sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Christine Lagarde, aos 28 de fevereiro de 2014, ano 3 da troika

Das notícias sobre Christine Lagarde  de 28 de Fevereiro de 2014:


Nós, economistas, os economistas que conseguimos aceder aos lugares chave condicionadores do poder económico e financeiro, somos assim.
Tomamos um povo e um país, estropiamos a organização da sua vida, lançamos grande parte da população no desemprego, aumentamos a desigualdade da riqueza e arranjamos maneira de ser muito difícil criar emprego.
Criámos uma inovação teórica e prática, convenientemente para aumentar a competitividade (como gostamos de falar desta palavra aos ignorantes) das economias mais fortes relativamente às de pequena dimensão, em que nestas, nas de pequena dimensão, é impossível fazer investimentos com retorno, porque o custo das coisas está distorcido e a exploração do empreendimento não gera rendimentos para pagar o empréstimo do arranque. Nós, economistas, costumamos dizer isto de outra maneira, que as empresas estão descapitalizadas, que a massa monetária no país é insuficiente (os eletrotécnicos dizem ainda de outra maneira, que não há modo de produção adequado a cobrir a base do diagrama de cargas).
Reconhecemos isso tudo, sem que, o bezerro de ouro nos livre disso, sejamos marxistas.
E dizemo-lo, nós, os economistas que conseguimos aceder aos lugares chave condicionadores do poder económico e financeiro, dizemo-lo sem qualquer espécie de pudor, esperando que o poder político mantenha os formalismos de uma democracia representativa de uma maioria relativa à totalidade dos votos expressos, e, que o bezerro de ouro nos livre dela, que continue a evitar uma democracia participativa em que os votos brancos e as abstenções seriam representados nos parlamentos por cadeiras vazias.
O bezerro de ouro, ou melhor dizendo, já que o padrão ouro foi abandonado, que o bezerro dólar nos livre disso.


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

subway-life, desenhos, de António Gonçalves





Que surpresa.
Encontrar numa banca de uma livraria um livro de desenhos.
De desenhos de passageiros de metropolitanos de todo o mundo.
Capa cartonada. Na frente o desenho cursivo e rápido de uma rapariga de mangas curtas, jeans e tenis, recostada a ler o livro aberto sobre a mala, a mão esquerda displicente acariciando a nuca.
No verso uma jovem mãe abraçada ao filho que dorme ao colo e à eterna mala. Tem flores bordadas nas calças e o cabelo puxado para tras, apertado uma fina trança.
São ambas passageiras do metropolitano de São Paulo, ou o Metrô.
O autor pegou no seu caderninho de esboços e foi por esse mundo fora.
Sentava-se num banco de uma carruagem de metro, olhava fixamente para as pessoas em frente, e desenhava-as.
Respeitava o direito de quem não queria ser representado no papel e isso acontecia de forma tácita.
Mas a maioria, depois da surpresa, sorria e o desenho era mais do que um instantâneo.
Os desenhos não pretendem valorizar a beleza das pessoas, antes acentuam o sofrimento, a pressa, a preocupação, ou simplesmente a ausencia ou a pausa do repouso de en-quanto não chegam.
Tenho de me recordar das palavras do colega do metro de Paris, que nós técnicos sabemos aproximar  as pessoas melhor do que os politicos.
Porque são as mesmas as necessidades e as preocupações e as reações de quem anda de metropolitano como os representados no livro: Londres, Lisboa, Berlim, Estocolmo, Nova Iorque, São Paulo, Tóquio, Atenas, Moscovo, Cairo.
Quisera que os metros fossem transparentes, desde que o cidadão ou cidadã entra, até que sai, que o tempo seja o mínimo, que seja confortável a viagem, e em segurança, que se esqueça que nós, os que trabalhamos no metro-politano e o nosso trabalho, existimos, que apenas o queremos devolver à superfície, aonde tem de ir.
As pessoas representadas no livro são melhor do que o que lemos nos jornais, agressivas e votantes em decisores que promovem guerras.
As pessoas estão aí, nos metropolitanos, prontas para sorrir, para produzir, para criar os filhos, para contribuir para a felicidade de todos, assim os decisores as compreendam, que não , não as compreendem, pouco andam de metropolitano.
As pessoas são boas.
Quer seja uma menina de sandálias ao colo do avô de bigode no metro do Cairo iguais em qualquer parte do mundo, independentemente das crises de cada povo, quer seja uma adolescente estouvada no metro de Lisboa, ou um executivo no London Underground.
Ou um rosto de uma beleza eslava de olhos azuis (é o que sugere o traço apressado) que envolto na gola de peles olha fixamente o desenhador.
Ou o técnico comercial casado e adormecido com a pasta sobre os joelhos,  a leitora asiática, a senhora de idade, o jamaicano de cabelo apanhado atrás, no metro deLondres.
O judeu ortodoxo no metro de Nova Iorque, ao lado do muçulmano, do afro-americano, do casal de turistas sul americano.
O recolhimento dos executivos japoneses do metro de Tóquio, ou o ar decidido dos alemães e das alemãs que vão para o seu trabalho.
Devia canalizar-se todo o fluxo dos dinheiros do negócio das armas para o desenvolvimento das redes de metro.       




Referencia:        

Subway Life, Vida subterranea
de António Jorge Gonçalves, ed. Assírio e Alvim


Comentários à privatização/concessão do metropolitano de Lisboa



A ideia fixa base da intenção do governo é a de que a gestão pública não tem eficiencia.
Não é isso que dizem os indicadores do metropolitano de Lisboa quando comparados com os de empresas homólogas estrangeiras.
Além disso, essa ideia revela desprezo pelos profissionais que asseguraram e asseguram o funcionamento do metropolitano, com a curiosidade destes conhecerem o negócio e os senhores governantes que promovem a privatização/concessão não terem experiencia profissional direta do negócio (não pode considerar-se experiencia profissional direta as atividades de consultoria ou de elaboração de planos de financiamento em parcerias público-privadas).
Ainda que uma entidade privada possa obter maior eficiencia na exploração do metropolitano, está por demonstrar que os ganhos de eficiencia pudessem ser maiores do que os lucros que a entidade privada teria de apresentar aos acionistas.
Recordo que só haverá interesse para o Estado numa concessão, mantendo-se os indicadores de qualidade, supondo o resultado operacional na gestão publica nulo e supondo que os níveis de investimento e de serviço da dívida se mantem depois da concessão, se a renda a pagar pelo concessionário for superior à diferença entre a indemnização compensatória a pagar ao concessionário e a indemnização compensatória que se pagava à empresa pública (isto é, se a renda for zero, a indemnização compensatória a pagar ao concessionário deverá ser  menor do que a anterior; assim  se compreende a preocupação do candidato a concessionário em  aumentos de tarifas).
Outra maneira de avaliar o interesse para o Estado é que a melhoria esperada para os resultados operacionais devida à maior eficiencia dos privados (isto é uma forma de ofender quem trabalhou ou trabalha nas empresas privadas, mas de facto o insulto é livre), isto é a diferença entre os resultados operacionais privados e os resultados operacionais públicos deverá ser maior do  que a soma algébrica das seguintes 3 parcelas: lucro + diferença entre os investimentos e respetivo serviço de dívida na gestão privada e na gestão publica  - a indemnização compensatória na gestão publica.

Isto é, para haver interesse para oEstado na concessão, o concessionário terá de limitar o lucro, os investimentos e serviço da dívida, e beneficiará de um valor elevado da indemnização compensatória na gestão pública.

Confesso que esta problemática não é linear
 (ver

e assim se compreende a ingenuidade com que o senhor secretário de Estado dos transportes vem tratando o tema desde que o governo tomou posse, caindo agora no desajeitado pedido de sugestões e de avaliações aos candidatos a concessionários.
Convem esclarecer que a união europeia não impõe a gestão privada, apenas obriga à  abertura de concursos a que os privados poderão responder e ganhar (se subordinarem os seus lucros a um saldo positivo para o Estado relativamente à gestão pública, sem prejuízo dos indicadores de qualidade). Os indicadores de metropolitanos e de suburbanos ferroviários pelo mundo fora não impõem a gestão privada como melhor solução.
Por Outro lado, existe um problema ao falar de contratualização (como previsto na diretiva europeia). É que a partirn do momento em que “o Estado” sair do negócio, perde o “saber como” e os contratos ficam dependentes dos consultores e das influencias dos concorrentes.

Tem razão o senhor secretário de Estado ao falar na necessidade de novos modelos de financiamento. Repito a relação que apresentei no ultimo congresso da ADFERSIT, que o próprio secretário de Estado elogia como possível fonte de ideias, sendo que estas coisas devem ser vistas numa perspetiva integrada, neste caso não só de politicas de financimento mas também de integração na política urbanística e de organização económica do território e de contenção de desperdícios e de externalidades (transferência de deslocações do transporte individual para o transporte coletivo para redução de emissões de CO2):
  • limitação severa de velocidade em vias rápidas e em ambiente urbano, privilegiando as deslocações pedonais e em segunda prioridade em bicicleta
  • penalização do estacionamento urbano
  • portagens nos acessos às zonas centrais urbanas
  • correspondencia com o transporte individual em “park and ride” afastado do centro da cidade
  • desenvolvimento de redes de aluguer partilhado de bicicletas e pequenos automóveis elétricos em pontos de correspondencia com o transporte coletivo
  • taxação extraordinária da venda de combustíveis
  • criação de escalões de consumo de combustível
  • benefícios fiscais para as empresas que paguem as deslocações em transporte coletivo aos seus empregados ou clientes ou emitam cartões de desconto associados ao transporte coletivo
  • afetação do IMI ao financiamento do transporte coletivo
  • Taxação de empresas (0,5 a 1% dos salários) servidas pelo transporte coletivo, tipo “versement” francês
  • Concessão à empresa de transporte coletivo, incluindo as mais valias, da urbanização de novos bairros servidos pelas suas linhas, tipo Hong Kong
  • politica de reorganização urbanística e de reabilitação habitacional

Mais uma vez reconheço que estas coisas são um bocado complexas, deviam ser objeto de uma planificação a prazo médio e longo, coisa difícil de aceitar pelosprosélitos da religião do mercado, e com a participação de técnicos e grupos não ligados ao interesse lucrativo nem espartilhados pela pequenez das visões partidárias (idem, idem).
Mas não estaremos nesta fase do processo histórico. Neste domínio teremos até regredido. Aos anos de Thatcher, do petróleo barato e da pulverização neoliberal dos transportadores economizadores da formação em segurança dos seus funcionários e da aquisição de equipamentos de segurança.

É muito interessante a reação do grupo Barraqueiro, gestora do metro do Porto:
“O grupo Barraqueiro acredita que actualmente não existem quaisquer condições para o sector privado assegurar de forma eficaz a gestão das empresas públicas de transportes” e
“a existência de um tarifário social a par de uma indefinição dos critérios de compensação pela prestação do serviço público de transporte a preocupante persistência de resulta dos negativos dessas empresas e a ausência de uma definição do modelo de financiamento do sistema de transportes”
Agradece-se a franqueza, dispensando a falta de rigor sobre os resultados operacionais que, com tantos cortes, deixaram de ser negativos, e a jactância de acharem que:
“O privado tem melhores performances quer na gestão estratégica quer nas áreas da gestão operacional comercial e social” .
É pena os eleitores não repararem bem  no que diz o Barraqueiro, com razão porque o preço de venda de um produto, como o lugar.km, deve aproximar-se o mais possível do preço de custo, mas isso seria se a politica económica da união europeia e do governo português fosse a valorização de quem trabalha e não a depreciação do fator trabalho. Como podem aumentar-se as tarifas se os salários baixam? Mas o Barraqueiro também aceitaria novos modelos de financiamento contentando-se com tarifas que cobrissem 50% dos custos operacionais:
“é preciso sustentar o sistema principalmente através das chamadas receitas comerciais provenientes fundamentalmente das tarifas pagas pelos utilizadores ou encontrar soluções de financiamento complementares às tarifas através de receitas indirectas”.
Na verdade, se o próprio Barraqueiro acha que 50% de taxa de cobertura é aceitável, para quê concessionar a privados perdendo capacidade estratégica? Os indicadores do metro do Porto são assim tão bons quando comparados com o metro de Lisboa?

Não quererão reparar numa coisa muito simples, que é a insustentabilidade das taxas de juro do serviço da dívida? Que apesar do equilíbrio operacional do metropolitano de Lisboa, a sua dívida (sua que devia ser das contas publicas) passou de 3900 milhões de euros em Dezembro de 2012 para 4700 milhões  (com umas habilidades de conveniência dos contabilistas do  ministério das finanças, claro) em fevereiro de 2014. Dançam à beira do abismo, estes senhores governantes, empurrando dívidas para mais uns anos adiante, mas pagando taxas de juro maiores que inviabilizam o investimento e o crescimento.

Em síntese, o meu comentário à politica de transportes é o mesmo que faço à política cultural deste governo, caraterizada, como evidenciado, por exemplo, pela crise da direção geral do património cultural e do São Carlos, pela incultura e pela ignorância (refiro-me à politica do governo, evidentemente que há exceções pessoais entre os ministros e secretários de Estado).
Por isso cito a propósito da política de privatizações e de concessões a frase de Manuel Maria Carrilho aplicada à política cultural:

"...é preciso recuar bem para lá do 25 de abril para se encontrar uma combinação tão grotesca de incompetencia, ineficácia e incuria, como a que nesta área (politica cultural) caracteriza o atual governo".




Ainda a flor de plástico na montra de um talho

Repito um extrato de um poema de Golgona Anghel, pouco mais de 6 meses depois de o ter publicado neste blogue:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/06/como-uma-flor-de-plastico-na-montra-de.html

Entretanto o senhor ministro das finanças demitiu-se, mas continuamos neste ambiente de inépcia e de pequenez de que falava então, agora que os bonzos nacionais (os bonzos chineses que me perdoem) desenvolvem intensa propaganda autoelogiosa.

"Vocês podem até não concordar com tudo isto...sentem-se talvez ofendidos...agora, um facto é certo, queimámos quiçá a carne...mas correu muito bem...agora não se iludem, guardem os passarinhos para um churrasco gourmet. Este caminho não leva a lado nenhum.... deixem-nos ao menos vender-vos uma boa história".



Um poema de Cesário Verde, o Desastre

DESASTRE, de Cesário Verde, poema sobre as desigualdades sociais publicado no ano 136 antes da troika; talvez Chico Buarque o tenha lido antes de escrever o operário da construção que morreu na contramão:


Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trémulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!"
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

Flanavam pelo Aterro os dandis e as cocottes
Corriam char-à-bancs cheios de passageiros 
E ouviam-se canções e estalos de chicotes,
Junto à maré, no Tejo, e as pragas dos cocheiros.

Viam-se os quarteirões da Baixa: um bom poeta,
A rir e a conversar numa cervejaria,
Gritava para alguns: "Que cena tão faceta!
Reparem! Que episódio!" Ele já não gemia.

Findara honradamente. As lutas, afinal, 
Deixavam repousar essa criança escrava, 
E a gente da província, atônita, exclamava:
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!"

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada a duas prostitutas
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!"
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

Depois da sesta, um pouco estonteado e fraco
Sentira a exalação da tarde abafadiça;
Quebravam-lhe o corpinho o fumo do tabaco
E o fato remendado e sujo da caliça.

Gastara o seu salário - oito vinténs ou menos -,
Ao longe o mar, que abismo! e o sol, que labareda!
"Os vultos, lá em baixo, oh! como são pequenos!"
E estremeceu, rolou nas atrações da queda.

O mísero a doença, as privações cruéis
Soubera repelir - ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Anoitecia então. O féretro sinistro
Cruzou com um coupé seguido dum correio,
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro!
Comprar um eleitor? Adormecer num seio?"

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro,
- Conservador, que esmaga o povo com impostos -,
Mandava arremessar - que gozo! estar solteiro! -
Os filhos naturais à roda dos expostos...

Mas não, não pode ser... Deite-se um grande véu...
De resto, a dignidade e a corrupção... que sonhos!
Todos os figurões cortejam-no risonhos
E um padre que ali vai tirou-lhe o solidéu.

E o desgraçado? Ah! Ah! Foi para a vala imensa,
Na tumba, e sem o adeus dos rudes camaradas:
Isto porque o patrão negou-lhes a licença,
O inverno estava à porta e as obras atrasadas.

E antes, ao soletrar a narração do facto, 
Vinda numa local hipócrita e ligeira, 
Berrara ao empreiteiro, um tanto estupefacto:
"Morreu!? Pois não caísse! Alguma bebedeira!"


o admirável mundo das radiocomunicações



                                             o texto seguinte faz parte de umas memórias do metropolitano;
                                             alguns elementos do texto são ficcioniais


Final da década de 70.
Jack Welsh era ainda vice presidente da General Electric.
CEO daí a pouco tempo.
Haveria de ser eleito por uma revista de gestão como o gestor do século XX.
Muitos gestores de nomeação política em Portugal tentaram imitá-lo.
O Metropolitano não escapou.
A ideia era criar uma aura de exigência, de inflexibilidade, ao mesmo tempo de informalidade no contacto com os níveis intermédios, de modo a  deixar os diretores inseguros em má posição, e de redução das burocracias.
Não terá sido imitada a concentração em objetivos e nos resultados a atingir, nem na definição do que deveria ser considerado essencial e acessório.
Terá sido confundida a capacidade de gestão, ou de liderança, se pensarmos na insegurança típica de quem pretende compensá-la, com a capacidade de gritar ou de intimidar.
Jack Welsh ainda não tinha desinvestido na divisão de radiotelefones da GE.
Os seus equipamentos rivalizavam com a Motorola.
Não existia ainda o sistema celular GSM.
Chama-se celular porque o território é dividido em células e em cada célula  um emissor recetor reparte cada uma das suas bandas de frequência por 32 clientes e canais de dados segundo o teorema da amostragem ou de multipex temporal e digital. Chamar-se-lhe rede de telemóveis é  mais uma particularidade da língua portuguesa e dos mecanismos de formação de neologismos. Só em Portugal existe o termo telemóvel, aglutinação de telefone e de radiomóvel.
A GE portuguesa, cuja divisão eletromecânica apoiava a manutenção dos motores das automotoras antes do encerramento por instruções da casa mãe, já nos tinha fornecido os radiotelefones da rede privativa, clássica,  das carrinhas de manutenção.
Eu ia modestamente recolhendo informação sobre sistemas de radiocomunicações para comboios subterrâneos.
À galeria não chegam as emissões a partir da superfície e a propagação das ondas radioelétricas nas frequências que então se praticavam, de VHF (400 MHz) rapidamente se atenuava quando o emissor se instalava, por exemplo, numa estação.
Por isso se utilizavam cabos coaxiais em vez de antenas, e eram as perdas desse cabo, graças a uma blindagem que facilitava essas perdas, que realizavam o acoplamento com as antenas dos comboios.
Fiz uma coleção de desenhos esquemáticos, com a rede de cabos coaxiais com perdas e a localização dos emissores recetores.
A rede cobria todas as galerias, cais, átrios e acessos das estações e parques de material circulante.
A localização dos emissores era imposta pela sua potencia e pela distribuição das perdas ao longo de todo o percurso entre emissor e recetor.
Preparei o caderno de encargos para a consulta , consegui a anuência da direção e da administração para a admissão de um jovem colega melhor conhecedor do que eu do maravilhoso mundo das telecomunicações e dos controles microprocessorizados e lançámos o concurso.
Não ganhou a GE.
Também não deve ter sido por isso que Jack Welsh, do outro lado do Atlântico, incluiu a divisão de radiocomunicações no lote de ativos a deslastrar.
Ganhou uma companhia alemã, com linha de montagem em Portugal de aparelhos eletrónicos.
Os nossos cadernos de encargos davam muita importância à incorporação nacional, não se embrenhavam nos difíceis caminhos das contrapartidas, de quase impossível execução.
Alguns anos depois, as regras comunitárias inviabilizaram a inclusão da incorporação nacional nos cadernos de encargos, em nome da abertura das fronteiras.
Porém, os burocratas europeus acabaram por verificar, ainda mais tarde, que era legítima essa inclusão, em nome do equilíbrio das balanças de pagamentos.
Difuso e complexo o mundo dos negócios.
A grande companhia portuguesa de telecomunicações fervilhava.
Os grupos das diversas disciplinas e especialidades, e de dinamizadores de empreendimentos, pulsavam na transição da comutação espacial analógica e digital para a comutação temporal digital.
Agregavam-se e desagregavam-se especialistas disto e daquilo em empresas e mais empresas do grupo.
E desse caldo saltou uma empresa de consultoria e formação de telecomunicações.
As ligações íntimas das empresas aos partidos políticos e aos governos germinaram lentamente e sigilosamente.
Primeiro nos contactos, com a nossa administração, do prestigiado engenheiro militante do partido que ganharia as próximas eleições, vice bastonário da ordem dos engenheiros,  e que era o candidato de sucesso a ministro do equipamento social, que era como se chamava a tudo o que fosse estradas, vias férreas, comunicações materiais ou por rádio, obras públicas.
Era o presidente da nova empresa.
Depois os contactos processaram-se ao nível da direção, com a presença dos dois técnicos seniores que a empresa de consultoria propunha para refazer o caderno de encargos.
O concurso e a adjudicação  tinham sido anulados, sem fundamento técnico consistente, mas no uso da prerrogativa do dono da obra.
Não tive contactos prolongados com os técnicos da empresa de consultoria do grupo da grande companhia de telecomunicações.
Apenas numa reunião pedi que os consultores deixassem estar no caderno de encargos a especificação de constituição modular dos rádios, até porque já eram obsoletos os rádios “por medida”.
Parti entretanto para a fábrica da Suíça onde se concluía o fabrico das máquinas de venda automática de bilhetes que permitiram moderar o quadro de pessoal de bilheteiras com o crescimento da procura e da rede.
Tratava-se de preparar as instruções de manutenção e operação do conjunto das máquinas.
No meu regresso o vice bastonário já era ministro.
Foi o momento de lhe comunicar, nos termos do código deontológico da ordem dos engenheiros, que a revisão do caderno de encargos de que eu era autor não tinha o meu acordo, pelo que apresentava o meu protesto na ordem.
Seis meses depois a secretária da ordem comunicou-me pessoalmente que o conselho tinha deliberado improcedente a reclamação.
Curiosamente, o artigo em que me baseei foi substituído na revisão do código deontológico que se processava.
O direito de autor deixou de ser apenas do autor e passou a ser do autor ou da empresa sua empregadora, com ou sem expressão da sua transmissão entre autor e empregadora.
Jack Welsh, do outro lado do Atlântico, vendera a GE/rádios à Motorola, e na venda ia incluída a Storno, fabricante dinamarquês anteriormente associado à GE, que veio a ganhar o novo concurso e a equipar as galerias e os comboios do metropolitano com um sistema de radiocomunicações que funcionou até ser substituído pelo SIRESP, sistema integrado de segurança de que o metropolitano faz parte.
Entretanto, como sistema de recurso, sensível a picos de afluencia de chamadas como a passagem do ano, existe o sistema celular, com repetidores nas galerias, eficazes porque utilizam agora as frequências mais elevadas de UHF (900 e 1800 MHz).
A Motorola, anos mais tarde, viu as suas ações determinantes serem compradas pela Google.


Admirável mundo das telecomunicações, admirável mundo das radiocomunicações.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Ruinas, estrada das Laranjeiras, estrada da Luz, no ano terceiro da troika









Nixon in China, ópera de John Adams


Graças ao canal Mezzo, Nixon in China, como foi apresentado em abril de 2012 no teatro do Chatelet em Paris.


Como este blogue tem dito, a ópera pode ser subversiva.
A intenção de John Adams, o compositor, terá sido a de, aproveitando a visita de Nixon à China em 1972, chamar a atenção para a fragilidade da humanidade ao estar dependente da formação de mitos.
Os mitos arrastam multidões.
O libreto é de Alice Goodman.
"É a charrua que empurramos"
"Os olhos descem sobre o amarelo do trigo da planície enquanto os cumes vermelhos emergem no horizonte"
"Que o destacamento vermelho feminino avance".
"Os teus erros  subjetivos contêm o encanto do mito eterno".
Ao ver a representação encenada na própria ópera da humilhação dos burgueses na revolução cultural, na presença do casal Nixon, lembrei-me da juventude maoista do atual presidente da comissão europeia, e de que provavelmente os  neurónios que davam prazer aos executantes das diretivas do presidente Mao e do seu livrinho vermelho ao castigar publicamente os licenciados, os doutores, os engenheiros, os professores, acusados de burgueses acomodados, são os mesmos neurónios dos cérebros dos apoiantes do atual governo ao punir os professores, os funcionários públicos, os reformados, ao reduzir os salários e ao desvalorizar o fator trabalho.
E que a justificação que o presidente Mao dava para os sacrifícios que impôs ao povo chinês é a mesma
que ouvimos nos congressos do partido no poder, que primeiro a população , ou parte dela, tem de sofrer.
Mitos.


terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

De Kiev, Ucrania, a Manitoba, Canadá

Choca-me a violencia. Apesar de acreditar na sabedoria das multidões, choca-me a concentração das multidões em ações em que a racionalidade não as orienta. Apesar de acreditar em António Aleixo, quando escreveu:
Porque o povo diz verdades, 
Tremem de medo os tiranos, 
Pressentindo a derrocada 
Da grande prisão sem grades 
Onde há já milhares de anos 
A razão vive enjaulada. 

Leio numa entrevista o desabafo de um manifestante em Kiev: "Quero viver num país normal".
Mas oiço na televisão um português emigrante que respondeu a um convite dum programa do governo de Manitoba, no Canadá. E dizia o  mesmo: "Quero viver num país normal"
Haverá muitos cidadãos e cidadãs ucranianos ingenuamente a pensar que a união europeia é "normal".
Temos a experiencia que não.
Não é normal o BCE emprestar aos bancos a menos de 1% e os bancos emprestarem aos governos a mais de 5%.
Não é normal uma empresa alemã ter juros muito abaixo dos juros que as empresas portuguesas pagam.
Não é normal num país da união europeia como Portugal pagarem-se juros de 4% para comprar Audis e pagarem-se 7% de juros para fazer obras de reabilitação (é normal deixar cair o património edificado? é normal esperar que o edificado seja mantido com juros a 7%?).

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A vergonhosa proteção dos fabricantes de automóveis

Há dias que queria escrever sobre isto.
A união europeia, na sua missão de proteger os industriais fabricantes de automóveis, tem em vigor normas de consumo de combustível e emissão de CO2 enganadoras para os compradores.
Os anuncios dizem que um modelo consome menos de 4 litros aos 100 km no ciclo misto NEDC, mas isso não corresponde à realidade, é uma abstração dos consumos reais.
O ensaio da norma não é feito em estrada. É feito em banco de ensaios, com o rodado de tração do automóvel sobre rolos a que é aplicado um binário resistente, mas inferior ao da resistencia ao ar e do atrito no asfalto. as acelerações são inferiores a 1 m/s2 e as velocidades máximas no ciclo urbano são de 50 km/h e de 120 km/h durante 10 segundos no ciclo de estrada.
A norma é enganadora. As condições de ensaio estão longe da realidade. O automóvel consome mais combustivel e emite mais CO2 do que dizem os anuncios. No caso dos motores diesel há anos que não se verificam progressos nas emissões de óxido nítrico, um poluente.
É um caso escandaloso de proteção pela união europeia dos industriais e, evidentemente, das grandes produtoras e refinadoras.
É ainda um exemplo das falsas preocupações da união europeia com as alterações climáticas e com o desenvolvimento da tração elétrica autónoma, nomeadamente a resistencia surda à estratégia do hidrogénio, com produção por eletrólise a partir  das renováveis e com um circuito de distribuição por postos de combustível. Existem porém exceções honrosas, mas o destaque continua a ser a predominancia dos negócios sobre a politica.
Mais uma razão para o voto nas próximas eleições europeias.




3 boas razões para votar em partidos que nunca fizeram parte de governos constitucionais

3 boas razões para votar em maio de 2014 nas eleições para o parlamento europeu em partidos que nunca fizeram parte de governos constitucionais, sendo que grande parte dos males que nos afligem vem do centro da Europa:

1 - porque as taxas de 5% e 4% a 10 anos implicam pagamentos de juros incomportáveis,
                         o parlamento europeu pode, se os partidos referidos tiverem uma boa representação, alterar a regra de que os governos não se pode financiar no mercado primário (taxas de juro inferiores a 1%, quando os bancos, os financeiros e os investidores impõem juros de 4 e 5%);
2 - porque a quase deflação em que vivemos contribui para reduzir o PIB e o rendimento das exportações (exporta-se maior quantidade mas recebe-se o mesmo ou menos), para desvalorizar os salários, para aumentar o esforço de crescimento necessário para "cobrir a dívida" e para desmotivar os empresários a investir na industria, uma vez que os preços dos produtos baixam,
                         o parlamento europeu pode, se os partidos referidos tiverem uma boa representação, obrigar o BCE e os bancos centrais a emitir moeda (para reduzir as dívidas) e a desvalorizar o euro (para faclitar as exportações) controlando a inflação através do aumento das taxas de juro de referencia que etão anormalmente baixas
3 - porque o desequilíbrio da balança de pagamentos é o principal problema do país,
                        o parlamento europeu pode, se os partidos referidos tiverem uma boa representação, aprovar uma reforma fiscal em que em países em má situação o IVA dos produtos importados não essenciais possa ser aumentado (BMWs, Audis, VWs, Mercedes, Rolexs, por exemplo)

Depois, nas eleições legislativas de 2015, será conveniente voltar a votar em partidos que nunca estiveram em governos constitucionais para evitar que o novo governo defenda os interesses dos grupos económicos que tudo farão para torpedear as 3 medidas acima (notar que nenhuma das medidas acima está nos programas eleitorais dos partidos que têm pertencido aos governos constitucionais).

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Sinédoques, sintomas de doença grave

sinédoque - substantivo feminino; figura de retórica que toma a parte pelo todo ou vice versa, utilização de um termo num sentido mais abrangente do que o que lhe é próprio; do grego sunekdokhés (reunião de significados)  pelo latim synecdoche
ver
http://pt.wikipedia.org/wiki/Sin%C3%A9doque

Serve a introdução para pôr uma hipótese, já falada neste blogue, a propósito das especificidades da linguagem dos portugueses e da relação estreita entre a linguagem e os mecanismos cerebrais.
A hipótese é a de que as sinédoques são uma das principais causas do insucesso do país.
As sinédoques são sistematicamente utilizadas em qualquer argumentação entre portugueses. E isso é só por si um indício porque revela o não cumprimento das regras básicas da discussão: recolher e apresentar dados e factos, argumentar e ouvir os contra-argumentos. Mas os portugueses preferem as sinédoques.
Com a agravante de, sendo um sintoma de uma doença grave, ser sistematicamente ignorado. E ignorar os sintomas e o diagnóstico é um grande obstáculo à cura.

Quando se diz que o português viveu acima das suas possibilidades, é uma sinédoque. Pode ter havido alguns que o tenham feito, mas todos não. Está-se a tomar a parte pelo todo.
Quando se diz que os indicadores do PIB revelam melhoria, está-se a tomar o pequeno crescimento nalguns setores e por comparação com o período homólogo do ano anterior,  por um todo prometedor.
Quando se diz que os autarcas são corruptos, está-se numa sinédoque injusta para aqueles que não o são.
Quando se diz que se gastou  mal o dinheiro dos fundos comunitários em infraestruturas, está-se a cair numa sinédoque enganadora, porque apenas 12% dos fundos comunitários foram aplicados em infraestruturas. Enganadora porque agora se justifica com essa sinédoque o "desvio" de fundos comunitários para ações diferentes da construção de infraestruturas. A construção de infraestruturas que contribuam para a autonomização do país na produção de energia e de alimentos, para a reabilitação habitacional, para a reorganização dos territórios e para a reindustrialização é indispensável, mas as sinédoques utilizadas para conduzir a opinião pública tomam os 12% pelos 100% e assim a opinião pública aceita pacificamente que o dinheiro vá parar a empresários sem visão abrangente e integrada.
É a estratégia das sinédoques, até o senhor secretário de estado das infraestruturas já veio dizer que não haverá problema se preterirem algumas das infraestrutras selecionadas pelo seu grupo de trabalho, que elas não são nenhumas vacas sagradas.
Será uma metáfora, mas que se subordina à tirania das sinédoques: a parte das PME a ser tomada como o todo da economia.
É pena as coisas não se discutirem com base em dados e factos, com numeros credíveis sobre a contribuição para o PIB  das coisas em termos de produto e de valor do produto (tudo o que contribui para substituir ou reduzir as importações contribui para o aumento do PIB).
E enquanto não se tomar consciencia da doença de que as sinédoques são sintoma, é dificil a cura.



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Ruinas, Baixa de Lisboa, fevereiro de 2014, ano 3 da troika

rua da Conceição

prédio onde nasceu Alfredo da Silva, da CUF

rua da Vitória

Pátio do Arsenal da Marinha, vestígios dos cais do estaleiro da Ribeira das Naus; escavações perto do túnel do metropolitano

em frente do ministério das Finanças, uma metáfora do ministério: colocar as saídas de drenagem acima do nível das águas

a
que melhor arquitetura para sede da autoridade tributária que a decadente "fin de siècle"?

antiga entrada do ministério das finanças; mais uma metáfora dos tempos
placa no edifício onde trabalhou Fernando Pessoa


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

As obras de Miró, que atitude tomar?

Que fenómeno interessante, a torrente de opiniões sobre as obras de Miró. Vejamos qual a melhor atitude perante esta questão.
Muita gente tomou posição, e isso é bom porque corresponde a uma necessidade do ser humano, a de se exprimir. Como respondeu Rilke com outra pergunta ao jovem poeta que lhe submetera os primeiros poemas e lhe perguntara se devia continuar a escrever, porquê escrever?
Escrevamos, pois, ou simplesmente pensemos, embora tenhamos a ilusão que alinhámos argumentos e racionalmente demonstrámos o que queriamos, e isso seja apenas uma ilusão.
Talvez que os movimentos de opinião, a cristalização de apoios em torno de uma estratégia melhor ou pior definida por um partido politico, não sejam mais do que a reprodução  pela espécie humana do comportamento das cochonilhas, aqueles bichinhos brancos e antipáticos que se vão alimentando da seiva dos limoeiros até o secarem e então poucas cochonilhas sobrevivem. Ou como o agrupamento dos lemningues atrás dos ratos que se destacaram no grupo e em busca de alimento se precipitam uns atrás dos outros nas falésias. Ignoro se os poucos sobreviventes, cochonilhas ou lemningues, culparão os que se extinguem pela catástrofe, mas faz-me lembrar o alegre consumo das energias cujo resíduo são os gases de efeito de estufa e as consequencias o agravamento das condições extremas climáticas. Vamos consumindo petróleo nos nossos carrinhos, autocarros e camiões. A própria união europeia vai criando novas normas de emissão ao encontro dos interesses dos produtores de automóveis (que na verdade têm conseguido melhorar o rendimento dos motores alternativos de explosão interna), iludindo os compradores com as performances fantásticas dos novos motores multijet e de controle variável do tempo e da abertura das válvulas. Deixam a iniciativa "aos mercados" e os mercados são como as cochonilhas e os lemningues, não lhes apetece mudar para os veículos de hidrogénio ou de baterias de lítio e fosfato de ferro.
Eis um exemplo de como é difícil ter uma opinião fundamentada sobre um dado assunto. Na verdade, por mais complexo que seja um assunto, e por mais disparatada que seja uma opinião sobre esse assunto, é sempre possível alinhar argumentos em favor dessa opinião. Mas a inversa também é verdadeira. Por um lado iludimo-nos com o que o nosso cérebro, incapaz de varrer toda a realidade, seleciona para nós, sendo que muitas das vezes a amostragem que ele fez não é um modelo eficiente da realidade. Por outro lad, a realidade é suficientemente complexa para rejeitar qualquer lei universal. Quando muito deixa-nos estabelecer uma lei válida num domínio, mas não noutro. Até uma coisa que pode ser boa num país, como parece que os grandes financeiros do BCE, da união europeia e do FMI que nos têm conduzido por interpostas pessoas até aqui, acham que é boa, como a deflação escondida que nos ameaça como o consumo de combustíveis fósseis, pode não ser tão boa assim num país como o nosso. De que nos serve um nível de preços baixo, se os nossos rendimentos se vão evaporando e os preços dos produtos que exportamos vão baixando os "mercados"? Que falta que nos fazia uma pequenina e controlada inflação, mas os decisores não acham e não querem.
Para mim, é apenas mais uma manifestação do insucesso sistemático dos governantes portugueses.
Não me venham com histórias de sucesso da nossa história.
A expansão dos descobrimentos? Mas isso não foi o triunfo das técnicas de gestão da casa comercial de Lancaster, que não tinha espaço socioeconómico em Inglaterra e vieram estabelecer-se em Portugal, já que em Espanha não conseguiram?
E que produtos vendiamos na Europa? Vendiamos fatores de produção, como escravos, já que não havia ainda a força do vapor (já se conhecia a tecnologia do vapor, mas a lenha e o carvão ainda eram baratos; os escravos também, e foram fornecidos em abundancia pelas grandes empresas portuguesas até meados do século XIX; no século XVI os alemães poupavam na importação de escravos para as suas minas de carvão, utilizando trabalho infantil; é daí que vem a história dos sete anões, não eram anões, eram crianças; no século XVIII um dos principais acionistas de uma companhia negreira francesa era Voltaire, quem diria? só relembro estes casos, que na altura eram justificados moralmente, lá está, há sempre argumentos para defender qualquer disparate, porque nos tempos que correm também há argumentos para defender a redução dos salários, das pensões e do emprego).
Tambem foi um caso de sucesso comercial português a venda de sal à Europa, já que ainda não tinham inventado o frigorífico. Quem vai agora importar o sal português? (e contudo, o sódio é um elemento importantissimo na energética, nas baterias de lítio de funcionamento permanente, nas centrais de concentração solar de sais fundidos).
Dirão que foi um sucesso a politica do marquês de Pombal. Talvez, em termos de industrialização e de
tratados comerciais. Mas o homem distinguiu-se por uma crueldade sem limites, mandando executar que se lhe opunha e expondo cabeças de executados em pontas de lança, e por ter "secado" o ensino da matemática e da física em Portugal, numa altura de grande desenvolvimento tecnológico e industrial por essa Europa fora. Isto é, apesar do ouro do Brasil, comprometeu o futuro do país inviabilizando o desenvolvimento da engenharia portuguesa (o colégio dos nobres foi uma medida de ultimo recurso, apesar do marquês, e não graças a ele). E assim o país entrou depauperado no século XIX sem capacidade tecnológica e enfeudado a franceses ou ingleses. É o que se receia dos cortes na investigação e nas universidades, da politica redutora na educação, da insignificancia do papel da engenharia na economia atual, da distribuição dos fundos comunitários por empresários mal preparados, em vez de investir em infraestruturas energeticamente eficientes com o transporte ferroviário de passageiros e mercadorias, e em industrias de autonomização do país (produção de eletricidade por renováveis, produção de hidrogénio para tração a partir de renováveis, produção industrial de alimentos como aquacultura).
Mas enfim, tudo isto não passará de exemplos mais ou menos trágicos da nossa incapacidade crónica, que atravessa os séculos, de nos organizarmos em trabalho de equipa planificado e orientado para objetivos uteis de de repartição benéfica dos retornos.
Já era assim, quando o cronista romano despachou para Roma : "estes tipos não querem descer das montanhas, vivem desorganizados e não deixam que ninguem os organize".
Também gostaria de vos falar dos malefícios do tabaco, mas os meus amigos que se enchem de paciencia para ler o que eu escrevo estão sempre a acusar-me de eu escrever demais.
Por isso fico-me por aqui, era isto que vos queria dizer sobre as obras de Miró.






quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O marquês de Pombal e o senhor professor Vitor Gaspar






Contam as más-línguas, como se costuma dizer, que o processo de nomeação por D.José do marquês de Pombal para secretário de Estado se deveu ao conselho da mãe do rei, viúva de D.João V e filha de um imperador austríaco. Perguntando à sua aia, Dona Leonor Ernestina de Daun, da alta nobreza da imperial Viena, mulher do marquês de Pombal, quem deveria recomendar ao filho, a senhora com a maior das franquezas respondeu que devia ser o marido.
Lembrei-me do episódio ao ver a noticia do livro de Maria João Avillez sobre o ex-ministro Vítor Gaspar, escrito sob a forma de entrevista.
O senhor ex-ministro conta que, no período em que Catroga negociava o memorando com o governo de Sócrates, antes das eleições que este perdeu, tomou a iniciativa de falar com Catroga para lhe explicar “como funcionavam as negociações financeiras internacionais e como se podia consolidar a credibilidade junto dos mercados de obrigações”. Depois das eleições, o convite para ministro das finanças veio através de António Borges, tendo aceite depois de falar com a esposa.
São assim os mecanismos de escolha em Portugal. Na câmara da mãe de um decisor ignorante como um rei, ou no círculo de oriundos de juventudes partidárias em torno do gestor não menos ignorante de empresas de formação, embevecido com os seus professores da escola de Chicago.
Maria João Avillez terá tido neste livro o mérito dos psiquiatras, de, perante um caso difícil de narcisismo e de subordinação da perceção da realidade a crenças ou  manias (anteriormente, neste blogue, foi apresentada a argumentação para o diagnóstico de hipomania para o senhor ex-ministro das finanças) ter conquistado a confiança do paciente, deixando-o falar com franqueza e sem a noção, como é típico dos que têm dificuldade de perceção da realidade, da gravidade dos sintomas do seu  comportamento, como, por exemplo, quando diz, para justificar o contacto com Catroga: “Vi qualquer coisa na televisão que me pareceu errado, e pensei: o melhor é tentar corrigir isto depressa, porque este erro de perceção pode ser custoso para o país”.
Nenhum psiquiatra pensará convencer por palavras, sem terapia de grupo e sem fluoxetina, o seu paciente a deixar de ser imodesto, mitómano na sua obsessão de proximidade com os grandes financeiros que têm conduzido as finanças da Europa à ruína (para eles ao sucesso da deflação, da desindustrialização, do desemprego e da redução das prestações sociais) e a convencer-se de que errou no seu Excel.
A própria carta de renuncia não é o reconhecimento de um cientista que errou e aprendeu com o erro, mas sim que não aplicou a sua receita como deveria.
É típico, é a realidade que tem de se submeter aos dogmas em que acredita, e não a teoria económica que deve refletir a realidade.
E segundo as más línguas, também, o senhor ex ministro escreveu a carta depois de falar com a mulher sobre a célebre ida ao supermercado, quando a perceção da realidade esteve muito próximo da realidade impactante do contacto físico com concidadãos discordantes da sua politica económica.
É agora o senhor ex ministro consultor do Banco de Portugal. Estará descansado. Quando se reformar a sua reforma virá por inteiro, sempre, como ele repetiu à entrevistadora, “no interesse nacional”.
Transcrevo uma conclusão do livro de um professor de Harvard, "Economia para todos" de David Moss, ed. Academia do livro:    
"... alguns estudiosos de Macroeconomia ... preferem acreditar que as relações económicas definidas nos seus manuais são regras invioláveis.
Este tipo de arrogancia, ou estreiteza de pensamento, torna-se um verdadeiro perigo para a sociedade quando afeta os responsáveis politicos pela macroeconomia.
O responsável pela politica que acredita que sabe exatamente como a economia irá responder a um estímulo específico é, na verdade, um responsável politico muito perigoso".
Muito perigoso, de facto, o senhor professor Vítor Gaspar.



terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A manutenção e o estádio do Benfica

Verificou-se em Portugal um movimento de apoio popular à construção de estádios para o campeonato de futebol de 2004.
Grandes empresários de construção civil convenceram a opinião pública que ficava  mais barato construir estádios novos do que reparar os velhos. 
Essa afirmação devia-se às lacunas na formação técnica dos senhores empresários, ignorando o "saber como" da manutenção e conservação dos estádios antigos e aos interesses imobiliários que permitiriam construir a preços mais baixos habitação cara nos terrenos dos antigos estádios.
O facto de voarem chapas de cobertura em dia de ventos fortes não é em si grave.
Grave foi o reconhecimento por um senhor ligado às obras do novo estádio que a manutenção que tem sido feita terá lacunas.
Há aqui outra doença. As técnicas construtivas usadas nos estádios de 2004 foram atrás das modas da época, utilizando massivamente componentes metálicos que exigem mais manutenção do que o clássico betão armado. Muito pouco tempo depois da inauguração do estádio foi necessário proceder à repintura de toda a estrutura da cobertura (numa construção clássica, como os pórticos da ponte Vasco da Gam, tambem foi necessário recobrir as armaduras com betão por deficiencia na construção, só que a partir do momento que a reparação seja bem feita o intervalo de manutenção é maior do que no caso dos elementos metálicos). E o tempo está passando sem que se renove a pintura. Não admira que a corrosão ataque os elementos de fixação, se é que foi por isso que as chapas voaram (podem ter voado simplesmente por a espessura não suportar os esforços do temporal nos elementos de fixação). 
Em qualquer caso, parece que o processo construtivo escolhido, isto é , o projeto, corresponde a custo mais elevados de manutenção e a intervalos mais curtos de manutenção.
Isto é, não foi observado o principio Life Cycle Cost . Mas na altura, andámos todos (quase todos, há sempre quem seja do contra) muito contentinhos com os estádios que foram construidos em tempo recorde. 
Tambem no metropolitano fomos vítimas da moda dos compnentes metálicos na construção. Todo o pavimento intermédio da nave da estação Baixa Chiado está "aparafusado" às paredes resistentes por centenas de pernos roscados em buchas metálicas. Na estação Cais do Sodré é o passadiço longitudinal da nave que é suportado por elementos metálicos. O construtor forneceu os manuais de manutenção (não foi preciso o Tribunal de Contas lembrar que isso é necessário) e espera-se que os cortes dos senhores governantes não acabem com a capacidade das equipas de engenharia de manutenção para  manter a situação sob controle. 
A propósito deste tema, teremos de lamentar as mortes por pressas na construção e por recurso a componentes metálicos pré-fabricados nos estádios de futebol brasileiros ( a técnica é interessante, foi utilzada com sucesso na construção do estádio olimpico de Londres, com a particularidade de ser desmontável, mas eu insisto que tem custos mais elevados de manutenção e de prevenção de tempestades). E de compreender os protestos da população: "Não queremos a copa, queremos saúde, educação e transporte". Isto é, não querem o que o pensamento globalizante deseja, o entretenimento, e querem o que esse pensamento já se revelou incapaz de proporcionar na medida em que aumenta as desigualdades através do próprio crescimento económico.
Será que a atração coletiva pelo futebol vai fazer esquecer a grande falha deste pensamento globalizante?
Isto é, depois da tempestade passar todos esquecerão a necessidade de se fazer manutenção?
Também podemos pensar que saúde, educação e transportes faz parte dos princípios de uma saudável manutenção de uma sociedade.
É isso, manutenção tem custos.
É compará-los com os benefícios.

The complete banker

Graças à Antena 2, ouço este "Complete banker", do grupo Divine Comedy, da Irlanda do Norte:




Can anyone lend me ten billion quid?
Why do you look so glum? Was it something I did?
So I caused a second great depression, what can I say
I guess I got a bit carried away
If I say I'm sorry will you give me the money?

You know me
The complete banker in a black Bentley
Sweet Samantha riding next to me
Oh how I hanker for the good old days
When I was free
The complete banker in my Armani
Before the rancour and disharmony
Well money makes the world go round
And round and down the drain

We went to war on the floor of the exchange
To all of us it was just a big game
But God I loved it, making a profit from somebody's loss
I never knew exactly whose money it was
And I did not care as long as there was lots for me

The complete banker in a black Bentley
Sweet Samantha riding next to me
Oh how I hanker for the good old days
When I was free,
The complete banker in my Armani
Before the anger and the inquiries
Well money makes the world go round
And round and down the drain

We'll learn the lessons, run tests and analyse
We'll crunch the numbers cause the numbers never lie
Maybe this recession is a blessing in disguise
We can build a much much bigger bubble the next time
And leave the rest to clean our mess up

Well that's just me
The complete banker in a black Bentley
Margaret Thatcher riding next to me
Oh how I hanker for the good old days
When I was free
I'm the complete banker
I'm a conscience-free malignant cancer on society
And one day you'll let your guard down
And I'll come round again



Devia passar mais vezes na rádio e na televisão.
É verdade que os senhores governantes da tutela e os grandes empresários da comunicação social que trabalham em equipa não gostariam que dissessem que o complete banker, com a Thatcher ao  lado, tinham engendrado a segunda grande depressão e se estavam preparando para na próxima criarem uma bolha ainda maior.
Não ligava bem com o discurso dos pensionistas e funcionários públicos serem os responsáveis pela crise.
Mas como diz a canção, o banqueiro perfeito é um cancro maligno da sociedade a quem não pesa a consciencia.
Pena já se conhecerem técnicas que poderiam curar, mesmo sem extirpar, e não se aplicarem.