe vendeu o peixe caracol. A embalagem até traz a etiqueta: "Compro o que é nosso".
E de facto é irónico, porque é mesmo nosso, achar que não há problema em pulverizar o peixe caracol no meio das natas como se fosse bacalhau.
Eu confesso que não era capaz de distinguir.
Não estou a fazer apreciações legalistas porque é efetivamente fraude económica, tal como foi fraude ganhar um concurso há uns anos para fornecer rolhas de cortiça a um grande engarrafador de vinho chileno e a cortiça que foi depois forneida era de qualidade inferior à da amostra que venceu o concurso.

origem: DN

E se o peixe caracol tem valor alimentar, se não tem contraindicações de saúde, se é saboroso e se é mais barato, nada a objetar, sem prejuizo de se pensar a sério em eleborar um plano de execução de instalações de aquacultura em Portugal para reduzir as 300 mil toneladas de peixe de aquacultura importado anualmente pelo país (nenhum país é soberano se importar mais de 50% da sua alimentação).
Apenas refiro o expediente muito português de se dizer "ninguém vai reparar".
É uma questão essencial.
"Ninguem vai reparar".
É essencial porque revela a falta de rigor científico e de respeito pelo método científico que enforma a vida da comunidade portuguesa.
Estudar e verificar a composição de um congelado alimentar, estudar os limites e as implicações de uma expropriação para construir uma infraestrutura de serviço público exige tempo.
Mais vale passar por cima dos pormenores (que podem ser eles tambem, essenciais).
A referencia às expropriações vem a propósito da forma discreta de corrupção descrita por Paulo Morais: seja um terreno de aptidão agrícola com pouco valor comercial e sem autorização camarária para construção; o proprietário vende-o barato; o novo proprietário convence vereadores e técnicos da câmara a alterarem o plano diretor e autorizar um belo projeto urbanistico; acontece que o novo proprietário já sabia que se projetava a passagem de uma infraestrutura rodoviária, ferroviária ou aeroportuária por aquele terreno; o valor da expropriação é agora fixado em função das mais valias da operação urbanistica; o Estado compra assim o terreno para passar a sua autoestrada por um preço dezenas de vezes superior ao preço por que o primeiro proprietário o vendeu; foi assim criado um valor virtual que contribuiu para a dívida nacional (a população viveu acima das suas posses? sim, em 15% da dívida, apenas, responde Paulo Morais).
Existe outro tipo de expropriações, mais benigno, mais parecido com o caso do peixe caracol.
Quando houve necessidade de expropriar os terrenos entre Carnide e a Pontinha, para instalar o parque de material e oficinas do metropolitano de Lisboa, alguem da câmara municipal se lembrou de que se projetava a envolvente de Carnide e que pelo menos um parte das expropriações poderia "anexar-se" às do metropolitano. Porque "ninguem vai reparar". De facto, ninguem reparou, os terrenos da fábrica de telhas e tijolos foram convertidos parte em linhas de garagem do metro, parte em alcatrão da avenida envolvente de Carnide e parte, uns pequenos triangulos, em baldios ou hortas esporádicas ao lado da avenida. As pobres habitações que lá existiam demoraram um pouco a desabitar, mas conseguiu-se com muito mérito do colega advogado que tratou da aquisição de uns apartamentos no Cacem para o realojamento das pessoas e, mais importante do que isso, conseguiu convencer a senhora relutante em deixar a sua barraca com quintal que partilhava com o cão, arranjando uma familia para ficar com ele, que não ficaria bem no apartamento do Cacem.

Quanto ao peixe caracol e à sua comercialização pelo fornecedor português do grande supermercado, ocorre-me, na esperança de que não haja um excesso de perseguição justiceira, o episódio bíblico da senhora de vida fácil . Nosso senhor Jesus Cisto teria dito: Vai e não voltes a pecar, vai e comercializa o peixe caracol a um preço mais baixo, em embalagem bem identificada e com menos lucro, vai e expropria só o que é necessário e por um preço justo sem beneficiares politicos, nem vereadores nem empreiteiros, nem outros grupos económicos, financeiros ou familiares. Mas nosso senhor Jesus Cristo é o que dizem os evangelhos, escritos muitos anos depois e não há outras fontes que nos dêem o retrato histórico da  pessoa.
Então o que ele diz é o que nós gostariamos que ele dissesse, como quando citamos um grande economista para justificar o que dizemos no nosso próprio interesse.
Ou melhor dizendo, os atores desta história do peixe caracol vão continuar a representar a sua telenovela como muito bem entenderem.
No fundo, porque têm audiencia.
Só por isso.
E o pedido do profeta, vai e expropria só o que é necessário e pelo preço justo, não vai ser acatado por quem se move nos meios influentes financeiro e politico. A especulação com as expropriações e a apropriação de mais valias sem correspondencia com o valor intrinseco dos terrenos ou outros bens é possivel num contexto que não é a causa de um efeito mas é um catalizador, e que é a promiscuidade entre os agentes dos grupos financeiros, sejam eles caixa banco de investimento, Goldman Sachs, JPMorgan ou BESI, os membros do governo, os dirigentes de bancos centrais nacionais ou europeus, deputados membros de grandes gabinetes de advogados, agentes económicos de grandes grupos. E que não reduz a influencia ao caso das expropriações, antes passando pelas celebérrimas PPP, pela obsessão das privatizações-concessões, pelos concursos públicos de ajustes mais ou menos diretos.
Nós, portugueses, somos assim.
Ligamos mais importancia aos "fait divers" do que à necessidade de elaborar um plano de instalação de aquacultura em Portugal para produção de peixe até 300 mil toneladas por ano.






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