quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Comentários à privatização/concessão do metropolitano de Lisboa



A ideia fixa base da intenção do governo é a de que a gestão pública não tem eficiencia.
Não é isso que dizem os indicadores do metropolitano de Lisboa quando comparados com os de empresas homólogas estrangeiras.
Além disso, essa ideia revela desprezo pelos profissionais que asseguraram e asseguram o funcionamento do metropolitano, com a curiosidade destes conhecerem o negócio e os senhores governantes que promovem a privatização/concessão não terem experiencia profissional direta do negócio (não pode considerar-se experiencia profissional direta as atividades de consultoria ou de elaboração de planos de financiamento em parcerias público-privadas).
Ainda que uma entidade privada possa obter maior eficiencia na exploração do metropolitano, está por demonstrar que os ganhos de eficiencia pudessem ser maiores do que os lucros que a entidade privada teria de apresentar aos acionistas.
Recordo que só haverá interesse para o Estado numa concessão, mantendo-se os indicadores de qualidade, supondo o resultado operacional na gestão publica nulo e supondo que os níveis de investimento e de serviço da dívida se mantem depois da concessão, se a renda a pagar pelo concessionário for superior à diferença entre a indemnização compensatória a pagar ao concessionário e a indemnização compensatória que se pagava à empresa pública (isto é, se a renda for zero, a indemnização compensatória a pagar ao concessionário deverá ser  menor do que a anterior; assim  se compreende a preocupação do candidato a concessionário em  aumentos de tarifas).
Outra maneira de avaliar o interesse para o Estado é que a melhoria esperada para os resultados operacionais devida à maior eficiencia dos privados (isto é uma forma de ofender quem trabalhou ou trabalha nas empresas privadas, mas de facto o insulto é livre), isto é a diferença entre os resultados operacionais privados e os resultados operacionais públicos deverá ser maior do  que a soma algébrica das seguintes 3 parcelas: lucro + diferença entre os investimentos e respetivo serviço de dívida na gestão privada e na gestão publica  - a indemnização compensatória na gestão publica.

Isto é, para haver interesse para oEstado na concessão, o concessionário terá de limitar o lucro, os investimentos e serviço da dívida, e beneficiará de um valor elevado da indemnização compensatória na gestão pública.

Confesso que esta problemática não é linear
 (ver

e assim se compreende a ingenuidade com que o senhor secretário de Estado dos transportes vem tratando o tema desde que o governo tomou posse, caindo agora no desajeitado pedido de sugestões e de avaliações aos candidatos a concessionários.
Convem esclarecer que a união europeia não impõe a gestão privada, apenas obriga à  abertura de concursos a que os privados poderão responder e ganhar (se subordinarem os seus lucros a um saldo positivo para o Estado relativamente à gestão pública, sem prejuízo dos indicadores de qualidade). Os indicadores de metropolitanos e de suburbanos ferroviários pelo mundo fora não impõem a gestão privada como melhor solução.
Por Outro lado, existe um problema ao falar de contratualização (como previsto na diretiva europeia). É que a partirn do momento em que “o Estado” sair do negócio, perde o “saber como” e os contratos ficam dependentes dos consultores e das influencias dos concorrentes.

Tem razão o senhor secretário de Estado ao falar na necessidade de novos modelos de financiamento. Repito a relação que apresentei no ultimo congresso da ADFERSIT, que o próprio secretário de Estado elogia como possível fonte de ideias, sendo que estas coisas devem ser vistas numa perspetiva integrada, neste caso não só de politicas de financimento mas também de integração na política urbanística e de organização económica do território e de contenção de desperdícios e de externalidades (transferência de deslocações do transporte individual para o transporte coletivo para redução de emissões de CO2):
  • limitação severa de velocidade em vias rápidas e em ambiente urbano, privilegiando as deslocações pedonais e em segunda prioridade em bicicleta
  • penalização do estacionamento urbano
  • portagens nos acessos às zonas centrais urbanas
  • correspondencia com o transporte individual em “park and ride” afastado do centro da cidade
  • desenvolvimento de redes de aluguer partilhado de bicicletas e pequenos automóveis elétricos em pontos de correspondencia com o transporte coletivo
  • taxação extraordinária da venda de combustíveis
  • criação de escalões de consumo de combustível
  • benefícios fiscais para as empresas que paguem as deslocações em transporte coletivo aos seus empregados ou clientes ou emitam cartões de desconto associados ao transporte coletivo
  • afetação do IMI ao financiamento do transporte coletivo
  • Taxação de empresas (0,5 a 1% dos salários) servidas pelo transporte coletivo, tipo “versement” francês
  • Concessão à empresa de transporte coletivo, incluindo as mais valias, da urbanização de novos bairros servidos pelas suas linhas, tipo Hong Kong
  • politica de reorganização urbanística e de reabilitação habitacional

Mais uma vez reconheço que estas coisas são um bocado complexas, deviam ser objeto de uma planificação a prazo médio e longo, coisa difícil de aceitar pelosprosélitos da religião do mercado, e com a participação de técnicos e grupos não ligados ao interesse lucrativo nem espartilhados pela pequenez das visões partidárias (idem, idem).
Mas não estaremos nesta fase do processo histórico. Neste domínio teremos até regredido. Aos anos de Thatcher, do petróleo barato e da pulverização neoliberal dos transportadores economizadores da formação em segurança dos seus funcionários e da aquisição de equipamentos de segurança.

É muito interessante a reação do grupo Barraqueiro, gestora do metro do Porto:
“O grupo Barraqueiro acredita que actualmente não existem quaisquer condições para o sector privado assegurar de forma eficaz a gestão das empresas públicas de transportes” e
“a existência de um tarifário social a par de uma indefinição dos critérios de compensação pela prestação do serviço público de transporte a preocupante persistência de resulta dos negativos dessas empresas e a ausência de uma definição do modelo de financiamento do sistema de transportes”
Agradece-se a franqueza, dispensando a falta de rigor sobre os resultados operacionais que, com tantos cortes, deixaram de ser negativos, e a jactância de acharem que:
“O privado tem melhores performances quer na gestão estratégica quer nas áreas da gestão operacional comercial e social” .
É pena os eleitores não repararem bem  no que diz o Barraqueiro, com razão porque o preço de venda de um produto, como o lugar.km, deve aproximar-se o mais possível do preço de custo, mas isso seria se a politica económica da união europeia e do governo português fosse a valorização de quem trabalha e não a depreciação do fator trabalho. Como podem aumentar-se as tarifas se os salários baixam? Mas o Barraqueiro também aceitaria novos modelos de financiamento contentando-se com tarifas que cobrissem 50% dos custos operacionais:
“é preciso sustentar o sistema principalmente através das chamadas receitas comerciais provenientes fundamentalmente das tarifas pagas pelos utilizadores ou encontrar soluções de financiamento complementares às tarifas através de receitas indirectas”.
Na verdade, se o próprio Barraqueiro acha que 50% de taxa de cobertura é aceitável, para quê concessionar a privados perdendo capacidade estratégica? Os indicadores do metro do Porto são assim tão bons quando comparados com o metro de Lisboa?

Não quererão reparar numa coisa muito simples, que é a insustentabilidade das taxas de juro do serviço da dívida? Que apesar do equilíbrio operacional do metropolitano de Lisboa, a sua dívida (sua que devia ser das contas publicas) passou de 3900 milhões de euros em Dezembro de 2012 para 4700 milhões  (com umas habilidades de conveniência dos contabilistas do  ministério das finanças, claro) em fevereiro de 2014. Dançam à beira do abismo, estes senhores governantes, empurrando dívidas para mais uns anos adiante, mas pagando taxas de juro maiores que inviabilizam o investimento e o crescimento.

Em síntese, o meu comentário à politica de transportes é o mesmo que faço à política cultural deste governo, caraterizada, como evidenciado, por exemplo, pela crise da direção geral do património cultural e do São Carlos, pela incultura e pela ignorância (refiro-me à politica do governo, evidentemente que há exceções pessoais entre os ministros e secretários de Estado).
Por isso cito a propósito da política de privatizações e de concessões a frase de Manuel Maria Carrilho aplicada à política cultural:

"...é preciso recuar bem para lá do 25 de abril para se encontrar uma combinação tão grotesca de incompetencia, ineficácia e incuria, como a que nesta área (politica cultural) caracteriza o atual governo".




Sem comentários:

Enviar um comentário