domingo, 29 de dezembro de 2013

o prego



                                           o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano



O meu novo gabinete, amplamente envidraçado, convidava à leitura das revistas que circulavam para atualização técnica, tanto para acompanharmos os últimos desenvolvimentos e as suas aplicações aos metropolitanos do mundo, enquanto esperávamos as verbas para o plano de expansão, como para ficarmos informados sobre as novas técnicas de gestão.
Da obra de ampliação, projetada por um arquiteto do metro neto do fotógrafo Josua Benoliel, do edifício de Keil do Amaral inserido ao fundo do parque Eduardo VII, para instalação do novo posto de comando central da circulação de comboios, transferida de uma apertada sala da estação do Rossio e para beneficiar utilização da informática, resultaram espaços para novas oficinas de manutenção e novos gabinetes.
Na minha memória associo esta mudança ao último caderno de encargos que redigi para aquisição de equipamentos de telecomunicações.
No caso, o sistema de informação sonora nos cais das estações, ou “public-adress”.
Por coincidência, conclui a redação do caderno de encargos na mesma semana em que, por convite da administração, um gabinete de consultores tinha realizado um seminário para “explicar” aos técnicos do metropolitano as ameaças e as oportunidades da empresa. 
Uma das suas recomendações, do consultor, era precisamente a de, centrando as preocupações no cliente e para aumentar a atratividade, equipar as estações com um sistema de informação sonora.
Naquele tempo, os técnicos identificavam falhas e ausências no serviço prestado, estudavam as soluções e propunham-nas às administrações.
Era o método de baixo para cima, ou “bottom-up”, como diziam os consultores, ou simplesmente, como nós dizíamos, uma manifestação particular de uma gestão participativa por mais ou menos objetivos.
De modo que a administração aprovou imediatamente o lançamento do concurso, contente consigo própria por achar que tinha sido sua, a ideia.
Dentre as revistas na minha cesta de entrada, reparei numa revista de gestão que, por preconceito meu, menosprezando a ciência administrativa, raramente eu lia, mas em que na capa daquele número se anunciava um conto, “o prego”.
Talvez que o preconceito tivesse origem na repetição exaustiva de palavras como inovação, adaptação para sobrevivência, competitividade, produtividade, tudo coisas que a mim me parecia terem sido tratadas com mais objetividade e equilíbrio pelos professores da minha alma mater.
A história passava-se numa praia do norte, nos anos 60 da industrialização e da ainda incipiente integração na economia europeia.
Os construtores de barcos de pesca artesanal eram os principais clientes do herói da história, serralheiro forjador, que lhe fornecia os pregos para os cavernames e tábuas dos seus barcos.
Mas surgiam os primeiros barcos de fibra, e os caixeiros viajantes ofereciam pregos mais baratos, devido às grandes quantidades produzidas pelas fábricas, e os construtores de barcos gostavam, até porque os pregos eram muito mais lisos e brilhantes.
Em vão o herói da história explicava que os pregos dele, artesanais, tinham irregularidades que ajudavam a manter unidas as tábuas e a compensar as dilatações.
Mas ninguém o ouvia e o negócio definhou, como se diz agora, a um ponto de insustentabilidade.
Toda a noite a mulher e a filha ouviram o herói da historia martelando e soprando a forja na oficina no rés do chão.
No dia seguinte, quando se levantaram e o foram  chamar, um grande prego, negro e baço, de irregularidades evidentes na sua haste, estava cravado na trave principal da oficina, e dele pendia uma corda de pescador e, já sem vida, o corpo do serralheiro forjador.
Imaginei a autora, que era de uma autora que se tratava, a quebrar a aridez do seu discurso de formadora de gestores, e a criar uma metáfora do que poderia ser um país inteiro.
Lembrei-me da Precix, e mais tarde da Mague, da Lisnave, da Cometna, da Sepsa, da Sorefame, subjugadas pela onda de desindustrialização em que se convertera a integração na economia da Europa.
Daí a uns dias, precisando de comprar umas coisas no grande supermercado de ferramentas e lazer, peguei numa pequena caixa de pregos, negros e baços, com uma etiqueta publicitária: “Inovação: as irregularidades destes pregos asseguram uma melhor fixação das peças”.






o pequenino Sebastião

O pequeno Sebastião era muito determinado.
O tio Filipe tentou demovê-lo, dizendo-lhe que também andava encravado desde que o banqueiro de Augsburgo Fugger tinha deixado de lhe emprestar.
Mas que agora tinha arranjado uns pequenos banqueiros lá na terra, que esse banqueiros arranjassem os empréstimos para lhe emprestar depois a ele, Filipe, e que nunca se meteria numa aventura como a do sobrinho.
Porém, o pequeno Sebastião achava que tinha sido ungido por decreto divino e que ele é que era rei, e repetia "sou rei, sou rei, eu é que sei".
Alguns, com grandes interesses mas iludidos, seguiram-no, ao pequeno Sebastião, até Al-Troika-Kibir.
Outros ainda acreditam no pequeno Sebastião.
Mas eu espero que a maioria não, a ver se melhoramos.

sábado, 28 de dezembro de 2013

Citação de Pedro Burmester

"Tenho receio das pessoas que têm poder e receiam a cultura, ou não a entendem, ou não a acham necessária, ou não a acham vital para o desenvolvimento seja duma cidade, seja dum país, ou até para o bem estar das pessoas" - entrevista ao Expresso de 7 de dezembro de 2013.

Recordo o ar contrafeito de quase todos os membros do atual governo, por serem obrigados a assistir a um concerto de uma orquestra sinfónica, no verão de 2011, numa iniciativa oficial que pretendia disfarçar o desinvestimento na cultura. Liam-se nos seus rostos os sinais da incomodidade de quem se vê numa situação a que não está habituado; no caso, de quem não costumava, e não costuma, ir a concertos sinfónicos.
Melhor que eu, descreve esta triste circunstancia, de sermos governados por uma maioria de incultos, a sabedoria da senhora que assistia a um "reality show" e disse para a reporter: " Eu sei bem que isto não é cultura, mas é disto que gostamos".
É o primeiro passo para resolver um problema, identificá-lo, saber que o governo não gosta ou não entende a cultura.
É um ponto de partida.
E isto não tem nada que ver com ser-se de esquerda ou de direita.



Discurso da dança da chuva

O feiticeiro principal afinou a sua voz bem timbrada e sorriu para a câmara de televisão.
- Graças à dança da chuva que executámos durante todo o ano que passou, surgiram os primeiros pingos de chuva. Posso portanto dizer-vos que as forças meteorológicas se vergaram ao poder dos feiticeiros que comando, do feiticeiro ancião e dos 3 grandes feiticeiros do conselho de tribos da Terra Grande. Por isso vos exorto a continuar a acreditar na dança da chuva.
O povo da pequena tribo ouviu, deixando rolar uma lágrima furtiva pela face triste.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

viagem a Coimbra

o texto seguinte faz parte de umas memórias do  metropolitano






escrito assim, viagem a Coimbra, poderia pensar-se
que o seu motivo seria um dos atributos da cidade; terá sido essa a intenção de Rossini ao escolher o título de viagem a Reims para a sua ópera, que Reims era a cidade de coroação dos reis de França e havia que cumprir a tradição com Carlos X, o da restauração da  monarquia depois da revolução (a todos os ancien regime custa aceitar a mudança definitiva); Rossini teria querido homenagear o monarca, ou escolheu o título como quem, em Portugal, dissesse “uma viagem ao Cartaxo”, já que Reims é a capital do champanhe? é que o tema da ópera é tão fútil…o que  não é o caso desta viagem a Coimbra, escolhida apenas por ser o centro, não propriamente geográfico,  mas cultual do país



A oradora, perante uma assistência de um milhar de pessoas, falava da hesitação que tivera em aceitar o trabalho.
Estranhara a natureza e a extensão.
Como socióloga, especialista de comunicação e consultora de gestão, porém, achara o desafio entusiasmante.                
O ministério dos transportes e comunicações tinha-lhe encomendado uma reunião em Coimbra, do tipo seminário, das administrações e direções de todas as empresas públicas de transportes do país, para discussão e apresentação de propostas de estratégias.
Dois comboios especiais, um de Lisboa e outro do Porto, tinham despejado na estação de Coimbra os participantes, levados depois de autocarro até à sala de congressos do estádio municipal.
Estava-se em dezembro de 2004 e o ministro dos transportes, incensado gestor de empresas energéticas, e o seu secretário de Estado, aplaudido professor universitário ambientalista, queriam dar um toque de gestão empresarial inovadora e competitiva à pesada máquina do setor de transportes.
A oradora expôs o que, como utilizadora, pensava de um sistema de transportes.
Que era a base de uma pirâmide que assim contribuía para o esforço de produção de todo um  povo, e que crescia todos os dias de madrugada, quando as pessoas que produzem começam a sair de casa.
E disse que o que melhor ilustrava isso era a poesia.
Citou Alvaro de Campos, Livro de versos:

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras, 
Acordar da Rua do Ouro, 
Acordar do Rossio, às portas dos cafés, 
Acordar 
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme, 
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono. 

Citou Carlos Oliveira, Quando a harmonia chega:

Acordam pouco a pouco os construtores terrenos,
gente que desperta no rumor das casas,
forças surgindo da terra inesgotável,
crianças que passam ao ar livre gargalhando.
Como um rio lento e irrevogável,
a humanidade está na rua.

A organização tratou de dividir os participantes em grupos à volta das tradicionais mesas redondas de casamento, 8 a 10 por mesa, misturando administradores, gestores, diretores e técnicos sorumbáticos, exuberantes, burocráticos, inovadores, conformados, discretos, ignorantes ou conhecedores da problemática dos transportes, do norte, do centro ou do sul do país.
A todos foi pedido que listassem as ameaças, as oportunidades, as fraquezas e os pontos fortes das empresas públicas de transporte, isto é, os componentes de uma análise SWOT.
O tema do seminário era apenas o das redes de transportes metropolitanos e suburbanos, e o objetivo de comparar as medidas estratégicas do ministério com as emanadas do corpo técnico e de gestão do setor, e assim ficou de fora a questão da rede de alta velocidade, que começava então a ser tratada a nível ministerial com os nossos vizinhos espanhois.
O objetivo do ministério neste seminário era o de recolher medidas a incluir no plano estratégico que começava a delinear-se para todos os modos, que era um objetivo mais vasto, de modo a rentabilizar as discussões com o diretório de transportes da comissão europeia.
Foi pena não se ter realizado um seminário especialmente dedicado ao tema da alta velocidade.
Ter-se-iam evitado os erros do traçado proposto em Espanha, fonte de  estrangulamento do tráfego se vier a ser realizado.
E ter-se-iam compatibilizado  os conceitos do serviço de mercadorias, centrado  na ligação com a região de Madrid e com a fronteira francesa, com o de passageiros, centrado na transferência para a ferrovia de passageiros das quase duas dezenas de ligações aéreas diárias com Madrid, fundamentada na maior eficiencia energética do transporte ferroviário relativamente ao transporte aéreo para a distancia Lisboa-Madrid.
E, por maioria de razão, ter-se-ia evitado o penoso processo de demonstração do erro de localização do novo aeroporto na Ota.
Todos os grupos, beneficiando da diversidade dos seus membros, debateram um leque variado de questões.
Desde a necessidade de reduzir a quota de transporte individual  nas áreas metropolitanas de modo  a beneficiar de economias de energia devido à maior eficiencia energética do transporte ferroviário, de reduzir custos na construção de redes metropolitanas e suburbanas (ainda se acreditava ser possível construir uma boa rede ferroviária entre Coimbra e a Lousã…) , de associar intimamente a politica de urbanização com o planeamento dos transportes, de taxar a entrada no centro das cidades, de fiscalizar rigorosamente o estacionamento, de copiar o sistema contributivo francês do “versement” pago pelas empresas com mais de 9 empregados, de repartir as receitas dos passes em função dos passageiros.km transportados, de aproximar  as receitas operacionais dos custos operacionais, de repercutir as mais valias urbanísticas nas receitas dos metropolitanos…
As gentis assistentes da organização, vestias de vermelho, recolheram as conclusões de cada grupo e foram reunindo num quadro os componentes SWOT de modo a, pouco a pouco, à medida que iam sendo lidas as contribuições, ganharem relevo as medidas estratégicas associadas às oportunidades.
Como se fosse um brinde, o secretário de Estado, ao encerrar os trabalhos, comunicou que o ministério ia financiar um programa de seleção e colocação nas empresas de transportes de 1000 estagiários recem licenciados com as  melhores classificações.
Tive o prazer de trabalhar com alguns no metropolitano de Lisboa, especialmente em tarefas ligadas às expansões da rede do metropolitano, embora não conseguisse convencer as administrações de que a engenharia é uma ideia também para o dia a dia da manutenção, da sua otimização, de melhorias do existente e de análise de perigos, e que portanto o concurso dos jovens licenciados no reforço das áreas das especialidades de engenharia era útil.
Infelizmente o critério de custos, ou talvez simplesmente o da falta de recursos, abafa o da qualidade e o da utilidade da engenharia.
Pese embora a engenharia servir, entre outras coisas, para evitar o desperdício à custa de um investimento.
A maior parte, porém, das medidas discutidas na reunião perderam-se nas vicissitudes de um ministério atribulado, ou diluíram-se tímida e ineficazmente no plano estratégico que o ministério divulgou uns anos depois.
Mas ficou o contacto franco entre técnicos de todo o país.
E a certeza de que é a discutir de forma aberta e participativa, sem condutores de opinião, extraindo  conhecimentos e  experiencia de cada um e de todos, que se encontram as soluções.
Nunca em secretismo e na entrega seletiva a grupos restritos, por mais credenciados que sejam os seus técnicos, do poder de tomada de decisões de soluções concretas.
No comboio de regresso, pensei no verso de Carlos Oliveira “Como um rio lento e irrevogável,a humanidade está na rua”, de como é injusto culpar pelos prejuízos de exploração e de financiamento os trabalhadores destas empresas, que são também a “humanidade na rua”, como os que se levantam cedo para tomar os modos de transporte, e que nada têm de comum, a não ser pertencerem à mesma espécie humana, com os financeiros, uns especulativos, outros dogmáticos insensíveis nas regras que impõem.



quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

memórias, o email para Latifa

 o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano:


email para Latifa
                                                                  


Cara colega

Não resisti a escrever-lhe, depois da nossa conversa casual no refeitório, no meio dos outros colegas que, como a Latifa, estão a frequentar o curso de maquinistas.
Não imagina a satisfação que me deu saber que a Latifa é mulher de Bachir.
Como o mundo é pequeno, ou como se diz agora, encolhendo os ombros ou abrindo um sorriso, conforme as circunstancias, é a globalização.
Bachir, o pequeno Bachir de olhos vivos, nascido em Moçambique, de ascendência paquistanesa, que foi aluno da minha mulher, que tinha boas notas a  matemática e que  um dia lhe pediu insistentemente que ela lhe passasse um papel a atestar que era professora dele e que ele tinha aproveitamento nas aulas.
- Mas, Bachir, esses papeis são passados oficialmente pela secretaria da escola. Para que queres tu o papel?
- Já tenho esse papel da secretaria, para apresentar no serviço de estrangeiros, mas eles levantaram objeções e agora preciso do seu para provar que estou integrado na sociedade, que os meus pais também, e que posso visitar a minha família no Paquistão e voltar sem ser incomodado.
Perante o ar adulto com que Bachir falava, a minha mulher rascunhou o que lhe pediam no computador, imprimiu e deu-lho.
E a verdade é que, daí a uns dias, ele telefonou triunfante a dizer que já tinha o visto para a viagem.
Durante algum tempo depois de sair da escola, Bachir mandou à minha mulher mensagens de Natal e Ano Novo, ele que todos os anos, pelo Ramadão, levava um saquinho de plástico com os fritos festivos e aromáticos da sua família, para repartir com os colegas e os professores da escola.
E agora, pela mulher, volto a ter notícias dele, empresário de sucesso com umaloja de telemóveis e computadores na Almirante Reis.
Eu já tinha reparado em si, Latifa, na forma ligeiramente diferente como se veste, revelando a sua origem islâmica (como lhe ficam bem as calças largas de cores claras, apertadas nos tornozelos), mas bem independente com o cabelo sempre espreitando generosamente no lenço mal apertado, e por estar no curso de maquinistas.
Como eu lhe disse na nossa conversa de há pouco, já desesperava de ver uma mulher a conduzir um comboio do nosso metropolitano.
Fico contente por, tal como na escola com Bachir, não haver aqui no metropolitano qualquer preconceito contra vocês.
E não tem que haver, com ou sem a intervenção americana no Iraque e no Afeganistão, os atentados da Al-Kaeda, o fundamentalismo waabita que proibe as mulheres de conduzir, como se Aisha, a jovem mulher do profeta, e a sua filha, não conduzissem camelos…
Penso que devemos combater o fundamentalismo sem armas, assim como assim, Gandhi e Mandela também ganharam mais sem armas do que com a violência.
É verdade que é difícil convencer um fanático que acha que recebeu uma revelação que manda matar infiéis, mas que confusão, não confundamos ordens de um comandante  militar, que o profeta também era, com ensinamentos para a defesa da paz, que é o significado de Islão, por um chefe religioso.
A guerra santa, nos tempos que correm, é a guerra individual pelo próprio aperfeiçoamento  e a prova, para um crente islâmico, está no próprio Corão, quando diz que mais vale a tinta de um sábio do que o sangue de um mártir.
E há também a proclamação do primeiro presidente do Paquistão, que antes mais é-se cidadão, e depois muçulmano.
É neste tipo de argumentos que devemos insistir para que nos compreendamos e convivamos todos uns com os outros, sem querer a supremacia de nenhum grupo nem forçar ninguém a acreditar no que não quer.
E que nenhum pai obrigue a filha a usar véu se ela não quiser.
Ai  a triste história de Portugal quando expulsou os judeus ou os quis converter à força nos séculos XV e XVI e os perseguiu com a Inquisição.
As riquezas que perdeu…precisamos todos uns dos outros e de cada um.

Salam ulekum, Latifa, salam ulekum (paz contigo).




Email a um concidadão preocupado com o drama dos estaleiros e com os marxistas que empobrecem os trabalhadores

O NRP Figueira da Foz a sair a barra de Viana do Castelo. O "saber como" desenvolvido para os patrulheiros, de que só dois dos oito encomendados originalmente foram construidos, vai perder-se em grande parte; era uma mais valia de engenharia, intangível, mas suscetível de gerar valor acrescentado; é sacrificada em nome dos critérios de mercado e da cartilha das privatizações; um pais em que a engenharia é sacrificada é um país de autonomia limitada; ficam as palavras do comandante do navio: "orgulho-me de comandar um grande navio e uma grande guarnição" 


Caro concidadão

Relativamente ao seu texto publicado no DN em 23 de dezembro, gostaria de lhe apresentar outro ponto de vista sobre os estaleiros de Viana do Castelo, para o que sugiro as seguintes ligações, sobre o Atlântida e sobre os estaleiros:

Basicamente, no caso do Atlântida temos uma empresa do governo regional dos Açores que apresenta aos estaleiros um projeto para executar que adquirira a uma empresa russa e que revelou insuficiências, algumas das quais da responsabilidade da empresa do governo regional mas decisivas para limitar a velocidade do navio.
Quanto ao estado de falência, é conhecida a ofensiva dos estaleiros sul-coreanos no fim do século passado, inundando o planeta com navios mais baratos e de projeto simplificado e mais sujeito a acidentes (ver o caso do Exxon Valdez e do Prestige no caso de petroleiros e do Costa Concórdia em que um rombo com 10% do comprimento do navio o inutilizou). Estaleiros fecharam e os preços subiram dificultando a renovação das frotas.
Entretanto o normativo internacional tornou-se mais exigente, como a obrigação de casco duplo para petroleiros.
Os custos de produção elevados no caso dos estaleiros de Viana foram tmbém provocados pela dimensão das pequenas séries e pela necessidade de desenvolver tecnologia nacional de comunicações aliás de elevado mérito).
De realçar ainda, no caso da má gestão dos estaleiros de Viana do Castelo, que nem sempre a responsabilidade por essa má gestão coube aos gestores. Veio agora a saber-se que a construção do NRP Figueira da Foz esteve parada mais de um ano não por culpa da CGTP nem dos gestores, mas porque o governo não quis inscrever verbas para aquisição de equipamentos para essa construção no orçamento de Estado para 2012 (isto é, há 2 anos). Isto para não falar na anulação “purista” do primeiro concurso para equipamentos para os asfalteiros, e na omissão escandalosa de contrapartidas no caso dos submarinos. Assim, com ordens de cima para estar parado, é difícil a um estaleiro não falir.  
Destaco ainda a recusa sistemática dos governos portugueses, com argumentos jurídicos também “puristas”,  em estabelecer parcerias com estaleiros estrangeiros ou com outros governos, possíveis nalgumas fases do processo com empresas holandesa  (Daiman) e norueguesa.
 E ainda a questão também jurídica dos 180 milhões de euros a devolver a Bruxelas. Com o devido respeito pelo parecer dos juízes da comissão europeia, o princípio da soberania sobrepõe-se ao da concorrência. Qualquer país tem o direito de ter um estaleiro a fabricar material de guerra, como era o caso. E se os juízes acham que o estaleiro tem baixa produtividade (pelos motivos já expostos) talvez recordar-lhes que as costas de Portugal integram as costas da união europeia, a menos que os ditos juízes prefiram que as águas da zona económica sejam patrulhadas por navios de guerra de outras nacionalidades.
Enfim, faço votos que a concessionária dos estaleiros, uma empresa com 380 milhões de euros de passivo, superior em 80 milhões ao passivo dos estaleiros, consiga levar o seu negócio para a frente, embora me pareça que ele vá centrar-se (aliás com mérito), no fabrico de eólicas. Pode ser que os seus gestores façam o que referi acima, parcerias com estaleiros estrangeiros, e que se obtenha valor acrescentado e emprego.
Uma última referencia ao seu texto.
Como marxista que sou (tal como sou adepto das equações de Newton da mecânica clássica, sem prejuízo de acreditar nas equações relativistas de Einstein; há domínios em que se aplicam os critérios de Marx, e há outros domínios em que se aplicam os critérios de economistas mais modernos) ,  posso garantir-lhe que há marxistas a quem não interessa mesmo nada o descontentamento e o empobrecimento dos trabalhadores.
São aliás conhecidos os textos de Marx propondo a colocação dos benefícios devidos ao aumento da produtividade resultante do progresso das tecnologias ao serviço do bem estar dos trabalhadores.
Se economistas de outras escolas e o poder político e financeiro se encarregam de orientar as coisas no sentido contrário, parecerá que a culpa não é de Marx, que aliás deixou escrito críticas às experiencias que no seu tempo foram feitas em nome do marxismo.
E não esqueçamos a politica da nova economia de Lenine, que foi tudo menos destruir o que existia, antes aumentar a produção e não destrui-la.
Infelizmente, a experiencia soviética correu  mal.
Infelizmente também, na nossa atualidade, a política da terra queimada e da destruição dita “criativa”, amesquinhando e desmerecendo no trabalho que os velhos como eu foram desenvolvendo ao longo da sua vida ativa em empresas públicas, é que me parece, pelo contrário, estar a ser desenvolvida pelos decisores que nada têm de marxistas.
Sinceramente, não creio que o objetivo do marxismo seja a destruição da cultura e da civilização ocidental (nem de qualquer cultura ou civilização que respeite a declaração universal dos direitos humanos). Nos tempos que correm, acho que devem conviver modos de pensar diferentes. Mas que esses modos de pensar diferentes devem respeitar  a referida declaração, isso acho que sim, que devem.

Os meus melhores cumprimentos




  


segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Empresas públicas gastam 368 milhões em suplementos




Ao  DN


V/noticia de 2013-12-22, página 32, “Empresas públicas gastam 368 milhões em suplementos”


Em primeiro lugar, desejo deixar bem claro que a notícia referida é factual e reporta corretamente e de forma esclarecedora o facto da DGTF ter elaborado um relatório sobre as componentes  remuneratórias  para além do vencimento dos funcionários públicos e das empresas públicas.
É positivo que se faça este tipo de relatórios e que os respetivos dados sejam disponibilizados publicamente.
Qualquer correção do que quer que seja exige que se disponha de dados fiáveis e, de uma forma geral, estes parecem sê-lo.

No entanto, penso que o DN faria bem em voltar ao tema por duas razões:

1 - porque a redação do título e do sub-título e a utilização de alguns termos induzem no leitor, mesmo que sub-liminarmente, a ideia que o Estado e as empresas públicas são gastadoras do dinheiro dos contribuintes desperdiçando-o em pagamentos de regalias aos funcionários, que são assim privilegiados relativamente à restante população;

2 - porque os factos relatados são apenas parte da verdade, faltando esclarecimentos importantes para o leitor apreender o problema em toda a sua extensão

Relativamente à razão 1, pode dizer-se que o “marketing” do governo atual inclui a descredebilização dos funcionários públicos, como elemento justificador da redução do peso do Estado e das suas funções, o que, por sua vez, enforma o núcleo da sua ação política.
Igualmente faz parte desse “marketing” a criatividade aplicada a medidas que facilmente põem portugueses contra portugueses, como sejam empregados do setor privado contra funcionários públicos, funcionários públicos de menores rendimentos contra funcionários públicos de maiores rendimentos, trabalhadores do ativo contra pensionistas.
Aliás, esta prática foi claramente explicada por Maquiavel.
Neste sentido, insinuar, ou deixar que sub-liminarmente o leitor associe os 368 milhões de euros dos “suplementos” das empresas públicas à necessidade de fazer cortes de igual valor ou nas pensões ou no que quer que seja que os contribuintes tenham de pagar para satisfazer os requisitos da troika e do governo atual, parece-me indigno.
Penso que nesta altura de crise tem interesse recordar que nem sempre o salário dos funcionários públicos e de empresas públicas foi superior ao dos funcionários do setor privado. E seria bom notar que esse facto se traduz também no cálculo das pensões.

Relativamente à razão 2, penso que será importante centrarmo-nos nos seguintes factos:

1 – todas as remunerações para além do vencimento base foram objeto, na definição dos seus valores unitários e dos seus limites, de negociação em contratação coletiva. Donde, os pagamentos feitos decorrem de um contrato entre empresas e prestadores de trabalho, pelo que a sua cessação implicará a renegociação do contrato entre as duas partes.  Não se contesta a redução futura dos pagamentos, mas não deverá ser um corte cego, mas sim resultado da renegociação dos contratos. Não se contesta a recomendação de reduzir o número de tipos de remunerações suplementares, mas salienta-se que o vencimento base deverá ser suficiente para evitar o recurso a “subsídios” disto e daquilo, o que aconteceu no decurso dos anos pelas razões do ponto seguinte

2 - todas as remunerações para além do vencimento base, à exceção, julgo, das diuturnidades, não contam para o cálculo da pensão de reforma. Por esse facto, constituem uma forma de remunerar de uma forma mais ou menos justa num determinado momento,“poupando” nos encargos da segurança social ou das aposentações no futuro. Por este motivo, quanto mais se tiver gasto em remunerações extra, mais se terá poupado no cálculo das pensões

3 – no caso das horas extraordinárias, é comum as pessoas que não tiveram de lidar com o problema nas frentes de trabalho considerarem que a prestação de trabalho extraordinário poderia ser evitada mediante a admissão de mais trabalhadores. Nuns casos sim, mas na maioria não, e é evidente que a baixa de produtividade seria grande se se procedesse a essas admissões. Isto é, não podemos condenar uma prática por gastadora, se o que ela evita for mais gastadora.  

4 – a isenção de horário de trabalho, apresentada na notícia como uma regalia ou privilégio, é na verdade uma forma de reduzir o número de horas extraordinárias; no caso de ser necessário prolongar o turno até um determinado limite, o trabalhador não recebe mais por isso

5 – a “disponibilidade permanente”, apresentada também como uma regalia, tem o mesmo fim da isenção de horário de trabalho, sendo certo que a produtividade seria muito baixa se se previssem turnos de permanência no local de trabalho. Agora basta imaginar os prejuízos que poderão decorrer da interrupção de um serviço (equipamento hospitalar, transporte público…) se não existisse esse turno ou se não estivesse contratada a “disponibilidade permanente”

6 – relativamente aos 81 milhões dos complementos de reforma convem referir que, para alem estarem previstos na contratação coletiva desde 1973, e portanto serem legais,  seu volume resulta duma política sistemática das empresas de propor reformas antecipadas para diminuir os encargos com o pessoal

7 – especificamente no setor dos transportes, por ser o que conheço, para avaliar o peso dos suplementos, desejo referir dois casos típicos de vencimentos base e de remunerações totais: Um eletricista em meio de carreira tem um vencimento base  mensal de cerca de 1155 euros brutos.  É verdade que recebe vários subsídios, de refeição, de turnos, de assiduidade, de telefone de emergência, o que dá um ordenado mensal de 1906 brutos; notar que os  valores dos subsídios não entram para o cálculo da pensão de reforma. Notar ainda que um erro de ligações de um eletricista de sinalização ferroviária pode provocar um acidente grave. É natural que a função exija qualificações profissionais e que profissionais qualificados tenham remunerações mais elevadas do que a média, sendo evidentemente desejável conter a abertura do leque salarial.
Um maquinista no nível anterior ao máximo tem um vencimento bruto de 1362 euros. Com os subsídios que também não contam para o cálculo da reforma, atinge 2812. Dirá que os subsídios de quilometragem e de agente único são muito generosos, mas, dada a monotonia e o desgaste da condução, a falta de sistemas automáticos de controle de velocidade que permitam corrigir eventuais falhas de atenção, e a necessidade de exames médicos eliminatórios por razões de segurança, obrigando a reformas antecipadas, justificarão a responsabilidade exigida. Notar que um erro de condução pode originar um acidente grave. Veja-se o caso do acidente em Nova York de 1 de dezembro: regras laborais muito flexíveis quanto a mudança de turno, grandes tempos de condução, poucos dias de férias, perda de poder de compra ao longo dos anos, desinvestimento em sistemas de segurança… é perigoso “poupar” nestas coisas da segurança, quer em pessoal quer em equipamentos e isto não é apreendido por quem faz contas apenas aos milhões que “se gastam”.

8 – ainda no setor dos transportes, desejo referir outros dois casos típicos no metropolitano de Lisboa, agora  relativos ao corte dos complementos de reforma: um reformado, engenheiro, de 80 anos de idade e 38 anos de descontos, cuja soma da pensão da segurança social mais o complemento de reforma contratado é de 2000 euros , passar a receber 1000 euros (valores brutos), ou um eletricista reformado (46 anos de descontos) que recebia 1400 passar a receber 700 (valores brutos).
Eu penso que é uma barbaridade, poucos terão sido tão penalizados, em percentagem,  nesta crise que vivemos. Se há pouco dinheiro, impõe-se uma melhor repartição dos sacrifícios


 Nota final – não se pede que se publique o texto acima, que peca por excessivo, provavelmente porque a realidade que ele pretende retratar seja complexa, apenas se exprime a opinião de que ficaria bem ao DN esclarecer, no seguimento da notícia, que todos os suplementos referidos fazem parte de contratos que, a serem renegociados, o deverão ser pelas duas partes, e que muitos dos suplementos ou dizem respeito ao funcionamento regular das empresas, ou foram implementados para conter custos.

Os meus cumprimentos



A diaspora dos portugueses de topo ou de influencia

Não querendo ser mal agradecido para com o esforço do conselho da diáspora portuguesa e com toda a consideração pelo valor intelectual dos seus membros, salvo melhor opinião não é de portugueses extraordinários e "de influencia" que precisamos. 
É de portugueses normais, como todos nós, a trabalhar nos seus empregos.
Portanto, do que precisamos é de acabar com o desemprego, mas para isso é preciso haver vontade política, que não há, por mais declarações contristadas que os senhores que mandam façam.
Do que precisamos não é de fechar empresas como os estaleiros de Viana e a Siemens do Sabugo.
Como se sabe (lei de Philips), desemprego elevado reduz a inflação, que é uma das diretrizes da união europeia e deste governo.
E o desemprego combate-se com medidas que os senhores que mandam não querem aceitar e que já têm sido propostas internamente por portugueses normais, desde o congresso das alternativas, à plataforma para o crescimento sustentável, à auditoria cidadã à dívida e aos particulares que as têm expresso em livros e na blogoesfera.
Mas acho bem que os senhores "de influencia" exponham as suas ideias, e que elas sejam divulgadas.
De preferência, que façam em Portugal como a diáspora irlandesa nos USA faz na Irlanda, financiando investimentos.
Fico a aguardar.

PS em 25 de dezembro:  entretanto, e insistindo que não devemos desmerecer nos portugueses de topo e de influencia e no seu trabalho e até colaborar com eles no que estiver ao nosso alcance (que é pouco), dedico-lhes os poemas de Golgona Anghel, já aqui falados, porque me choca olhar para a história e ver um povo sistematicamente usufruido pelas classes dominantes, tenham sido nobreza, clero, armadores do tempo dos descobrimentos, negreiros, cavalheiros de industria:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/06/como-uma-flor-de-plastico-na-montra-de.html
               

Rumo a Bizancio e Quando fores velha , de William Butler Yeats



RUMO A BIZÂNCIO
I
Este país não é para velhos. Jovens
Abraçados, pássaros que nas árvores cantam
- essas gerações moribundas -
Cascatas de salmões, mares de cavalas,
Peixe, carne, ave, celebrando ao longo do Verão
Tudo quanto se engendra, nasce e morre.
Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam
Os monumentos de intemporal saber.
II
Um velho é coisa sem valor,
Um andrajo apoiado num bordão, a não ser que
A alma aplauda e cante, e cante mais alto
Cada farrapo da sua mortal veste.
Nem há escola de canto somente o estudo
Dos monumentos de seu próprio esplendor;
Por isso cruzei os mares e cheguei
À sagrada cidade de Bizâncio.

III
Oh, sábios que estais no sagrado fogo de Deus
Qual dourado mosaico sobre um muro,
Vinde desse fogo sagrado, roda que gira,
E sede os mestres do meu canto, da minha alma.
Devorai este meu coração; doente de desejo
E atado a um animal agonizante
Ele não sabe o que é; juntai-me
Ao artifício da eternidade.

IV
Da natureza liberto jamais de natural coisa
Retomarei minha forma, meu corpo,
Mas formas outras como as que o ourives grego
Em ouro forja e esmalta em ouro
Para
que o sonolento Imperador não adormeça;
Ou em dourado ramo pousado, cantarei
Para damas e senhores de Bizâncio
Cantarei o que passou, o que passa, ou o que virá
(tradução: José Agostinho Baptista)

.
QUANDO FORES VELHA
Quando fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando junto à lareira, toma este livro,
Lê-o devagar, e sonha com o doce olhar
Que outrora tiveram teus olhos, e com as suas sombras profundas;
Muitos amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas apenas um homem amou tua alma peregrina,
E amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada sobre o ferro incandescente,
Murmura, com alguma tristeza, como o Amor te abandonou
E em largos passos galgou as montanhas
Escondendo o rosto numa imensidão de estrelas.


Os velhos de Alexandre O'Neill

OS VELHOS

Em suma: somos os velhos,
Cheios de cuspo e conselhos,
Velhos que ninguém atura
A não ser a literature.

E outros velhos. (Os novos
Afirmam-se por maus modos
Com os velhos). Senectude
É tempo não é virtude…

Decorativos? Talvez…
Mas por dentro “era uma vez…”

Velhas atrozes, saídas
De tugúrios impossíveis,
Dispararam, raivoso, o dente
Contra tudo e toda a gente.

Velhinhas de gargantilha
Visitam o neto, a filha,
E levam bombons da crème
Ou palitos “de la reine”.

A ler p’lo sistema Braille
— Ó meus senhores escutai! —
Um velho tira dos dedos
Profecias e enredos.

Outros mijam, fazem esgares,
Têm “poses” e vagares
Bem merecidos. Nos jardins,
Descansam, depois, os rins.

Aqueloutros (os coitados!)
Imaginam-se poupados
Pelo tempo, e às escondidas
Partem p’ra novas surtidas…

Muito digno, o reformado
Perora, e é respeitado
Na leitaria: “A mulher
É em casa que se quer!”

Velhotes com mais olhinhos
Que tu, fazem recadinhos,
Pedem tabaco ao primeiro
E mostram pouco dinheiro…

E os que juntam capicuas
E fotos de mulheres nuas?
E os tontinhos, os gaiteiros,
Que usam cravo e põem cheiros?

(Velhos a arrastar a asa
Pago bem e vou a casa.)

E a velha que se desleixa
E morre sem uma queixa?
E os que armam aos pardais
Nessas hortas e quintais?

(Quem acerta co’os botões
Deste velho? Venha a cidade
Ajudá-lo a abotoar
Que não faz nada de mais!)

Velhos, ó meus queridos velhos,
Saltem-me para os joelhos:
Vamos brincar?

                              Alexandre O’Neill 


domingo, 22 de dezembro de 2013

a manifestação e a manifesta falta de instalações sanitárias públicas nas estações de metro – memórias de 2008





Há um tipo de óperas que levanta grandes dificuldades para os seus encenadores.
São as que utilizam as multidões como personagens principais ou, pelo menos, decisivas.
São óperas que concentram a ação no coletivo, ao invés de muitas delas, em que são mais evidentes os dramas individuais.
Por exemplo, as óperas de Verdi, com intenção de participar no movimento da unificação italiana, como Nabuco, ou até as que aparentando dar mais relevo às personagens principais, como o Rigoletto ou o Baile de Máscaras, dão um papel crucial aos grupos de aristocratas organizados em grupos de interesses económicos ou de poder.
Ou as de Mussorgsky, Boris Gudonov e Kovantchina, e até os Fígaro de Rossini e de Mozart, com o seu contraste agressivo entre o aristocrata e o grupo de camponeses ou de desempregados.
Não que eu queira incensar os objetivos dos movimentos da multidão só por si mesma. Também não tenho grande fé numa razão que ilumine o caminho a seguir.
A racionalidade humana fica muitas vezes para trás, com a emoção a transformar a ação como num movimento de moléculas colidindo com as paredes do seu recipiente. É então que ficamos dependentes da famosa lei da entropia, auto regulando qualquer sistema isolado de  modo a atingir o equilíbrio no desordenamento máximo.
E contudo, devemos utilizar a razão, para tenta virar um pouco esse estado de desordenamento em nosso favor.
Em nosso favor, da generalidade dos cidadãos e cidadãs, claro, não de minorias.

Nisso pensava eu enquanto a manifestação arrancava, descendo a avenida da Liberdade.
O governo e a crise internacional e nacional tinham posto de acordo grandes faixas da nossa população.
Como causa próxima, a politica de desacreditação de professores, médicos, enfermeiros, funcionários públicos, e de fecho de hospitais, escolas e serviços púbicos, na mira de poupanças nas despesas públicas com a educação, a saúde e a segurança social.
Dir-se-ia que perante esta situação, se impunha uma análise quantitativa.
De que resultaria, por exemplo, depois de trabalhar as fórmulas do produto interno bruto de modo a eliminar os termos públicos, uma fórmula-chave para a resolução da questão: o saldo orçamental de um país é igual à soma de duas diferenças; uma é a diferença entre os investimentos privados (eventualmente acrescidos das transferencias de fundos estratégicos comunitários) e as poupanças também privadas; a outra é  a diferença entre as exportações e as importações.
Seria então desejável que as palavras de ordem da manifestação fossem as de reivindicar mais investimento em detrimento das poupanças e mais exportações em detrimento das importações.
Mas não, são outros os conceitos, mais emotivos, talvez, que mobilizam as pessoas.

Dado que era grande a afluencia de manifestantes, houve um momento em que, numa paragem forçada da marcha, o setor em que eu estava se encontrou com um grupo de militantes do comité central do partido comunista português.
O meu amigo sindicalista ativo no metropolitano sentiu-se na obrigação de me apresentar ao secretário geral como o engenheiro que a comissão de trabalhadores consulta muitas vezes e que nos faz uns cálculos de vez em quando para darmos mais força às reivindicações ou para responder á administração.
O secretário geral era de facto uma pessoa de estabelecimento fácil de empatia.
Garanti-lhe que o problema dos transportes era a excessiva dependência da economia do petróleo e do imposto sobre os produtos petrolíferos que tolhia o investimento nos transportes ferroviários, de maior eficiencia energética que o transporte individual.
Que era um problema os decisores não estarem sensibilizados para a necessidade de evitar o desperdício que todos os dias se faz com o transporte individual e a estrutura disforme urbanística, com o centro das cidades a desertificar e a degradar-se e as zonas suburbanas como dormitórios.
E que daqui não se consegue sair sem a aplicação dos fundos comunitários estratégicos.
O secretário geral apreendia bem os conceitos e fazia observações inteligentes.
Falámos da ameaça que já se desenvolvia de privatização das empresas públicas de transporte, apresentada como solução dos seus défices crónicos, apesar de algumas experiencias desastrosas em Inglaterra, na Alemanha e na Bélgica, e de se saber que o principal da dívida se refere aos investimentos para a construção das redes que devem ser considerados como contas públicas e não contas da empresas.
E lancei-me numa dissertação sobre o azar histórico de não existirem no tempo de Marx as tecnologias que hoje estão disponíveis e que permitiriam, por exemplo, evitar as experiencias de centralização excessiva.
Graças à informática, à miniaturização do processamento eletrónico e às telecomunicações a inteligência distribuída é agora possível e pode ser utilizada como ferramenta essencial da democracia direta, da democracia participativa.
Talvez que a disponibilidade de tecnologias desenvolvidas tivesse permitido ao engenheiro Palchinski, consultor do desenvolvimento industrial, petrolífero e mineiro dos primeiros tempos da união soviética, criador dos princípios de análise de fracassos e sua correção e vítima do estalinismo em 1928, evitar o desvio da economia da união para a restrição inadmissível dos direitos humanos.
Talvez que uma das causas da fragilidade da economia portuguesa seja o pouco peso da engenharia nas decisões.
O secretário geral ouvia encantado a tese de que não são só os modos de produção e os modelos da sua posse que condicionam o processo histórico, mas que, ultrapassados os determinismos de um conceito científico pré-quantico e pré relativista, as tecnologias desempenham um papel importantíssimo na organização da sociedade.
Mas um militante aproximou-se correndo e requisitou a sua presença para análise, formulação dialética de tese e antítese e proclamação da síntese sobre outras questões momentâneas noutro local da manifestação. 
Chegados ao Terreiro do Paço, a comissão organizadora, pluralista, fez aprovar a moção a entregar ao governo e entoou-se o hino nacional.

No grupo de professoras da minha mulher, punha-se um problema comezinho.
As instalações sanitárias dos cafés e pastelarias da zona estavam com filas repletas de pretendentes ou inacessíveis aos manifestantes.
As estações de metropolitano do Terreiro do Paço e da Baixa Chiado também não tinham, aliás de há muito, as instalações sanitárias em serviço público.
E esta é mais uma das manifestações do alheamento da realidade por parte dos decisores portugueses.
Sentem que o voto legitimou a forma como pensam todas as questões, ou como os políticos eleitos delegaram nos administradores, atribuindo-lhe o carater divino que Bossuet atribuiu aos monarcas absolutistas.
Ou não pensam, porque não vão a manifestações e não sentem a necessidade de utilizar as instalações sanitárias públicas em ambiente de multidão.
Será um conceito angelical dos cidadãos e cidadãs, mas a verdade que é que no século XIX havia essa preocupação, desenvolveram-se modelos de instalações sanitárias públicas.
Na verdade, essa preocupação já existia no tempo dos romanos, é ver os vestígios em Conímbriga ou lembrarmo-nos da discussão entre Vespasiano e Tito sobre o imposto sobre as latrinas.
Agora não, fecham-se instalações sanitárias para economia de custos operacionais e de pessoal.
As experiencias feitas em Portugal com equipamentos de utilização  mediante moedas ou fichas de aquisição em máquinas de aceitação de moedas , notas ou cartão de débito também acabam por não resultar devido às preocupações de economia com a manutenção. 
Ou estaremos simplesmente perante mais um exemplo de vivermos sistematicamente abaixo do que poderíamos lucrar se fizéssemos os investimentos certos, se conseguíssemos sair da armadilha da pobreza que reduz o rendimento dos investimentos.

De modo que, regressado à rotina profissional, desenvolvi um pequeno estudo com recurso aos especialistas internacionais de equipamentos na via pública.
Os representantes  da IB Des eaux, multinacional com toiletes automáticos (APT – automatic public toilet) nos USA e resto do mundo, forneceram-me elementos para a contabilização de custos e benefícios e o acesso ao World Toilet Summit, onde pude ler uma experiencia interessantíssima na Índia, em que as pessoas eram pagas para utilizar os equipamentos de onde depois se retiravam os resíduos para fertilizantes, da     mesma maneira que os óleos usados dos restaurantes eram aproveitados para o fabrico de biodiesel.
O estudo incluía os benefícios decorrentes de evitar a propagação de doenças por urina ou defecação em lugares de passagem do público.
Juntei fotos de utilizadores do metro na estação da Baixa, servindo-se das grelhas de ventilação (horror, lançando as bactérias no ar) ou dos seus vestígios nas caixas fechadas dos elevadores (mais tarde substituidas por portas envidraçadas).
Calculei os custos das remodelações de instalações sanitárias em 14 estações (as mesmas, para chamar a atenção da administração para o problema, que não cumpriam as normas de acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida).
Comparei com as receitas mediante acesso por moeda, notas ou cartão de débito, estimando, para as 14 estações, 180.000 euros por ano, admitindo 3.000 utilizações diárias e 20 centimos por utilização.
E, mais importante do que isto, contabilizei o valor dos resíduos, isto é, o valor comercial do amoníaco e compostos azotados para fertilizantes que poderiam retirar-se da urina produzida pelos utilizadores, numa estimativa anual de 4 m3 de ureia e 6 m3 de fosfatos e amónia.   
O investimento era rentável se considerássemos um agravamento de apenas 5% nos custos de pessoal e consumíveis das operações de limpeza nos contratos externos de limpeza das estações, e de 2% nos custos de operação do pessoal afeto às estações.
Enviado o estudo à administração, José Sancho e eu recebemos com curiosidade a visita de Ivo Casais.
Mas ele não vinha tratar do plano de remodelação, abertura ao público  e rentabilização das instalações sanitárias das 14 estações.
Nem tão pouco aprofundar o conhecimento sobre o plano de adaptação das estações às pessoas com mobilidade reduzida.
Vinha verificar in loco quantos arquitetos estavam nos seus gabinetes.
Quis saber o que faziam e que trabalho tinham distribuido.
Garanti-lhe que quando chegasse ao seu gabinete teria no seu email um quadro Excel com a atividade solicitada e em execução dos arquitetos (era verdade, eu tinha um quadro Excel com o registo de toda a atividade dos técnicos meus colaboradores) e que grande parte tinha de ser exercida nos locais de intervenção, como até era o caso naquele momento da estação do Campo Grande, em que a remodelação das instalações sanitárias teve mesmo de avançar integrada no conjunto das alterações motivadas pela construção da sede de uma grande operadora de telecomunicações mesmo ao lado da estação.
Não teve seguimento a proposta das instalações sanitárias, nem da acessibilidade das pessoas com mobilidade reduzida.
Mas em contrapartida, a minha colega dos recursos humanos recebeu instruções da administração para implementar o sistema de controle de ponto para todos os técnicos licenciados de engenharia e de arquitetura.


Referencias:
- teoria do fracasso de Palchinski – “Adapte-se” de Tim Harford, editorial Presença, 
                                                                                                                   capitulo 1.7
- valor económico dos toiletes públicos -        
                                         http://www.slate.com/id/2195071/?GT1=38001


As mortes no mar





Perante a tragédia de 15 de Dezembro, com a morte de 6 jovens na praia, Ferreira Fernandes, cronista no DN, escreveu que preferiria ter guardado silencio, e que só o quebrou para protestar contra o “nojo” de alguns comentários na internet.
É verdade, alguns comentários foram nojentos pela falta de solidariedade com o sofrimento de outros.
De referir que, do ponto de vista psicológico, é imperioso que se manifeste ao sobrevivente e aos familiares dos desaparecidos que o que lhes aconteceu podia ter sucedido a qualquer um, que são acidentes que podem acontecer a qualquer pessoa e que não devemos culpar as vítimas.
No entanto, discordo de Ferreira Fernandes quanto ao silencio.
Foi um acidente, e os acidentes devem analisar-se, numa tentativa de evitar a sua repetição ou, pelo menos, de atenuar as consequências. Não devem ser deixados em silencio. Penso que deveria dispensar-se o sensacionalismo e a dramatização das notícias e a busca de explicações como a da “onda cavaleira”, que corre o risco de ser entendida pelas pessoas como uma justificação do tipo “foi um azar”. Todas as ondas são cavaleiras. Todas devem ser consideradas como perigosas, é essa a cultura da segurança.
Acresce que neste dezembro de 2013 tivemos mais dois acidentes fatais com pescadores artesanais e desportivos: duas mortes ao largo de Olhão no dia 9 e 6 mortes ao largo da Costa da Caparica no dia 21; em novembro um morto no naufrágio de uma embarcação de pesca desportiva no Baleal;  em outubro 3 mortes no naufrágio de uma traineira na Figueira da Foz; em julho 1 morte no naufrágio de uma embarcação de pesca artesanal
na Torreira/Aveiro.
A maior parte destes acidentes estão relacionados com o aumento da força das marés devido à maior proximidade da lua relativamente à Terra.
Fazendo uma análise de riscos relacionando a  probabilidade de ocorrência de um acidente com a gravidade das suas consequências, como se ilustra no gráfico abaixo, deve começar-se, no caso dos arrastamentos de pessoas na praia, por fazer a estatística desses casos:

2013 – Dezembro, Costa da Caparica – 6 jovens
            maio, Nazaré – dois turistas franceses, marido e mulher
            abril, Cabo Carvoeiro – uma turista belga
2012 – abril, Matosinhos – duas pessoas, avó e neto de 8 anos
2011 – Fevereiro, Madeira - duas jovens           
2009 – Março, Matosinhos – uma criança de 4 anos

Notar que são casos muito bem definidos, de arrastamento de pessoas que se encontram na praia, diferentes dos casos de afogamento durante o banho no verão.
O arrastamento por ondas tem maior probabilidade em períodos em que a lua está mais próxima da Terra, aumentando a força das marés, do equinócio de setembro ao equinócio de Março, com agravamento no solstício de Dezembro.
No caso da Costa da Caparica a proximidade da lua cheia e da hora de maré cheia agravou a situação. Igualmente a existencia de declives acentuados ou fundões devidos à maior pressão das marés leva a que as ondas rebentem mais perto da praia do que no verão, em que os fundos são mais próximos da horizontal.
Todas as pessoas que frequentam as praias ou o mar devem ser avisadas pela polícia marítima que nestas alturas o mar é ainda mais perigoso, tal como nos estuários, em que a força da vazante é maior (também neste caso de nada serve à pessoa ter pé dada a força de arrastamento).
Temos que em 5 anos houve 6 acidentes de arrastamento e 14 mortes.
Considerando os acidentes com duas ou mais mortes, classificados como “catastróficos” teremos 4 acidentes em 5 anos, ou 1 acidente de 15 em 15 meses, ou cerca de 0,9 x 10-4  acidentes por hora (classificado como “ocasional”).
Entrando com este valor no gráfico até encontrar a linha “acidente catastrófico com várias mortes” obtem-se uma zona de classificação “intolerável”.
 
Curvas de representação arbitrada da matriz  gravidade-frequência  para determinação do nível de risco de um acontecimento
De acordo com os normativos, a autoridade responsável deve tomar medidas para diminuição do risco, mesmo que, como é o caso, se trate de acidentes com causas naturais de dificil controle.
Nestas condições parecerá, tal como o presidente do instituto de náufragos e os capitães de portos já afirmaram, que é na prevenção e na informação que se deverá atuar.
Divulgando medidas de segurança por todos os meios, da televisão a cartazes nos acessos às praias (recordo que no Japão, para emissão de avisos de maremotos, existem alti-falantes junto das praias perto de povoações) que deve  manter pelo menos 20 m de distancia à zona da areia molhada, e que as piores alturas são as de maré cheia perto da lua nova e da lua cheia, de setembro a março,
E eu acrescento que também deverá desenvolver-se a fiscalização do incumprimento de regras de segurança por parte da policia marítima, apesar do imbróglio jurídico alimentado pelos ministérios da defesa e da administração interna, cujos titulares não têm experiencia destes assuntos nem habilitações para poderem avaliar as informações que lhes são prestadas pelos colaboradores.
É essencial envolver a policia marítima nesta prevenção. A Marinha conhece melhor estes assuntos do que burocratas de ministérios ou de autoridades.
Veja-se esta foto.
 
regra básica não cumprida: nunca estar num pavimento molhado quando o mar está agitado; a publicação desta imagem deveria merecer repúdio por parte de quem a publicou
Não é admissível que um cidadão esteja a admirar o mar num molhe que tem vestígios de ondas. Não vamos culpar o cidadão. Vamos desenvolver a cultura da segurança. Antes de ser obrigatório o cinto de segurança nos automóveis o seu uso era comummente menosprezado. E é essencial.
No caso dos naufrágios de pescadores, notar que é raro as vítimas usarem colete de segurança ou vestuário adequado (a evitar botas de cano alto). Não é admissível. No caso dos pescadores de Olhão, não foi recebida nenhuma mensagem de alarme de baliza automática EPIRB nem de rádio VHF.
A polícia marítima deveria poder fiscalizar isto. Notar ainda que em caso de falha do motor, barcos de boca aberta, não cabinados, dificilmente resistem a ondas de rebentação, atravessando-se.
Nestes casos faz falta formação sobre técnicas específicas, como o uso de ancoras flutuantes. Igualmente é essencial fiscalizar a lotação homologada.

Infelizmente, depois de amplo tratamento jornalístico dos acidentes, deixa-se de se ouvir falar neste problema.
Não são publicamente debatidas as causas nem as medidas de prevenção.
E deste modo é difícil melhorar as estatísticas.




The indian queen de Henry Purcell

Graças ao canal Mezzo, assisto à retransmissão da "semi-ópera" "The indian queen" de Henry Purcell levada à cena em Madrid, em novembro de 2013.
Apesar da crise e dos assaltos à cultura, o Teatro de Madrid realizou, de colaboração com as óperas de Perm (Russia) e a English National, uma versão adaptada ao texto de Rosario Aguilar, escritora nicaraguense, em "La niña blanca e los pajaros sin pies" ("Lost chronics of Tierra Ferma").
(eu penso que o teatro de S.Carlos tambem podia fazer co-produções mais ousadas do que as que faz, e suscetiveis de algum retorno através de venda de direitos e de apresentação em salas maiores como o Coliseu; porém não culpo a sua administração, mas antes a desastrosa e inculta politica do governo).

Desconhecia a ópera de Purcell (século XVII), que a deixou incompleta. Ela baseava-se numa peça de um autor contemporaneo descrevendo a luta entre maias e aztecas, representados pelas suas duas trainhas, provavelmente numa alusão à guerra entre Isabel I e Maria Stuart.
Vem à ideia "O Guarani" de Carlos Gomes, sobre o heroi indio brasileiro, com  seu romance com fidalga portuguesa, ou a rocambolesca "A africana" de Meyerbeer (a tal que esteve para ser apresentada na Expo 98 mas como Vasco da Gama não fazia grande figura na sua paixão pela escrava negra, a ideia foi abandonada).
Não tendo tratamento operático, vem-me também à ideia a figura retratada no livro "Escravos e traficantes no império português" de Arlindo Manuel Caldeira, a escrava angolana que se tornou fidalga e senhora de um grande negócio de tráfico de escravos até à sua morte em 1848, Ana Francisca Ferreira Ubertali.  

O encenador Peter Sellars "colou" a musica de Purcell a bailados e ao texto da novela que trata do contacto entre espanhois, maias e aztecas do ponto de vista da rainha maia Teculihuatzin e da sua submissão, e do heroi Tecun Uman, ao conquistador Pedro Alvarado.
Resultou assim uma homenagem aos povos colonizados e uma proposta de reconciliação e de progresso comum.
Mais uma vez a ópera como fator de intervenção politica,chamando a atenção para as atrocidades históricas que sucessivamente se vão cometendo.

http://www.teatro-real.com/en/espectaculos/1771








sábado, 21 de dezembro de 2013

O nosso teatro Apolo

Escrevo apenas para relembrar que tambem temos um teatro Apolo. Não o que desapareceu do Martim Moniz, mas o nosso Conservatório de Música.
Em que partes da estuque do teto já cairam, como no caso do teato Apolo de Londres.
A água infiltra-se por falhas do telhado e acumula-se no teto falso.
O gesso dá-se mal com a água e o estuque cai.
Segundo a notíca da BBC, foram cerca de 10 m2 do gesso ornamental do teto que cairam, arrastando tábuas de suporte, luminárias e uma parte do murete do bacão.
Ainda bem que ninguem morreu, mas parece-me inadmissivel que, semelhantemente à maneira portuguesa, pessoas com responsabilidade na área tenham vindo dizer que foi um caso isolado e que a segurança estava garantida em todos os teatros.
Não é, neste caso, um problema estrutural, é um problema de impermeabilização.
A solução implica custos de inspeção e de manutenção.
Que são custos muito fáceis de cortar por quem acha que estes são casos isolados.
detritos do abatimento de parte do teto falso no teatro Apollo de Londres,  foto no site da BBC

No nosso conservatório, o problema é ainda mais grave porque a politica cultural do atual governo é de cortes cegos. Para alem das infiltrações de um telhado degradado, a própria estrutura dos balcões da sala principal ameaça ruína.
Pena, os critérios de hierarquização das prioridades que temos, no nosso país.


PS em 23 de dezembro - um exemplo de queda do estuque de um teto, na igreja de Campolide:
igreja de Campolide


Detroit

não é na Quinta do Mocho nem em Portugal, nem num pais do terceiro mundo, é em Detroit, USA


Detroit tornou-se o exemplo vivo da desindustrialização e da falencia do modelo económico vigente.
Isso mesmo se podia ver em "Gran Torino", de Clint Eastwood.
É muito interessante este artigo da CNN, da responsabilidade de Ross Eisenbrey, que isenta de culpas os pensionistas, e lamenta que os bancos continuem a explorar e que as entidades públicas não invistam ou, pelo menos, não estimulem o investimento e o emprego.
Não é um marxista a escrever, é um jornalista da CNN.
"Banks must be told that they have profited enough from interest rate swaps that helped create this mess and will receive no more. The state needs to collaborate by increasing available revenues".
http://edition.cnn.com/2013/12/17/opinion/eisenbrey-detroit-pensions/index.html?iid=article_sidebar

Lá como cá ... onde já não existem a Mague, a Cometna, a Sepsa, a Sorefame e, provavelmente, os Estaleiros de Viana do Castelo.

Ver também a referencia à decadencia da cidade de Camden, em New Jersey, em:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=camden

178

178, ou o número de repartições de finanças que o atual governo deseja fechar, contribuindo para o crescimento da desertificação e do abandono de muitas regiões do interior do país.
Vive-se por omissão e por ações a política de despovoamento.
Ao contrário do que D.João II mandava os seus ministros fazer: contratar populações flamengas, francesas e demais europeias para povoar o país.
E exatamente o que desastrosamente mandava fazer D.Manuel I: convidar à emigração setores válidos da população, como os judeus, alguns dos quais, como a família de Espinosa, sairam do país mais por razões burocráticas do que por perseguição religiosa.
Mas o governo atual parece ignorar estes aspetos históricos, assim como parece ignorar as medidas que os ministros das finanças da bancarrota de 1892 tomaram.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Ruínas - ruínas no lancil e externalidades



A sarjeta cheia de pedras e areão da calçada na sequencia da destruição do lancil devido ao estacionamento abusivo de automóveis.
Com a agravante de estar numa passadeira de peões.
As infraestruturas viárias não suportam o modo de utilização que os cidadãos e cidadãs fazem do automóvel privado.
Este é um problema grave da democracia. Se a maioria quer utilizar os passeios como estacionamento poderá?
Talvez definir primeiro o universo de votantes.
Mas mantem-se a questão: quem não for utilizador de automoveis ou de passeios solicitados desta forma dificilmente votará (e contudo, recairá sobre ele, como contribuinte, a reparação do passeio ou os custos de inundações provocadas pelo entupimento das sarjetas).
Problema de abstenção.
E de definição de externalidades (ação ou resultado de ação que prejudica também terceiros não intervenientes nessa ação).
Pode parecer acessória a discussão, mas segue o mesmo padrão da discussão sobre as taxas de carbono, penalizando, por exemplo, os bens e alimentos produzidos nos antípodas e comercializados aqui a preços de dumping.
Ficam as empresas produtoras portuguesas parecidas com o lancil partido se não se lançar uma taxa de carbono independente dos resultados das eleições.
No caso do lancil sabe-se a solução: penalização do estacionamento indevido, portagens à entrada do centro das cidades, reformulação das redes de transportes coletivos urbanos porque, como diz o cartaz da UITP, as comunidades crescem com o transporte público, e inclusão de estacionamento nos planos de reabilitação urbana financiados pelos fundos estruturais QEE 2014-2020.