quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

uma complicadissima trindade, a inovação, a produtividade e a competitividade

Nota prévia - não caia o leitor numa sinédoque (tomar a parte pelo todo) e não conclua que o escriba é contra  a inovação, a produtividade e a competitividade. Apenas pensa que qualquer medida para as promover deve ser acompanhada de uma análise de custos-benefícios, de uma análise de riscos e precedida por testes. E perdoe-se a imodéstia do escriba ao recordar ter participado no caderno de encargos da aquisição em Portugal da segunda central telefónica privativa de comutação temporal e do primeiro encravamento de sinalização ferroviária (interlocking) computorizado. Pelo que não está seguro de que os economistas que enchem a boca com as três palavras possam acusá-lo de inimigo desta trindade complicadíssima de entender, de insondável dificuldade de aplicar.

Inovação -  durante 1 ano, o dirigível Hidenburg exibiu a sua superioridade sobre os outros dirigíveis. Beneficiava de uma cobertura sintética que oferecia menos atrito à deslocação do ar e era mais leve do que as lonas dos outros. Por isso, graças à inovação, consumia menos combustível e era mais rápido. Porém, a natureza sintética do material, por razões da mecânica quantica e da física dos dielétricos (isolantes) propiciava a acumulação de cargas eletroestáticas. Que originaram o incêndio fatal na manobra de atracagem à torre metálica em New Jersey em 1937. São exemplo também de inovação não testada nem sujeita a análise de riscos os dois acidentes fatais com os primeiros aviões que utilizaram software nos seus comandos. A base de dados com a altitude da rota não tinha sido refrescada. Felizmente sem consequências fatais, outro exemplo é o da substituição do uso das cartas náuticas de papel por mapas eletrónicos. Por não ter feito zoom in, um dos veleiros da corrida oceanica colidiu com um recife. Se tivessem traçado a rota na carta náutica, como fazem os marinheiros normais, teriam evitado o recife.

Produtividade - dificil de entender o que é produtividade se não se aceitar o conceito de quociente. Quociente entre a medida de uma produção e a medida de um fator de produção. Infinita se se anular o fator de produção, como a anedota do cavalo do inglês. Aumenta-se a produtividade se se reduzir o fator de produção mais do que a produção. É a preferencia dos senhores economistas. Sofrerão de um complexo de Edipo perante a produção. Preferem cortar. Pode sair o tiro da culatra por efeito de multiplicação, Como dizia Christine Lagarde, por cada euro cortado de austeridade a economia pode baixar 2 euros. Mais vale aumentar a produtividade aumentando mais a produção do que o fator de produção.
Por outro lado, há um fator específico. Mais vale não nos preocuparmos muito em querer imitar a produtividade maior dos outros. Isso só se consegue com um plano a médio  ou longo prazo. Os senhores economistas que querem mandar em quem trabalha deviam ponderar o que dizia o empresário de componente para máquinas de café. Tinha montado uma fábrica na Alemanah com 90 funcionários. Quando regressou a Portugal montou uma fábrica com a mesma produção mas 120 funcionários. Se tivese insistido em 90 funcionários teria liquidado a fábrica. Mudar bruscamente, sem um plano de transição e sem considerar as condições reais, é umas das maneiras de destruir uma empresa (ou um país), conforme explica o livro "Como destruir uma empresa em 12 meses... ou antes).
Eis porque é pouco prudente tentar aplicar receitas teóricas como as da troika.
Um bom exemplo de aumento da produtividade numa atividade rentável bem documentada na nossa história trágico-marítima é o da querena italiana. As naus da carreira da Índia necessitavam de calafetagem periódica. Pô-las a seco demorava muito tempo. Adotou-se o método genovês de esvaziar a nau, deitá-la na água puxando o topo dos mastros e calafetando meia nau ao longo da quilha (querena). Poupava-se tempo e recursos humanos e materiais, Aumentava-se portanto a produtividade. Só que as mais das vezes o trabalho era feito de forma apressada, as tábuas não secavam bem e daí a uns meses, sujeitas à sobrecarga das mercadorias para além do razoável  e às tempestades do Índico, o casco abria e a nau naufragava.
Outra tragédia associada ao aumento da produtividade é a gestão hospitalar das operações. O tempo necessário para a desinfeção antes e depois das operações pode ser superior à duração da própria operação, limitando o número de operações possíveis de realizar. Recentemente isso foi demonstrado com o surto de legionela. Uma das medidas para evitar a doença é a desinfeção dos doentes antes e depois das operações. O que piora o indicador de produtividade tão caro aos senhores econonistas que nunca operaram um doente. Como explicar-lhes que a declaração dos direitos humanos deve prevalecer sobre o formalismo matemático do cálculo de um indicador e sobre o critério da definição do valor e do montante monetário?

Competitividade - A história trágico-marítima, desta vez inglesa, dá outro exemplo para a competitividade. O Titanic deveria estar parado na noite do acidente, em consequenciado aviso de icebergs. Como o Carpatia, que o socorreu. Porém, a administração da empresa deu instruções ao comandante para avançar de modo a bater o recorde de ligação a Nova Iorque, e assim poder propagandear a maior competitividade da empresa. O exemplo da Rover, fabricante inglês de excelencia de automóveis, introduziu melhoramentos na gestão da fábrica que lhes permitiu baixar o preço e aumentar as vendas: concursos para fornecimento externo de peças, controle de qualidade partilhado com os clientes, bloco de alumínio em 3 fatias aparafusadas sem pernos, válvulas hidráulicas, otimização da injeção e da forma da câmara de combustão (o que lhe permitiu ser o primeiro fabricante a conseguir um motor de 1400 cm3 com mais de 100 cavalos, muito antes da Volkswagen o conseguir). Sabe-se o que aconteceu como reação a este notável aumento de competitividade. A BMW comprou a Rover num processo deselegante para o outro interessado, a Honda, absorveu o seu "know how" , desinvestiu na engenharia própria da Rover e depois, quando já não era competitiva, vendeu-a a um fabricante chinês que não tem negócios na Europa. Dir-se-ia que é como na selva,  quando um animal  mais fraco dá nas vistas, arrisca-se a ser comido pelo predador.








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