terça-feira, 28 de outubro de 2014

Agora, crónicas de um metropolitano

Agora, que vivemos sob o ímpeto desmantelador do conceito do metropolitano como serviço público prestado por um operador público, e menosprezador dos seus ativos humanos, físicos e intangíveis, faço esta reflexão a propósito do livro “Crónicas de um metropolitano”, de Fernando Antela Saraiva, ed. Chiado Editora.
O livro reúne algumas crónicas já incluídas neste blogue sobre alguns aspetos da vida e das problemáticas no metropolitano de Lisboa entre 1974 e 2010 ,período em que o autor destas linhas prestou serviço na empresa.
Tive muito prazer em ver muitos amigos e amigas, netos e sobrinhos, antigos colegas de curso e de trabalho na sessão de lançamento no dia 26 de outubro de 2014.
Talvez ingenuamente e imodestamente, gostaria que este livro fosse como a canção de intervenção, que é precisamente a primeira história que no livro se conta, isto é, que fosse um livro de intervenção, que incomodasse os decisores políticos e os decisores empresariais que, parafraseando Duna Guedes, “não sabem nada de metropolitanos”.
Existe neste momento uma angustia entre os trabalhadores do metropolitano pela incerteza do futuro e pelo menosprezo com que são tratados.
Não é assim que se mobilizam e se motivam os trabalhadores para se atingirem objetivos.
Não é insistindo na sanha de redução de quadros de pessoal, é contando com as pessoas e as suas capacidades.
Não é  sobrecarregando a segurança social com as pessoas no desemprego que se relança a economia do país.
O metro pode e deve colaborar nesse relançamento, desde o desenvolvimento dos serviços de engenharia como os que se prestam aos metros de Argel e de S.Paulo, até à aplicação de fundos comunitários na melhoria da mobilidade urbana e da eficiencia energética através da substituição de deslocações em transporte individual.
Foi disponibilizada aos decisores políticos informação sobre a razoabilidade dos indicadores do metro quando comparado com os homólogos estrangeiros, sobre a natureza pública da dívida que não da empresa, sobre os resultados negativos das privatizações em Londres, sobre as medidas de financiamento em França como o “versement transport”, sobre as medidas de penalização do acesso do transporte individual ao centro das grandes cidades como Londres e Estocolmo, e sobre a insustentabilidade e desperdício energético por ser de 60% a quota do transporte individual nas deslocações diárias metropolitanas.
Mas os decisores insistem.
Têm legitimidade para o fazer porque ganharam eleições, embora enganando eleitores durante a campanha eleitoral.
Nós temos o direito constitucional de livre expressão para afirmar, por “saber de experiência feito”, que eles destroem o que outros construíram porque são incapazes de construir.

É principalmente o que tentei dizer com o livro.

Jonas Salk

Agora, que vivemos sob o ímpeto desmantelador do conceito do metropolitano como serviço público prestado por um operador público, e menosprezador dos seus ativos humanos, físicos e intangíveis, faço esta reflexão a propósito da comemoração pelo Google do centenário de Jonas Salk, descobridor da primeira vacina contra a poliomielite.
Perguntado porque não registava a patente, respondeu "não se pode patentear o sol". Vivia do seu ordenado do laboratório da universidade de Pittsburgh, onde tinha feito a descoberta.
Seria bom que os teóricos e os práticos do neo-liberalismo que nos governam entendessem bem estas palavras, desde o primeiro ministro ao ministro concedente dos trasnportes e das taxinhas.
Não é o interesse individual nem o lucro que justificam tudo.
Há vida fora desse subterrâneo.  

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Economicómio - Sabem o que fazem?

Esta é uma reflexão sobre o grau de credibilidade que nós, ignorantes da ciencia económica, podemos atribuir aos profissionais, e bem assim, que valor podemos dar às suas decisões condicionantes do nosso quotidiano e do nosso futuro, sendo certo que os deles, graças ao elevado nivel de salários e aos generosos planos de pensões de que dispõem não parecem comprometidos.

Dizem as noticias de hoje que o setor financeiro nacional é muito maior do que se julgava e o tamanho da economia real (empresas não financeiras) é muito menor.
A justificação apresentada é que se passou das regras SEC1995 para as regras SEC2010.
Não aceito tal justificação, porque o que me ensinaram na alma mater e eu tentei aplicar e os meus colaboradores eram avaliados em função disso, é que o gestor de um bem ou serviço deve conhecer os elementos fisicos e os indicadores reais desse bem ou serviço. Alem de que as regras SEC2010 não surgiram por geração espontanea. Tal como a  passagem da divida das empresas publicas para a divida publica. Há mais de 10 anos que nós, no metropolitano, criticávamos a não contabilização nas contas publicas. Até as administrações se não esqueciam de o relembrar em todos os relatórios e contas.
Não venha a senhora ministra das finanças agora desculpar-se pelo seu péssimo desempenho, com o seu ar de anjo perseguido quando todos sabemos que o que está a pensar não corresponde aos seus sinais exteriores.
Não era preciso ser economista para saber que o peso do setor financeiro em Porugal é um cancro.
Até Vitor Bento o disse como já se referiu neste blogue. O setor não tansacionável afunda o país.
Por  tudo isto não surpreende a surpresa reprovadora da UTAO perante o otimismo não suportado nas previsões macroeconómicas do orçamento de Estado para 2015. Que não encontra fundamento para a previsão de 66 milhões de euros nas previsões das receitas das concessões (porque  não dizem uma evidencia, os decisores sobre as concessões são ignorantes e incompetentes?). Pois não, fazem como a Mofina Mendes. Estão atrasados 5 séculos, a gerir um país, eles e os seus patrões não controlados por regras demcráticas do BCE e FMI.
Melhor fora que a população perdesse o medo e lhe chamasse os nomes que a ligeireza com que põem em causa os salários, o emprego e as pensões dos cidadãos e cidadãs justifica.
A começar pelo facto evidente que o novo presidente da comissão europeia, inegavelmente um senhor simpático e bem intencionado, foi primeiro ministro de um país que é um verdadeiro off-shore no coração da Europa, que não engana, o peso do setor financeiro é enorme, como gostam de dizer os economistas falhados.
Nem sequer são capazes (obviamente porque o poder financeiro e económico capturou o poder politico) de implementar uma taxa de 0,1% sobre as transações financeiras (refiro-me a taxas sobre transações mobiliárias, não sobre mais valias), coisa que há mais de 5 anos este blogue vem falando (na verdade, mais para 0,5% que para 0,1%), acompanhada de medidas preventivas contra os off-shores como a comunicação automática (levantamento do sigilo bancário) e sanções em caso de incumprimento como taxação incomportável de importações.
Os eleitores de esquerda e de direita têm de por fim a esta aberração dos dogmas impostos pela religião dos economistas que nos dirigem e expulsá-los dos centros do poder.
É uma aberração termos coisas de interesse público entregues a privados que dependem de assembleias de acionistas em que uma voz pode ter mais do que um voto. Como se sabe, há séculos que a humanidade descobriu que em assuntos de interesse coletivo o método é uma voz, um voto. 
Tem de se chamar os bois pelos nomes, criminosos e malfeitores que se apropriaram do que era de todos (ultimo exemplo, a água e os residuos, cuja privatização é tecnicamente um disparate).
A chave que explica tudo isto é simples, a captura do poder politico pelo poder económico e financeiro, e a falta de independencia das empresas do poder politico, económico e financeiro.
Uma empresa pública, ao serviço de uma comunidade, se não dispuser de independencia para utilizar os seus recursos, como tem sido o caso com os comissários politicos que as têm dirigido, cai no limbo das privatizações e concessões.
E são os técnicos das empresas privadas e das empresas públicas que, para não perderem os seus empregos, executarão os procedimentos para essas privatizações/concessões.
Acusam uns os funcionários públicos de serem uns acomodados sem iniciativa por terem o emprego garantido.
Mas os empregados das empresas privadas só têm emprego se se sujeitarem aos dogmas de cima.
É uma forma, como outra qualquer, de perder a liberdade (já imaginaram o que aconteceria se as assembleias de acionistas passassem a ser subordinadas aos critérios de democracia estabelecidos para a politica, em vez de subordinadas ao interesse pelo lucro?).


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Os congressos das elites e o que as elites andam a ler

Confesso que não gosto de ir a seminários, conferencias ou congressos, mas até gosto depois de lá estar, se o assunto tem interesse técnico e impacto na comunidade.
Também vou a muito poucos.
Mas choca-me, talvez por excesso de sensibilidade minha, o ar soberano das elites que os promovem, que neles se exibem, que neles demonstram a incapacidade para fundamentar as suas opiniões segundo o método científico.
Raramente apresentei trabalhos em seminários. Das poucas vezes fiquei com a ideia de que  as pessoas não tinham seguido o meu powerpoint. Que até o moderador não  tinha percebido. Certamente por limitações minhas.
Choca-me ainda ver a auto-satisfação e o cabotinismo dos governantes ou familiares que comparecem nesses seminários, acolitados pelos presidentes dos eventos, na maior parte das vezes ligados aos interesses de empresas ou grupos económicos mais ou menos internacionalizados que os patrocinam.
Para mim, o sucesso de um seminário, congresso ou conferencia medir-se-ia por uma alteração de comportamento e um inicio de atividade segundo um rumo demonstrado no evento como util para a comunidade.
Mas julgo que o sucesso é antes medido pelo impacto mediático, talvez até diplomático, pelo marketing das empresas e pela visibildade dada a alguns oradores, moderadores ou presidentes do evento. Ou por algum negócio facilitado.
Não quero dizer que não haja boas intenções ou voluntarismo desinteressado nalgumas iniciativas.
Ou simplesmente consciencia de responsabilidade social de uma ou outra fundação.
Veja-se por exemplo o seminário sobre a liberdade na democracia. Quando circulou o convite para assistir já estava o programa fixado. Não houve apelo público a apresentação de comunicações. E nos paineis o peso de personalidade mediáticas.
Pode ser defeito meu, insuficiencia minha de participação cidadã, mas nenhum dos participantes teve alguma vez contactos comigo ou com o círculo dos meus colegas e dos meus amigos. Nem no serviço militar, nem na universidade, nem na atividade profissional.
Reparem que não estou a vitimizar-me, conheci muita gente boa ao longo da minha vida, que teriam uma palavra a dizer. Mas não, não fizeram parte do núcleo seleto dos convidados.
Não fizeram parte das elites.
Talvez porque do ponto de visto ideológico não esteja perto dos partidos que habitualmente gerem a coisa pública, com os resultados negativos conhecidos.
Talvez porque do ponto de vista profissional tenha tido poucas relações com as profissões que dominam a economia e a politica do país, advogados, economistas.
Talvez a profissão de engenharia, a sua preocupação, quando os seus servidores não atraiçoam o que aprenderam na alma mater,  em fundamentar com dados reais de utilidade pública e em realizar com uma programação concreta.
Talvez porque não me identifico com os métodos da intelectualidade portuguesa, tão  nem com os processos de reconhecimento dos seus méritos.
Pena não ter havido um convite público, não para só para assistir, mas à participação efetiva.
Ou tomemos o exemplo da grande fundação que é um exemplo de uma politica cultural de interesse nacional. E que convidou as elites para falar das politicas públicas.
Existe uma certa ironia no tema, quando muito do que a fundação faz competiria à secretaria de Estado da cultura.
Existe uma ironia quando o secretário de Estado da cultura comparece no evento e é cumprimentado pelo presidente da fundação, emérito profissional da banca.
A cultura em simbiose com as grandes empresas petrolíferas e com as elites bancárias.
Não tem mal nenhum, sempre que o Metropolitain de Nova Iorque transmite uma ópera não se esquece de lembrar que isso só foi possível graças ao generoso apoio dos seus mecenas, acionistas principais de empresas que geram lucros.
Mas choca-me, como disse, ver perguntar-se às elites o que se deve fazer para sair desta crise, quando foram as elites que dirigiram o país, que aconselharam os seus políticos, que formataram o pensamento dos leitores dos jornais de opinião e dos eleitores.
Eleitores esses, quer tenham votado quer se tenham abstido, que são usados, ou desfrutados, pelas elites para justificarem o seu poder politico e o seu poder económico. E depois de desfrutados, acusados de serem os responsáveis pelos gastos acima das posses do país e levados a pagar o resgate.
Mas eis que o professor de economia da universidade norte-americana, autor de comentários lidos com reverencia, propõe em plena conferencia, com vivacidade intelectual, a indexação do pagamento da dívida pública ao crescimento da economia.
Quando leio no jornal acode-me à ideia a pergunta, o que andam a ler as elites tão ligadas ao sistema neste país (ou na tal universidade norte-americana)?
E tento adivinhar, andam a ler o capital no século XXI de Thomas Piketty, já publicado em português pela Temas e Debates/Círculo Leitores, que enchem as montras das livrarias.
Já aqui foi referido, o livro. O seu tema central é, fundamentando com a análise de dados reais desde o século XVIII, o ser maior a taxa de retorno do capital do que a taxa de crescimento da economia, e que isso só pode gerar desigualdades sociais. Como solução, uma discreta taxação dos rendimentos do capital com base nas transmissões automáticas entre bancos. Sim, era o fim do sigilo e dos off-shores, uma espécie de utopia. Mas acalmem-se as elites que Thomas Piketty não se confessa nem quer ser revolucionário.
De modo que o professor da conferencia sobre politicas públicas resolveu interpretar assim Piketty.
E eu confesso que não sei se bem se mal, mas sei que os pobres economistas andam entretidissimos e preocupados a tentar descobrir erros no Execl de Piketty, sem conseguir.
Mas há um problema tipo paradoxo.
O livro tem 910 páginas e o seu autor diz que o escreveu para convencer os eleitores, não os politicos. De facto, eleitores bem informados arrumariam os politicos defensores da austeridade anti-investimentos com as análises e os gráficos deste livro, mas teriam de o ler. Embora grandes defensores da austeridade a tout prix como Oliver Blanchard e Vitor Gaspar andem agora a pregar "investimentos inteligentes", talvez porque as taxas de juro para o nosso país sejam agora de 3,5% quando eram em abril de 2011 de 11% .
910 páginas para mudar o sistema é pedir demasiado aos eleitores, embora pareça que não devia ser necessário lê-las para acreditar que não podem ser os bancos (e Wall street) a decidir as regras do jogo. Assim como assim, se a EuroDisney é um sucesso de procura, por que razão tem 1700 milhões de euros de dívida? Não deveria antes mudar-se as regras bancárias?
Mas enfim, tentando converter leitores em eleitores, apresento três gráficos do livro, com as legendas do autor. Vejam como no tempo dos Beatles o mundo era mais igualitário e havia esperança (Imagine...):





Ver juntamente com este livro os seguintes:

- A riqueza oculta das nações, inquérito sobre os paraisos fiscais, de Gabriel Zucman, ed, Temas e Debates/Círculo Leitores, 143 páginas

- O espírito da igualdade, por que razão sociedades mais igualitárias funcionam quase sempre melhor, de Richard Wilkinson e Kate Pickett, ed. Presença, 350 páginas

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

No equinócio do outono de 2014, ainda os complementos de reforma

Alguém teve a ideia, uma vigília.
Numa estação de metro, para chamar a atenção dos passantes e, mais uma vez, da comunicação social.
Uma espécie de uma pequena "occupy a metro station", nada que se compare com a "occupy wall street", ou a "occupy Hong Kong", que desgraçariam a policia do senhor ministro Macedo.
E assim foi que nos encontrámos na estação do marquês, bem cedinho, ainda não eram as sete da manhã, quando os desprezados pelos senhores importantes do governo viajam nos transportes coletivos, saindo das tarefas noturnas de limpeza ou de manutenção, ou caminhando para a abertura e o apoio das células de produção.
Como escreveu Carlos Oliveira ao descrever o acordar de Lisboa:

Acordam pouco a pouco os construtores terrenos,
gente que desperta no rumor das casas,
forças surgindo da terra inesgotável,
crianças que passam ao ar livre gargalhando.
Como um rio lento e irrevogável,
a humanidade está na rua.


Receei que das correntes de gente que se deslocavam apressadas na correspondencia entre as duas linhas, escoando-se por entre os reformados com cartazes, saissem vozes criticas e discordantes.
È que o corte médio nos 1400 reformados foi de cerca de 640 euros, valor superior ao do vencimento de muitos dos que passavam.
Mas não, adivinho a contrariedade em alguns rostos, aqui ou ali uns resmungos, mas até comentamos entre nós que aos poucos as pessoas compreendem que o mal é a política de desvalorização dos salários que nos é imposta pela troika e pelos seus seguidores cegos, que prejudica todos os que trabalham em empregos não de favor.
Esta deflação mata-nos, porque os  preços baixos perseguidos pelo BCE e pela Alemanha só se conseguem com desemprego elevado, que faz baixar a procura nas regiões periféricas, enquanto nas regiões centrais e mais ricas condiciona o crescimento.
Muitos de nós já não aguentam muito tempo de pé. 
Sentamo-nos na esplanada do quiosque dos croissants e cafés. 
As reporteres da TV aproveitam para entrevistas que depois serão cuidadosamente visionadas antes da transmissão para não desagradar aos acionistas principais ou aos delegados do governo, no caso da RTP (estou a chamar delegados do governo aos admiinistradores, já que não foram nomeados após concurso público, como o é, por exemplo, o governador do banco do UK), a quem interessa que a opinião pública considere os reformados do metro uns privilegiados.
Um de nós explica pacientemente à reporter que se finge desinformada que os complementos de reforma se destinavam a aproximar o valor recebido após a reforma do ultimo salário, de acordo com uma fórmula válida no acordo coletivo da empresa desde 1973 e que deixou de ser aplicada aos novos empregados depois de janeiro de 2004.
E que a própria empresa, para apresentar indicadores de redução do quadro de pessoal, se empenhou em facilitar as saidas antes da idade da reforma.
 Isto é, havia um contrato em vigor que deixou de ser cumprido por uma das partes, e que agora a justiça nacional é rica em obstáculos que impedem o que se faz quando um contrato não é cumprido: ação de penhora sobre os bens imobiliários, que os há, ou sobre as rendas comerciais não ligadas ao transporte, que também as há (aluguer de fibra ótica, de espaços comerciais, de publicidade, de utilização do parque de sete rios para a camionagem).
Que era uma cláusula de privilégio? 
Sim, era, mas contratada numa altura em que os salários no metro eram inferiores ao das outras empresas públicas ou privadas.
E agora num sistema em que se mantem a exploração descarada dos trabalhadores menos qualificados (lá está, a bíblia da competitividade). E em que existem planos de pensões, de complementos e de créditos fiscais mais favoráveis em empresas como a PT, a EDP, o banco de Portugal, os CTT, a TAP...
E que se deve nivelar por cima e não por baixo, como os passageiros do metro compreendem.
Há casos em que o rendimento de um eletricista reformado era de 1400 euros brutos e foi reduzido de 700 euros, apesar de 42 anos de descontos. De um engenheiro com 40 anos de descontos que recebia 2000 euros e lhe foram cortados 1000 euros.
E quanto aos trabalhadores ativos atuais, apresentados pela comunicação social como privilegiados que absorvem os dinheiros dos contribuintes? 
Um maquinista próximo do nível máximo ganha menos de 1400 euros brutos; com os subsidios, nomeadamente de quilometragem, notando-se que estes não contam para o cálculo da pensão, pode chegar aos 2800 euros brutos.
No caso de um eletricista de sinalização, o vencimento não chega a 1200 euros e, com os subsidios, pode chegar a 1900 euros.
Mas tem de se reparar que são profissões que exigem qualificação, uma formação rigorosa em procedimentos de segurança, e que erros nesta profissão podem provocar acidentes.
Estranham-se estes vencimentos e estas pensões?
Então o que se deve fazer? pergunta a reporter, ao que o entrevistado responde: a primeira coisa a fazer é demitir o governo, para encetar politicas de crescimento.
Acho que essa parte foi cortada, bem como aquela em que o colega, já um pouco exaltado, dizia que era engenheiro, e não reconhecia competencia ao secretário de Estado Sergio Monteiro para opinar sobre as maravilhas das privatizações ou concessões das empresas ferroviárias de transporte,  nem ao senhor ministro Maduro para discutir e decidir quais os investimentos para os fundos comunitários, porque são assuntos de engenharia, não juridicos nem politicos.
Indiferente à discussão, o colega reformado especialista de telecomunicações, que se tem mantido atualizado, aproveitava o wi-fi gratuito na estação para seguir no seu smartphone o programa da rtp2 sociedade civil, dedicado, nem de propósito, aos idosos.
O sociólogo explica que o conceito de violencia sobre os idosos alargou-se, há por exemplo a violencia financeira... (como se aplica aos reformados em geral pelas pequenas reformas, e em particular aos reformados do metro, pela redução brutal dos rendimentos) ... e esta ideia desgraçada da centralização hospitalar, ajudando a desertificar o interior... (pois, para poupar impostos aos habitantes das cidades)...
Mas eis que vejo vinda do corredor do tapete rolante a figura do professor Cesar das Neves.
Eu simpatizo com o senhor.
Não é o caso do meu colega reformado que resmunga, aquele malandro, anda a dizer que somos uns privilegiados, como se não nos tivessem já imposto sacrifícios que não impuseram a outros. Como se a ameaça da concessão não seja por si só suficiente para os  protestos. Ele que se informe sobre o resultado das privatizações e concessões em Londres.
Mas eu simpatizo porque o vejo a frequentar os transportes coletivos.
Não é como o seu colega professor que foi um efémero ministro da economia mas que se desloca de carro com motorista para assistir a uma sessão num museu da Baixa ou para se deslocar das suas consultorias para as suas universidades. Nunca se lhe ouviu uma palavra sobre a insustentabilidade da importação de combustíveis fósseis para fazer deslocar carros com motorista de um lado par ao outro de uma cidade de tráfego automóvel saturado nas horas de ponta.
É isto que digo ao professor Cesar das Neves quando ele diz que não há dinheiro depois da bebedeira dos gastos com infraestruturas públicas como o metro.
Como justificar a compra de 10 000 automóveis ligeiros por mês para encher as cidades e as vias rápidas de acesso às cidades?
São mais de 2 000  milhões de euros por ano.
É verdade que o negócio dos importadores não iria gostar.
Que me diz, professor, do primeiro anuncio na TV a seguir ao programa do doutor Medina Carreira em que ele se cansa a dizer que não há dinheiro para as despesas sociais seja o Mercedes classe C de quase 40 000 euros?
É que há dinheiro, mas em segmentos bem delimitados da sociedade.
Não no grupo de reformados do metro a quem cortaram duma vez entre 40 a 50% do seu rendimento, a que se deve adicionar o corte geral nas pensões de segurança social, independentes dos complementos de reforma.
Mas o professor não me responde, embrenhado na discussão com outros reformados, a quem faz questão de garantir que compreende porque estão revoltados e sentidos.
Diz isso porque é cristão, e  é a sua maneira de aliviar através do perdão a sua consciencia.
Eu gostaria de lhe dizer, mas não posso, que ele já se perde na corrente dos passageiros que se engolfam nas escadas para  linha amarela.
Que também já fui cristão, e que penso ter conservado a compaixão, a solidariedade e o espirito de igualdade depois de me ter desligado das obrigações da fé.
E que por isso me comovo quando leio citações como esta, que encontrei no livro "os dez erros da troika em Portugal, a austeridade, sacrificios e empobrecimento", de Rui Peres Jorge, ed. a esfera dos livros:

"orgulhamo-nos hoje de ser suficientemente duros para infligir sofrimento aos outros. Mas se observassemos um costume antigo segundo o qual ser duro consistia em suportar o sofrimento em vez de o impor aos outros, talvez pensassemos duas vezes antes de tão friamente preferirmos a eficiencia à compaixão"  Tony Judt, em Ill fares the Land 

São já cinco da tarde.  
Continua uma presença significativa de reformados.
Já passaram por aqui deputados dos partidos que não os do governo, delegações da CGTP, da UGT, da APRE, do MRPP.
Salva-nos Tatiana e as suas colegas, que operam o quiosque de croissants, cafés e merendinhas.
Este governo vai manter o corte dos complementos. 
Total. 
Não quer saber da redução brutal de 60% a 70% dos rendimentos, entre 2013 e 2014. Preocupar-se-á com medidas de maior impacto mediático para se preparar para as eleições de 2015.
Vai manter a hipocrisia de "suspender" os complementos enquanto os resultados liquidos do metro forem negativos. 
Claro que, da forma como são contabilizados, com indemnizações compensatórias e distribuição de receitas arbitrárias, sem contabilizar os benefícios da poupança de emissão de CO2 e de importação de combustíveis fósseis, claro que são negativos.
Não há metropolitanos no mundo que os tenham assim positivos. 
Isto digo ao meu colega reformado, apoiado na sua bengala mas felizmente muito melhor depois da operação.
Ah, mas reparo agora, vindo dos lados da EDP, cuja sede ainda não se deslocalizou para a zona da Boavista e São Paulo, com vistas para o rio, a roubar campo de visão ao miradouro de Santa Catarina, que se aproxima Sergio Figueiredo, um dos administradores da fundação da EDP, que ainda não se deslocalizou para a beira do rio, a nascente do museu da eletricidade. Projeto  à beira rio de integração estética, oportunidade e razoabilidade financeira duvidosas.
Não é reconhecido pelos meus colegas porque não entra em programas de televisão como Cesar das Neves.
Mas eu sigo a coluna dele no DN e apreciei imenso a análise que ele fez da evolução do PIB dos USA e do UK depois da crise de 1930, do Japão depois da crise de 1992 e da zona euro depois da crise de 2008.  Relacionou a duração antes da retoma com as medidas tomadas, crescimento após investimentos públicos, para aplaudir as orientações de Draghi e do BCE para os ditos investimentos públicos.
Por isso me chocou o artigo que dedicou às empresas de transporte, às medidas do senhor secretário de Estado, acreditando que vai poupar as indemnizações compensatórias,  e à divida de 20.000 milhões das empresas públicas de transporte, 3 vezes superior á do BES.
Deu-me a impressão de que falava sobre o que não sabia.
Ignorará que a enorme hemorragia da dívida do metro se deve aos investimentos do Estado nas infraestruturas dos tuneis que foram indevidamente levados à conta do metro e não às contas públicas (embora o Estado tivesse dado o aval)? Ignorará que foram os comissários politicos nomeados pelos governos (porque não sujeitos às regras dos concursos públicos) que contrataram os swaps?
Mas valerá a pena argumentar, quando a dívida da EDP é de 17.500 milhões de euros e o défice tarifário que lhe compete é da ordem de 2.400 milhões de euros (pois, o preço do título de transporte no metro também está abaixo do custo de produção)?
Valerá a pena argumentar que sim, o transmontano paga com parte dos seus impostos o  metro de Lisboa, assim como eu pago com parte dos meus impostos o serviço nacional de saude em Trás os Montes, que no interior é por definição de economia de escala economicamente menos eficiente.
Isto me preparava eu para discutir com Sérgio Figueiredo quando ele se deteve a ler os cartazes colados nos pilares, "alguns dos reformados do metro estão em dificuldades", "o complemento de reforma era um contrato desde 1973" ...  mas num instante retomou o passo e desapareceu na multidão.  
Em breve eram oito da noite.
Rarefaziam os reformados presentes, que era dia de jogo na TV.
Tatiana recolhia os restos nas mesas da esplanada.
Ajudei-a a apanhar uns guardanapos de papel do chão.
Tinha apreciado a melhoria do negócio do dia que os reformados lhe tinham trazido, mas não estava certa de concordar com a iniciativa, embora lhe parecesse que os cortes dos complementos eram apenas uma faceta da politica de desvalorização do fator trabalho que também a afetava a ela, e que, de acordo com o que aprendera, nós, os reformados, eramos credores e não parasitas.
Assim como assim, licenciara-se em sociologia, não chegava a ganhar 300 euros mas tinha esperança de ser chamada para um projeto em que se inscrevera numa universidade de Madrid, para inquéritos e estatísticas sobre a mobilidade de pessoas e seu relacionamento com o urbanismo, a implantação industrial, a circulação automóvel, segundo os critérios que os discípulos de Durkheim utilizam, diferentes das demagógicas opiniões dos nossos politicos e comentadores. 
Os últimos membros da comissão de reformados embrulharam os cartazes, os últimos grupos despediram-se com o jogo no pensamento, e eu desci as escadas com o nosso colega animado com a recuperação da operação que fizera no serviço nacional de saúde, até à próxima manifestação.

Referencias:

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A questão do Ebola é ainda mais global numa pequena análise apressada e pretensamente marxista

Há uns anos uma rapariga alemã morreu pouco depois de desembarcar em Hamburgo. Mas nessa altura os decisores politicos, os opinion makers, os universitários segguidores de Friedman e Haiek, acharam que a coisa estava circunscrita, e de facto a epidemia passou não muito tempo depois.
Agora, quando cidadãos de paises ocidentais em numero que os dedos da mão já não chegam para refletir, sofrem a doença, o governo americano e os governos ocidentais dizem que estão atentos e em ação.
Mas há uma questão. A dívida e o défice publicos acima dos valores constitucionais ou acordados em tratados.
A familia de um dos cidadãos americanos internado em risco de vida diz que não tem dinheiro para pagar a conta do hospital, que, aliás, lhe prestou uma péssima assistencia inicial.
Que diz  biblia dos citados decisores e universitários?
Que deixem o mercado funcionar.
E de acto funcionou, no caso da gripe das aves. Rapidamente os laboratorios se entenderam, colaborando ao arrepio do lema tolo de que o segredo é a alma do negócio (já foi, em dado passo do processo histórico) até porque se não trocassem impressões o progresso seria mais lento e poderiam ficar fora das royalties finais.
Porem o mercado funcionava porque a gripe ameaçava grande parte das populações dos paises ricos.
Agora o Ébola, circunscrito a paises de baixo PIB per capita? que não pode pagar a investigação?
E a questão é que se o governo dos USA respeitar a biblia do neo-liberalismo não vai poder votar verbas para a investigação.
É o drama destes intelectuais neo-liberais. Se o cidadão não tem dinheiro para pagar o tratamento, que se chame a sua confissão religiosa para o enterro. Mas até no enterro o Ébola sepropaga. Que problema, é uma externalidade que pode matar a filha do rico, como Gabriel Garcia Marquez descreveu a cena da morte da pequena marquesa mordida na Cartagena do século XVII por um cão raivoso.
Não pode ser o lucro da empresa farmaceutica, não podem ser as leis do  mercado a ditar a reação à epidemia.
Como já dizia o descobridor da vacina da poliomielite, que recusou as royalties.
E que dificuldade em os citados decisores, opinion makers e universita´rios compreenderem que não é só na saúde que não se pode deixar o mercado a fazer o que quer.
São as depeas sociaiis que deveriam definir o valor da moeda, por mais que o senhor doutor Medina carreira diga que não.
Cortes nas despesas sociais induzem debilidade perante epidemias, quer sejam do Ébola, quer sejam da ignorancia do funcionamento das coisas.