quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Complementos de reforma

Dediquei o post em que comentei o 11ºcongresso da ADFERSIT "aos que andam de bonde", para quem Vinicius invocou a piedade divina.
Ver o poema completo de Vinicius em:

Dedico este post a outros, tambem referidos no poema, aos que empobrecem:
                                   “…Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
                                   E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza…”


Alexandre Soares dos Santos, no programa Olhos nos olhos da TVI24 de 21 de outubro de 2013, disse que o peso do fator trabalho na sua fábrica de margarina era, antes de 1974, 5%; depois da revolução de abril subiu para 10%, e agora é novamente 5%.
Penso que isso se deve a salários baixos (compensados com alguma politica social por parte do grupo empresarial), mas principalmente ao fator de automatização que sobe a produtividade.
Se o peso do trabalho baixa, seria justo referir o pagamento da TSU não ao volume dos salários mas sim ao valor acrescentado bruto produzido pela empresa.
Mesmo empresas de pessoal intensivo (interno ou por outsourcing) como o metropolitano de Lisboa, têm um peso do fator trabalho que não atinge 50%.
Feitas as contas para todo o país, chega-se à conclusão que 75% dos impostos são pagos pelos rendimentos do trabalho, que são 48% do rendimento total, e 25% dos impostos são pagos pelos rendimentos do capital, que absorvem 52% do rendimento total.
Pode portanto afirmar-se que esta é uma situação de iniquidade, agravada por fazer recair sobre o fator trabalho o  maior peso da austeridade.
A iniquidade não é boa conselheira, e já se fala no parlamento europeu (cujas eleições são cruciais para a mudança de politica) que não basta pôr nos tratados que o défice publico não pode ultrapassar 3% do PIB e a divida publica 60%.
É preciso pôr também os indicadores de desigualdade de Gini, do desemprego e da pobreza.

Falaremos então de equidade quando o pagamento dos impostos pelo trabalho e pelo capital forem proporcionais, quando a taxa de pobreza, o índice de Gini e a taxa de desemprego baixarem (os políticos da corrente dominante continuam a ocultar que faz parte das sua estratégia um desemprego elevado para controlar o nível de preços).
Entretanto, observemos:
- o sistema previdencial da CGA não é de repartição (em que só os ativos descontam para as pensões dos reformados) porque o Estado não pagou ao longo da carreira dos reformados as contribuições equivalentes à TSU que as empresas privadas pagam. Isto é, capitalizou (ou beneficiou com esse capital grupos privados, o que configura crime de peculato?).
- ao longo dos anos, a segurança social foi sendo superavitaria, apesar de ir buscar dinheiro em função dos salários pagos pelas empresas e não em função do valor acrescentado que elas produziram (o que daria muito mais dinheiro) . Se foi superavitaria (deixou este ano de o ser com a contenção orçamental, mais do que com a diminuição dos empregados) isso significa que ao longo das carreiras dos atuais reformados foram sendo pagas as reformas dos reformados de então com as contribuições dos reformados de agora, sobrando porem dinheiro (apesar de vir da segurança social o dinheiro para pagar a assistencia hospitalar de todos os cidadãos, no ativo em empresas privadas e publicas, ou reformados da segurança social ou da CGA).
- Esse superavit seria naturalmente passível de ser investido em capitalização. E de facto foi, mas o fundo de capitalização, criado em 1991 e chamado Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, é muito reduzido (em 2008 valia 5% do PIB; agora 8 mil milhões de euros? que só chega para pagar 9 meses de reformas?) e os fundos de pensões que habilidosamente têm sido transferidos de grandes empresas para o Estado só têm agravado as contas da segurança social, em vez de reforçar o fundo financeiro de apoio. Esse superavit podia ainda ter sido aplicado nos certificados de reforma facultativos de compaticipação individual até 6%, cuja existência foi sistematicamente ocultada aos ativos que descontavam, pelo que o seu montante é insignificante.
- assistiu-se ao longo dos anos à paranóia (do que não pode acusar-se o atual governo, embora o governo da mesma cor entre 2003 e 2005 procedesse da mesma forma) de convencer as pessoas a reformarem-se cedo. As contas das empresas, nomeadamente as publicas, ficavam assim aliviadas embora se sobrecarregasse a segurança social ( o que não era problema porque era superavitaria).
- Neste contexto surgiram os complementos de reforma (que no metropolitano de Lisboa acabaram para quem fosse admitido depois de 2005). Para a empresa, para cada trabalhador reformado antecipadamente, dum lado da balança está a soma de (valor anual do complemento da reforma (10 milhões de euros por ano/n trabalhadores no caso do metropolitano?) vezes  o numero de anos entre a idade expetativa de vida e a idade de reforma antecipada (Iev – Ira)) mais (valor acrescentado anual do trabalhador, vezes o numero de anos entre a idade da reforma e a idade da reforma antecipada  (Ir – Ira)), isto é, o valor do que a empresa perdeu; do outro, está o que poupa: (Ir – Ira) x V  , sendo V o vencimento anual:

(Cr x (Iev – Ira))+ (Va x (Ir –Ira))  < (Ir – Ira) x V

Daqui se conclui que só no caso do vencimento ser muito mais elevado do que o valor acrescentado ou em caso de morte prematura é que compensava pagar o complemento de reforma. Então a natureza do complemento de reforma tem de ser outra, que será, em princípio, a equivalência ao pagamento de uma TSU não à segurança social, mas que permite à segurança social requerer à empresa uma contribuição menor (por outras palavras, mudando repentinamente de um sistema com complemento de reforma para outro sem complemento, é natural que as contribuições para a TSU das empresas subam , e que na equação acima, o termo do complemento de reforma Cr x (Iev – Ira) será substituído por um termo com o aumento da contribuição  para a TSU.
- Na verdade, o efeito perverso é ser elevado o valor Ir – Ira pelo que se põe a hipótese de um regresso parcial ao trabalho dos reformados por antecipação com prestação de trabalho em horário reduzido em condições especiais de prestação de aconselhamento ou pareceres em alternativa ao corte dos complementos.
- no entanto, dado que a maioria das contratações dos reformados que agora sofrem os cortes dos complementos de reforma foram feitas numa altura em que nas empresas públicas o vencimento era muito inferior ao das empresas privadas, quer ao nível de licenciados , quer ao nível operário, e essa “regalia” foi usada como compensação dessa inferioridade salarial, parece defensável considerar que a sua extinção viola o princípio da segurança contratual.
- É interessante o testemunho da associação APRE, que referiu o comentário de um jurídico alemão, Emmerich Krausse, que qualificou ironicamente esta invenção dos governantes portugueses de quebrar um contrato como a mais notável invenção dos portugueses desde o astrolábio náutico.
- considerando que a quebra contratual se justifica em casos de “force majeure”, teríamos de estender essa quebra aos contratos das PPP e dos contratos de equilíbrio financeiro das rede energéticas, sendo certo que, a ser aplicada, dispensaria a austeridade no caso dos cortes dos complementos de reforma, dentro dos critérios de equidade de repartir igualmente pelo trabalho e pelo capital os sacrifícios.
- relativamente aos complementos de reforma, que a lei do orçamento suspende no caso das empresas publicas com resultados liquidos operacionais negativos, importa definir o que são resultados líquidos.
considere-se que o saldo operacional

Sop=Rop – Dop                    
                             sendo Rop e Dop a receita e a despesa operacional total

A receita operacional total será igual a

Rop = Rov + Ric                   
                             sendo Rov as receitas de vendas de passes (de acordo com formula de repartição proporcional aos passageiros.km transportados), bilhetes e outras receitas, como prestação de serviços a outras empresas (projetos e consultoria, no caso da FERCONSULT pelo menos na proporção da colaboração com o metropolitano) ;   Ric as indemnizações compensatórias calculadas para cobrirem o diferencial entre o preço de custo de produção e a receita de venda, sendo o cálculo do custo de produção a média dos custos de produção das redes homólogas europeias)
A despesa operacional será igual a:

Dop = Dt – Dinv – Dj – (Va-Rop)                    
                                            sendo Dt a despesa total da empresa; Dinv os custos de investimento, amortizações e depreciações, Dj o valor dos juros dos investimentos e empréstimos para aquisições; Va será o valor acrescentado correspondente à produção, calculado como percentagem da contribuição para o valor acrescentado das empresas do fator trabalho transportado pelo metro, eventualmente estimado em 30%.

Reconhecendo-se que os cálculos rigorosos exigem investigação profunda e morosa, não parece que seja razoável proceder de supetão aos cortes dos complementos de reforma, sem apresentação de um plano de transição ou alternativo, pelo que parece justo suspenê-los com uma providencia cautelar.

PS em 26 de outubro de 2013 - talvez simplifique substituir os cálculos dos resultados líquidos a partir da indemnização compensatória e do valor acrescentado por um cálculo equivalente ao do versement transport em uso em França para financiar os transportes coletivos ds áreas metropolitanas - as empresas são taxadas entre 0,5 a 1% sobre os salários dos seus empregados. No entanto, do ponto de vista teórico, parece-me mais correto utilzar o valor acrescentado

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