segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Governo e câmara de acordo para a concessão/privatização do metropolitano de Lisboa?


Quem escreve estas linhas é reformado do metropolitano de Lisboa. Pertenceu a uma comunidade de trabalho cujo nível remuneratório era, nos últimos anos, cerca de 1,7 vezes superior à média. É verdade que há 20 anos era inferior à média nacional, claramente abaixo dos valores que se pagavam nas empresas privadas (considerando apenas os valores declarados por estas, omitindo o que se pagava sem registo).
Como uma das tarefas do signatário era estudar a segurança da circulação, ele aprendeu que o nível remuneratório e os gastos com a saúde dos trabalhadores estão intimamente ligados à segurança. O setor de medicina do trabalho, com os seus exames de  rotina aos maquinistas é, assim, um fator indispensável de segurança. A ignorancia destes factos pode justificar alguns comentários boçais que se lêem nas caixas de comentários da internet sobre o nível remuneratório no metropolitano e o amesquinhamento do horário de trabalho e da compensação negociada para substituição da função do fator de fecho e abertura de portas (só e admissivel aumentar o horário de trabalho se existir um sistema automático de proteção e controle contínuo da velocidade - vejam-se os casos dos acidentes do AVE em Santiago e do Metro North em Nova Iorque).
Foi entretanto desenvolvida pelo "marketing" do governo atual uma cultura semelhante à da revolução cultural maoista dos anos 60 do século XX, de punição dos professores, licenciados, médicos, engenheiros, funcionários públicos que se opõem à venda das empresas públicas.
Dever-se-ia lutar contra os critérios minimalistas da troika,  deveria nivelar-se por cima, e não por baixo,  repartir o esforço contributivo pelo trabalho e pelo capital em igual proporção...
Mas não. A cobrança de IRS subiu 35%, a do IRC 18%.
Mantêm-se isenções de IMI, de taxas de transações bolsistas, de taxação dos negócios, apostas e especulação bolsista pela internet, de taxas de carbono.
A propaganda do governo atual continua a diabolizar as iniciativas dos sindicatos e trabalhadores do metropolitano, embora condescenda na realização de greves e manifestações, mas sem sequer negociar os serviços mínimos (provavelmente para depois rasgar as vestes com os incómodos causados à população).
Não resisto a contar um episódio na manifestação de hoje, junto do ministério do Trabalho.
Recebida pelo adjunto do secretário de Estado do Emprego, a comissão expôs a indignidade de a contribuição extraordinária sobre as pensões continuar a ser calculada sobre um total que incluia o complemento de reforma que deixou de ser pago unilateralmente.
Foi-lhe então perguntado pelo senhor porque não iam ao ministério da Economia.
Custa a aceitar que se pense uma coisa e se não tenha tempo para medir o alcance daquilo que se deixou dizer. Parafraseando Marx, a situação da maioria dos reformados, com ou sem complemento de reforma, com ou sem cortes significativos para a contribuição extraordinária, é trágica, mas o que os senhores governantes dizem é burlesco.
A estratégia do atual governo mantem a intenção de concessionar a empresa, de colaboração com a câmara municipal de Lisboa, que desempenharia o inócuo papel de "regulador" e de adjudicante de estudos tarifários e de traçado de linhas.
O adjudicatário privado ficaria com a exploração simples, sem custos de manutenção das infraestruturas nem de aquisição de material circulante (parece que querem que seja a REFER a ficar com os prejuizos). Estes custos ficariam assim para o Estado, isto é, seria despesa pública.
Esta receita neoliberal é semelhante à teoria do "bad bank". Se num grupo alguma coisa dá prejuízo deve separar-se do que dá lucro.
Até aqui estamos todos de acordo. Mas o que dá lucro podia ser uma fonte de receita permanente do Estado (ou fator de valorização do museu de arte moderna se não for vendido como a coleção Miró do ex-BPN), e o que dá prejuízo, segundo a teoria séria dos economistas, deveria ser o acionista principal do que dá lucro.
Sem o que o sistema não funciona, ou melhor dizendo, cortando o vínculo entre o "bad bank" e a parte lucrativa, o sistema funcionará a contento dos grupos privados interessados na concessão/privatização das empresas públicas, reservando para o Estado a "regulação", sendo certo que nunca houve em Portugal força e "know-how" para impor "regulação" a grandes grupos internacionais (é verdade que a Siemens vai fechar a fábrica do Sabugo?).  
Considerando que os indicadores do metropolitano de Lisboa estão ao nivel dos homólogos, e considerando que nada impede nas diretivas europeias que a exploração esteja entregue a operadores públicos, discorda-se da estratégia seguida pelo atual governo.

                                                                            sobre a teoria do "badbank", ver "Adapte-se"  
                                                                            de Tim Harford,  ed. Presença

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