sábado, 2 de novembro de 2013

No metropolitano, em 1 de novembro de 2013

No metropolitano, ao fim da tarde, com a carruagem quase cheia, cerca de um quarto dos passageiros, quer estivessem sentados, quer de pé, utilizavam os seus telemóveis, uns conversando, outros digitando mensagens, jogando ou simplesmente deambulando pelos menus.
Não será apenas o conforto de as pessoas se sentirem ligadas a outros, por mais insignificante que seja o que têm a dizer,  ou a uma realidade que lhes é exterior.
É gerado um retorno que preenche os centros de prazer cerebrais dos utilizadores.
No fundo, o mesmo objetivo que eu tento, sem recorrer ao telemóvel, mas observando o que me rodeia numa carruagem de metro.
Há outro fator que condiciona o comportamento dos utilizadores de telemóveis.
A condução de um automóvel provoca no automobilista uma perceção subconsciente de que está a desenvolver uma atividade produtiva, para mais exigente e complexa. Essa perceção é uma recompensa tranquilizadora, nos mesmos centros cerebrais, para quem cumpriu uma atividade útil na comunidade produtiva.
Do mesmo modo, manipular computadores, mesmo em atividades lúdicas, ou telemóveis, cria a perceção, ilusória, de domínio de tecnologias complexas e de  recompensa de um esforço também ilusoriamente produtivo.    
Tudo valorizado subconscientemente pela noção de vantagem e superioridade comparativa relativamente à maioria dos cidadãos que não utiliza os telemóveis de 4ª geração.
Conduzir um automóvel ou extrair de um telemóvel todas as suas possibilidades exige esforço e é considerado parte do trabalho produtivo nacional.
Assim nos iludimos sobre a natureza do verdadeiro trabalho produtivo.
De bens transacionáveis, sujeitos à concorrência, e de interesse para a exportação.
O vulto que ocupava o canto esquerdo do meu campo de visão destaca-se do magote de passageiros à chegada à estação.
Um casaco de pele, comprido, até ao chão, poído, deixando ver umas botas também de pele e desgastadas. Uma gola de pelo de coelho. Uma mala preta, igualmente longe dos seus dias de glória. O aspeto é insólito e contrasta com quem usa agora esta toilete, outrora elegante e talvez usada por alguma frívola mas  piedosa frequentadora do Rock in House, do Strumps, ou do Lux.
A senhora não terá ainda 50 anos, mas a face é enrugada e sofrida, o cabelo escorrido e desalinhado. Dedicar-se-á, quando não pede esmola no metropolitano, a arrumar carros, a recolher papel, a levantar comida dos programas europeus de ajuda alimentar.
Aproveita a redução do ruído da paragem para apelar à caridade dos passageiros, que precisa de alimentar três filhinhas que se não fossem elas já se teria suicidado.
Será que alguns dos rostos que se fecham ao apelo recordam entrevistas de oferta de trabalho de 200 euros por mês a tempo inteiro?
Sinto a raiva crescer como um liquido a subir por dentro.
De impotência contra a politica dominante de desvalorização do trabalho de uns e da supressão da responsabilidade social da comunidade organizada relativamente aos doentes, aos que sofreram limitações físicas, ou psicológicas, aos que não tiveram pais com capacidade financeira e cultural que lhes garantisse a educação para uma ocupação em atividades rentáveis.
Indigno-me contra o estabelecido pelas grandes instituições financeiras e politicas da união europeia que preferem os indicadores financeiros aos indicadores de bem estar e de igualdade dos cidadãos.
Devíamos estar a produzir, que até o nível do PIB é inferior ao possível. O comboio vai cheio mas o comboio a seguir só vai aparecer daqui a 6 minutos. Há espaço no intervalo para maior produção. Devia haver mais passageiros a transportar, devia haver mais empregos.
É aí que está a causa dos males.
Não está em quem recusa empregos de 200€ a tempo inteiro nem em quem pede esmola no metropolitano.   
Mas os mecanismos formais da democracia são em si mesmos limitadores duma mudança do estado das coisas.
Para o bem e para o mal, com intervenção racional e eficiente ou não de grupos de cidadãos ou de militantes partidários descontentes com a gestão das suas direções, ou apenas por efeito das leis invisíveis e intangíveis que governam todos os fenómenos físicos de conjuntos de entidades e das suas interações de variáveis múltiplas, cujos ciclos ora manifestam uma alternancia negativa, mas depois positiva, havemos de melhorar, não graças aos ditigentes, mas apesar deles.




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