sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Transportes e Investimentos - email enviado aos grupos parlamentares

Email enviado a todos os grupos parlamentares da Assembleia da República em 20 de janeiro de 2015.
Acusada a receção apenas pelo grupo parlamentar do PCP em 22 de janeiro informando a sua retransmissão ao deputado encarregado da problemática dos transportes:



São graves os inconvenientes para a economia portuguesa da inexistência de ligações ferroviárias à Europa em bitola europeia, decorrendo até 26 de fevereiro p.f. o prazo de apresentação de candidaturas para beneficiar de fundos comunitários no âmbito do programa europeu CEF - Connecting Europe Facility (redes de transportes).

Atempadamente (outubro de 2013) foi divulgado pela comissão europeia que seriam disponibilizados fundos comunitários, que poderiam atingir 85%  a fundo perdido,  para investimento, nomeadamente nos corredores ferroviários de ligação à Europa, de que o atlântico, Lisboa-França, detinha a 3ª prioridade em 30.

No programa CEF estão alocados numa primeira fase 11,9 mil milhões de euros, como seed-capital (capital semente), considerando-se as ligações ferroviárias Lisboa-Caia-Madrid-Irun e Aveiro-Salamanca.
Para além deste programa, o presidente da comissão europeia Juncker propôs um plano para 3 anos de investimento para a Europa com uma garantia de 21 mil milhões de euros (16 mil milhões para investimentos de longo prazo, mais 5 mil milhões para PME) a induzir investimentos de 315 mil milhões.
Há ainda o novo QREN para 2014-2020 (Horizonte 2020), dotado com 25 mil milhões de euros, incluindo agricultura e pescas.
A orientação do governo, no entanto, é no sentido de que o país já tem infraestruturas demais.

Não parece ser verdade a fundamentação do governo, não obstante constar que foi enviada a Bruxelas, para o plano de Juncker,  a lista de investimentos do GT-IEVA (grupo de trabalho para investimentos de elevado valor acrescentado, em que parte significativa são investimentos específicos da conta da respetiva empresa), num montante de 16 mil milhões de euros.
A mensagem que sistematicamente é divulgada através da comunicação social é a de que no QREN de 2007-2013 o país desperdiçou os fundos comunitários em infraestruturas de reduzida utilização, nomeadamente autoestradas.
Justificam assim a anunciada aplicação dos fundos do programa para 2014-2020 na "inovação e competitividade das empresas".
No entanto, de acordo com Marvão Pereira, em "Os investimentos públicos em Portugal", ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre 2000 e 2009 os investimentos públicos em infraestruturas foram em média anual 4,52% do PIB, repartindo-se por:

- infraestruturas rodoviárias convencionais ............................................  20,16%
- ferroviárias ............................................................................................  12,37%
- autoestradas  ........................................................................................  13,15%
- portos e aeroportos ................................................................................  2,58%
- infraestruturas de saúde .......................................................................... 5,83%
- de educação ............................................................................................. 5,21%
- de telecomunicações ..............................................................................16,19%
- básicas (refinarias, redes de gás, eletricidade, águas e residuos.............24,51%

Isto é, gastou-se mais em infraestruturas de telecomunicações do que em autoestradas (a preços atuais, sem contar com os custos financeiros posteriores das PPP, elimináveis se se amortizassem as dívidas pelo valor da obra).

Por outro lado, de acordo com o boletim governamental de monitorização dos fundos QREN 2007-2013 de setembro de 2014, a execução, por grande tema, foi:
-       potencial humano................................ 47%,
-       fatores de competitividade ..................25%,
-       valorização territorial ...........................28%.
Sendo que na repartição das verbas para o potencial humano se incluem:
-       24%     para a rede escolar
-       27%     para qualificação de jovens
-       20%     para qualificação de adultos
Para os fatores de competitividade foram:
-       62%     para inovação e renovação empresarial
Para a valorização territorial:
-    34%   para a mobilidade (ferrovia Sines-Caia, metro do Porto, CRIL Buraca-Pontinha, autoestrada transmontana)
-       26%    para ambiente e águas urbanas
-       18%    para cidades
-       14%    para equipamentos sociais, cultura e lazer

Isto é, a aplicação dos fundos em infraestruturas foi minoritária, ao contrário do que a propaganda oficial quer fazer crer.

Receia-se assim que Portugal perca a oportunidade, por ultrapassagem do prazo de 26 de fevereiro de 2015, de desenvolver as ligações ferroviárias em bitola europeia para passageiros e mercadorias Lisboa/Sines-Poceirão-Caia-Irun e Aveiro-Salamanca (exigindo esta ligação uma linha quase toda nova), ampliação das infraestruturas portuárias de Aveiro e Lisboa (se não construido o terminal de contentores a jusante da Cova do Vapor, pelo menos executar o fecho da Golada), o reforço das interligações de linhas de transmissão com Espanha, a ligação em muito alta tensão de corrente continua à rede elétrica francesa,  a construção de barragens com bombagem (potencial de 5 GW) para absorção do excesso de produção eólica, desenvolvimento de frotas de veículos elétricos rodoviários alimentação por baterias ou por hidrogénio produzido descentralizadamente a partir da energia eólica, reabilitação urbana com isolamento térmico e emparcelamento, proteção florestal e desenvolvimento de centrais de biomassa e de resíduos urbanos, desenvolvimento da aquacultura, etc, etc. (no caso do metropolitano de Lisboa, relembram-se as dificuldades burocráticas que têm impedido a alocação de verbas para conclusão da estação Reboleira de correspondência com a CP, da ampliação das estações de Areeiro e de Arroios, e da adaptação das principais estações a pessoas com mobilidade reduzida).

A ultrapassagem do prazo de 26 de fevereiro poderá ser uma oportunidade perdida, com Espanha a resolver os seus problemas, nomeadamente ferrovia e portos, sem coordenação com a parte portuguesa.

Como escreveu Daniel Gros, diretor no Centro de Estudos Politicos Europeu,  "A razão pela qual ainda não existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projetos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa."

É interessante comparar o discurso do governo com o discurso do presidente da CE, Juncker:

«A minha primeira prioridade como Presidente da Comissão será reforçar a competitividade da
Europa e estimular o investimento para a criação de emprego. Precisamos de um investimento mais inteligente e, aquando da utilização dos fundos públicos [disponíveis a nível da UE], de mais precisão, menos legislação e mais flexibilidade. 
Se assim atuarmos poderemos mobilizar até 300 mil milhões de EUR de investimento público e privado adicional na economia real nos próximos três anos. Estes investimentos suplementares devem centrar-se nas infraestruturas, nomeadamente nas redes de banda larga e redes de energia, bem como nas infraestruturas de transporte em centros industriais; na educação, investigação e inovação; nas energias renováveis e na eficiência energética. É conveniente afetar recursos significativos a projetos suscetíveis de ajudar os jovens a voltarem a encontrar empregos.»
                 (Orientações políticas de Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, apresentadas ao Parlamento                     Europeu em 15 de julho de 2014).

Considerando que a opinião pública não se encontra devidamente informada sobre as ações do governo para submissão de projetos a candidatar aos fundos comunitários disponíveis, julgo do maior interesse o debate deste assunto no Parlamento.

Com os melhores cumprimentos,
... ... ... ... ... ... ... ... ... 

mais informação em:
http://1drv.ms/1ue6zBE

PS - Foi também recebido um email do grupo parlamentar do CDS assegurando que o XIX governo estava a desenvolver atividade neste sentido, o que parece não ter dado grande resultado

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Os reformados do metropolitano de Lisboa em janeiro de 2015

Mantem-se em vigor o artigo 77 da lei do orçamento do Estado.
Empresas públicas, como o metropolitano de Lisboa, cujas receitas operacionais sejam inferiores às despesas, não podem pagar complementos de reforma aos seus reformados.
Mesmo que esse pagamento estivesse contratado por convenções coletivas de 1973.
Ainda que a regra seja que os contratos são para cumprir e que quando não se cumprem o credor pode exigir ressarcimento.
Apesar de existir legislação europeia que prevê o auxílio oficial a empresas que por insolvencia deixaram de poder pagar os seus planos de pensões.

A burocracia juridica do nosso país tem paralizado as ações que têm sido interpostas.
O governo e os seus propagandistas têm apresentado os reformados do metro como privilegiados que sempre tiveram rendimentos superiores aos outros cidadãos e cidadãs.
Não é verdade, tendo em conta que a maioria dos trabalhadores do metro é qualificada, por razões ligadas à segurança das circulações; mas compete à acusação, para o provar, apresentar dados que cubram toda a realidade e não apenas casos particulares.
E mais valia o governo e os seus propagandistas trabalharem para que a maioria dos portugueses tivesse empregos e vencimentos mais elevados, como diz o artigo 58 da Constituição.
Mas não, as greves do metro têm ajudado o governo e os seus propagandistas a virar a opinião pública contra os seus trabalhadores e reformados. Como um jogador de judo que aproveita a força da indignação de quem protesta para o lançar na condenação pelos passageiros.

Por isso, depois de um ano em que, em média, os rendimentos mensais de cada reformado foram reduzidos de 640 euros, mais uma vez nos encontrámos no átrio de correspondência da estação Marquês de Pombal, na esperança de que as televisões nos mostrassem, que informassem nos seus telejornais o que é ver os seus rendimentos reduzidos, para além dos aumentos de impostos e dos cortes em benefícios sociais, de 640 euros.

Juntámo-nos talvez 300. Cerca de 25% do nosso universo. Que, seguindo a lei natural, se vai reduzindo paulatinamente (o "privilégio" dos complementos de reforma cessou, por contratação coletiva, para as admissões posteriores a 2004). A empresa poupou neste ano cerca de 14 milhões de euros, equivalente a 16% dos seus encargos com pessoal; ou 50% dos custos de fornecimentos e serviços externos; ou 0,8% do serviço da dívida.

Os reporteres das televisões já chegaram. Registam as declarações emocionadas dos oradores, os delegados sindicais, o membro da comissão de reformados, da comissão de trabalhadores. Que o senhor secretário de Estado não se dignou responder à proposta de aceitação de um corte de 9% sobre os complementos de reforma, equivalente a uma TSU, para constituição de um fundo de pensões. Está obsecado pela redução dos custos como preparação para a privatização ou, como agora se lembrou de dizer, a sub-concessão.
Os reporteres vão ouvindo um ou outro de nós.
Eu vejo passar os passageiros. Não mostram enfado connosco, embora certamente se lembrem dos incómodos das greves. Terão emprego, mas estará seguro? Terão os privilégios dos trabalhadores das empresas públicas? Alguns dos que passam, mais jovens, estudantes, tiram fotografias com os seus telemóveis e sorriem. Pergunto-me como será daqui  a 30 ou 40 anos, se receberão as suas reformas, se terão os serviços sociais assegurados, ou se predominou a lei da selva em que só os mais fortes resistiram. Lembrar-se-ão deste grupo de velhos, incómodo para as finanças do metro e do país?

- José, como vai?
- Lá continuo nos Brejos de Azeitão . Tenho de tomar conta do meu neto. A minha filha está na Suiça, com o marido e a outra filha. Não ficaram contentes com a valorização do franco suiço porque recebem em euros.
- João, está mais gordo, que é feito? Tem visto o seu amigo de Paris? (brinco com ele, João foi agredido, antes do 25 de abril, numa assembleia nas oficinas do metro, por um agente da PIDE; anos depois, de visita a Paris, deu de caras com ele)
- Nem me fale nisso. Estou à espera que se resolva esta questão dos complementos para ver se vou a Paris ver o meu filho. Não está contente. Tem uma lojinha de informática em Chantilly mas estão sempre a aumentar-lhe os impostos, para manter a valorização da zona.
- Manuel, então?
- Então, estou à espera que o governo mude, para ver se nos pagam ao  menos uma parte, para eu pagar as dívidas. Senão desapareço, tenho vergonha se me puserem na rua.

Pergunto a todos com quem falo quantos anos descontaram para a segurança social. A resposta dos não licenciados (havia 40.000 licenciados em Portugal quando entrei para o metro) é sistemática: 41 ou 42 anos de carreira contributiva. São acusados de se terem reformado muito cedo, aos 55 anos. Eu próprio lhes pedia para continuarem, que a sua experiência era útil, mas desarmavam-me com a resposta: comecei a trabalhar com 14 anos, e agora a empresa dá-me a oportunidade de receber os complementos de reforma, vou aproveitar.
Eu penso que os complementos de reforma também são uma compensação por esta barbaridade, pela exploração de trabalho infantil, quando as crianças deviam estar na escola. Muitos dos trabalhadores do metropolitano tinham frequentado escolas técnicas, mas não tinham concluido os cursos. A sua qualificação tinha sido obtida através de ações sistemáticas de formação na própria empresa ou pagas por ela. Muitos dos licenciados do metro orgulham-se da sua ação formativa, de devolver aos beneficiários parte do que tinham recebido na sua juventude privilegiada.

Falam agora os secretários gerais da CGTP e da UGT. Nalguma coisa hão-de convergir... assim convergissem noutros fatores decisivos.
Alguém lembra que hoje, dia 27 de janeiro, se celebram os 70 anos da libertação de Auschwitz pelo exército soviético. Não evito a associação de ideias, apesar da excessiva diferença, quando oiço o apelo dos oradores à resistência, até ao fim, quando eles falam na morte dos velhos por falta de assistencia, na degradação do serviço nacional da saúde e no desvio dos dinheiros públicos para subsidio dos bancos, para a ausencia da taxação das transações financeiras. Nas minhas memórias pessoais está uma revista de propaganda alemã, com data de abril de 1945, que circulava em Lisboa. Uma fotografia de uma fila de racionamento em Berlim, e a legenda engajada: o heroico povo alemão resistindo aos bombardeamentos da aviação aliada. Esquecendo, claro, o drama dos campos de concentração. Aliás, no ano anterior, os organismos internacionais tinham visitado o campo de Teresienestad e concluido que respeitavam a convenção de Genebra. Intolerável, a propaganda dos governos e dos seus arautos.

Fala agora o deputado do PCP. Já tem aparecido em outras reuniões. Repete o seu discurso de apoio, que os trabalhadores não podem ser a peça mais fácil de afastar. Que é preciso parar a fúria privatizadora do governo.
Mas como ganhar os eleitores e os passageiros? Como organizar a alternativa ao governo? porque há alternativa. Mas os partidos e as organizações de cidadãos não se entendem num programa comum contra as medidas da troika e dos seus serventuários.
Passa um dos reporteres ao pé de mim e eu interrompo-lhe o passo.
- Fazemos ao contrário, digo eu, faço-lhe eu a entrevista, o que pensa do nosso caso? Quero saber a sua opinião.
O moço rapidamente ultrapassa a surpresa e responde de um folego:
-É uma injustiça.
É a minha vez de ficar surpreendido.
- Mas vocês na comunicação social estão sempre a dizer que nós somos uns privilegiados, como diz o João Cesar das Neves, ou o José Manuel Fernandes no Observador.
- Claro, a imprensa de direita é muito forte e bem organizada. Claro que faz o jogo do governo e o amplia. Mas a esquerda também emite a sua opinião. Até o Pacheco Pereira vos defende.

E esta? Que surpresa agradável. Pelo sim, pelo não, não digo o nome da estação de televisão. Não vá alguém achar que um reporter não pode pensar pela cabeça dele e solidarizar-se com uns velhos.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Olhos nos olhos na TVI24, em 26 de janeiro de 2015


http://www.tvi24.iol.pt/programa/53c6b3963004dc006243d285/olhos-nos-olhos

Com a devida vénia ao programa de Medina Carreira e Judite de Sousa, retenho que as despesas com juros da dívida pública em 2010 eram de 13 mil milhões de euros e em 2015 (orçamento do Estado) são de 4,8 mil milhões (mérito da aleatoriedade das flutuações financeiras e da intervenção do BCE, não de virtuosa politica do atual governo, ou de como uma pequena economia não poderia influenciar tanto as taxas de juro)



Parece portanto que, apesar dos cortes em serviços essenciais para a dignidade de vida, o principal fator que permite equilibrar as contas é a descida dos juros, independente da ação do governo, possivel consequencia das intervenções de Mario Draghi e do receio dos credores de matarem a galinha dos ovos de ouro.
Sendo assim, parece confirmar-se que  o resgate foi necessário por não haver dinheiro para pagar os juros, depois de pagar os salários.
Será portanto abusivo dizer que não havia dinheiro para pagar salários e pensões (por acaso o dinheiro da segurança social, que em 2010 tinha superavit, não é do Estado, é dos contribuintes), para mais depois do então governo ter pago um reembolso obrigacionista de 9 mil milhões de euros (se não me falha a memória).

Outra informação interessante deste programa foi a de que as pessoas que trabalham nos bancos afirmam que há dinheiro para financiar (não precisariam do quantitative easing, talvez) mas não há projetos credíveis para financiar.
Isto é uma barbaridade, num  país a necessitar de reabilitação urbana para repovoar as duas principais cidades, de construir infraestruturas ferroviárias para poupar a importação de combustiveis fósseis (para não falar na necessidade de aumentar a produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, negociando com a Europa a exportação de energia) e de aumentar a produção de alimentos, nomeadamente em aquacultura.
A barbaridade agrava-se quando é a própria união europeia a dizer que há dinheiro para investir, mas não aparecem os projetos (recordo o prazo de 26 de fevereiro de 2015 para apresentação de projetos ao CEF (conneting europe facility). Citação da comissária europeia dos transportes, num discurso em 21 de janeiro de 2015: " Unfortunately, despite available financing resources and low interest rates, the investment remains limited."

Mas é assim que vivemos, na dependência das decisões ou omissões de economistas soberanos, pequeninos títeres no seu poderio provinciano, e um pouco mentirosos, quando diziam que não havia dinheiro.
Como habitualmente, depois do programa olhos nos olhos, passou o anúncio de um automóvel de cerca de 75.000 euros e de uma corretora bolsista sugerindo compra de ações no mercado internacional.

Não tenho portanto confiança neles, como já se disse neste blogue.
Não querem verdadeiramente melhorar a vida das pessoas.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Da Oxfam a Davos

O relatório da Oxfam de 2014 é claro: a diferença entre os ricos e os pobres aumenta a uma velocidade excessiva.
80 pessoas detêm a mesma riqueza de outras 3500 milhões de pessoas.
Vendo de outra forma, 1% da população, os mais ricos, cerca de 70 milhões de pessoas, têm 48% da riqueza mundial, isto é, quase metade desta.
Analisando a evolução dos ultimos 3 anos, tem-se para o numero de pessoas com a riqueza de metade da população mundial:
2009.............. 388
2013..............   85
2014..............   80
E para a percentagem de riqueza mundial detida pelos 1% mais ricos:
2009.............  44%
2014.............  48%
Os dados indicam portanto que a desigualdade aumenta.
Dirão os adeptos das ideias de Haiek, Friedman, Thatcher e Reagan,  do pensamento dominante dos decisores da união europeia, que possivelmente se estará numa parte descendente de uma curva sinusoidal, e que a desigualdade diminuirá mesmo que não se faça nada.
Tambem poderão dizer, como reação às medidas de quantitative easing de Mario Draghi, em janeiro de 2015 (BCE e bancos centrais nacionais podem comprar no mercado secundário dívida pública) que continuam por realizar reformas estruturais (penso que o que querem dizer é a contínua desvalorização do fator trabalho para o fator capital poder crescer), e que  enquanto elas não se realizarem as medidas de austeridade não darão efeito.
É uma espécie de retórica escolástica, encontrar sempre uma desculpa quando os dados dizem o contrário. Prometer a quem trabalha (os falhados, como dizia Thatcher, incapazes de criar os próprios negócios)  reduzir os seus rendimentos para que o custo de vida baixe e assim haver crescimento (como, se só há crescimento se houver investimento e só há investimento se houver remuneração do capital investido?) .
Neste blogue já se contou a história do simpático contramestre da manutenção das máquinas de bilhetes do metropolitano de Lisboa que, há muitos anos, dizia em todas as conversas que o que o metropolitano precisava era de uma reestruturação.
Qualquer coisa que iluda as pessoas e que nunca se atinja.
Ou que, quando se atingir, volte a ser preciso outra reestruturação.
O aumento da desigualdade reflete um fenómeno físico num sistema abandonado a si próprio, sem correção das forças dominantes. Os elementos de maior rendimento de funcionamento, precisamente por isso, tendem a aumentar a distancia dos elementos de menor rendimento. É a lei de Fermat-Weber.
Os dados mostram isso. É o que está registado no livro O espírito da igualdade, de R,Wilkinson e K.Pickett, ed.Presença, e recentemente, com mais impacto mediático, O capital no século XXI, de Thomas Piketty, ed.Temas e Debates, com a evidencia de que a desigualdade aumenta porque o rendimento dos elementos financeiros, o crescimento do capital, é superior ao rendimento do sistema produtivo de bens úteis, ao crescimento do PIB.
Mas não era preciso a evidencia cientifica do tratamento dos dados.
Vê-se, a desigualdade, basta ver as dificuldades de quem está desempregado e a quantidade de matrículas novas de Mercedes, Audi e BMW. Basta ver a obscenidade dos anuncios na televisão de automóveis de 40.000 euros ou mais, logo a seguir a programas em que os comentadores repetem que não há dinheiro porque os portugueses viveram acima das suas possibilidades.

Por tudo isto, não tenho a mínima confiança nos senhores economistas que nos governaram e governam e que nos conduziram aqui. A esta desigualdade crescente, depois de durante anos e anos (muito antes da crise de 2008), nos mentirem a todos garantindo que as desigualdades diminuiam.
Mentiram, e não foi por causa da crise de 2008 que as desigualdades cresceram.
Nem são suficientes as medidas de Mario Draghi, que nem sequer igualam o poder de intervenção da reserva federal americana.
Não é de reformas estruturais que a Europa e os paises endividados precisam. Já dizia Chandler, "structure follows strategie". E a estratégia tem de ser o cumprimento da declaração universal dos direitos humanos,  centrada no emprego e na dignidade da vida.
Não nos negócios dos mercados primários e secundários dos bancos, nas decisões de assembleias de acionistas que não respeitam o princípio uma voz um voto, no sigilo bancário e respetivos off-shores... nos mecanismos formais de democracias que permitem governantes como os que temos.

PS em 28 de janeiro - Um pequeno esclarecimento referente à lei de Fermat-Weber. Quando digo que o sitema está abandonado a si prórpio não quero dizer que ele está isolado de influências externas. Se estivesse isolado a lei da entropia máxima conduziria a um estado caótico em que a distribuição seria mais ou menos uniforme. Refiro-me antes a um sistema em que se permite que os elementos dominantes possam introduzir no sistema forças que os mais fracos não têm, agravando progressivamente as desigualdades. Por alguma razão os excedentes comerciais da Alemanha igualam os defices comerciais dos paises do sul da Europa.

domingo, 18 de janeiro de 2015

O fim da linha - os fundos comunitários

O fim da linha, ou o fim da estrada, são expressões coloquiais usadas para marcar o fim de uma atividade, de uma empresa, de um projeto, de uma vida.
O fim da linha chega a 26 de fevereiro.
Ou pelo menos parece, porque o secretismo do governo é grande.
E os decisores, qualquer que seja o seu nível, no governo ou nas instituições, continuam a seguir o costume mau português de segregar a informação, para que a sua insegurança seja compensada com a sensação de superioridade por deterem informação que a maioria desconhece.
26 de fevereiro é o prazo para apresentação de candidaturas aos fundos comunitários.
Atempadamente (outubro de 2013) foi divulgado pela comissão europeia que seriam disponibilizados fundos comunitários, que poderiam atingir 85%  a fundo perdido,  para investimento, nomeadamente nos corredores ferroviários de ligação à Europa, de que o atlântico, Lisboa-França, detinha a 3ª prioridade em 30.
Este é o programa europeu CEF - connecting Europe facility, a que estão alocados numa primeira fase 11,9 mil milhões de euros, como seed-capital (capital semente), e que considera as ligações ferroviárias Lisboa-Caia-Madrid-Irun e Aveiro-Salamanca.
Para além deste programa, o presidente da comissão europeia Juncker propôs um plano para 3 anos de investimento para a Europa com uma garantia de 21 mil milhões de euros (16 mil milhões para investimentos de longo prazo, mais 5 mil milhões para PME) a induzir investimentos de 315 mil milhões.
Há ainda o novo QREN para 2014-2020 (Horizonte 2020), dotado com 25 mil milhões de euros, incluindo agricultura e pescas.
Os bonzos, porém (que me perdoem os bonzos chineses) acharam que o país já tinha infraestruturas demais.
É natural que achassem.

Bonzos ocidentais não constroem caminhos de ferro, nem portos para porta-contentores de grande capacidade, nem compreendem as variáveis que entram nessas questões, e andam muito, muito pouco, de comboio.
Consta que ainda houve bem intencionados que reenviaram a Bruxelas, para o plano de Juncker,  a lista de investimentos do GT-IEVA (grupo de trabalho para investimentos de elevado valor acrescentado, em que parte significativa são investimentos específicos da conta da respetiva empresa), num montante de 16 mil milhões de euros.

Bonzos ocidentais preferem debitar receitas neo-liberais apreendidas nas faculdade de cursos de "papel e lápis" com as doutrinas de Haiek ou Friedman, sempre muito preocupados com o individualismo e a livre iniciativa, nada preocupados com a informação assimétrica, a escassez e as externalidades, que como se sabe, dão cabo de qualquer funcionamento de mercado.
Os atuais governantes insistem que só as empresas funcionando em mercado livre podem fazer o país sair da armadilha económico-financeira em que se encontra.
Por isso aplaudem os seminários que se fazem com os empreendedores ansiosos por beneficiarem de financiamentos europeus, e académicos e divulgadores/comentadores, a maioria com irrelevante experiencia nas frentes de trabalho das empresas, a explicarem as virtudes da competitividade e da inovação como panaceia.
A mensagem que sistematicamente divulgam através da comunicação social é a de que no QREN de 2007-2013 o país desperdiçou os fundos comunitários em infraestruturas de reduzida utilização, nomeadamente autoestradas.
Justificam assim a aplicação dos fundos do programa para 2014-2020.
Só que ... mentem.
De acordo com Marvão Pereira, em "Os investimentos públicos em Portugal", ed. Fundação Francisco Manuel dos Santos, entre 2000 e 2009 os investimentos públicos em infraestruturas foram em média anual 4,52% do PIB, repartindo-se por:

- infraestruturas rodoviárias convencionais......................................... 20,16%
- ferroviárias ....................................................................................12,37%
- autoestradas ...................................................................................13,15%
- portos e aeroportos ......................................................................... 2,58%
- infraestruturas de saúde ...................................................................5,83%
- de educação .................................................................................. 5,21%
- de telecomunicações .......................................................................16,19%
- básicas (refinarias, redes de gás, eletricidade, águas e residuos.........24,51%

Isto é, gastou-se mais em infraestruturas de telecomunicações do que em autoestradas (a preços atuais, sem contar com os custos financeiros posteriores das PPP, elimináveis se se resgatassem as dívidas pelo valor da obra).

Por outro lado, de acordo com o boletim governamental de monitorização dos fundos QREN 2007-2013 de setembro de 2014, a execução, por grande tema, foi:
- potencial humano......................... 47%,
- fatores de competitividade .......... 25%,
- valorização territorial .................. 28%.
Sendo que na repartição das verbas para o potencial humano se incluem:
- 24%   para a rede escolar
- 27%   para qualificação de jovens
- 20%   para qualificação de adultos
Para os fatores de competitividade foram:
- 62%   para inovação e renovação empresarial
Para a valorização territorial:
- 34%   para a mobilidade (ferrovia Sines-Caia, metro do Porto, CRIL Buraca-Pontinha, autoestrada transmontana)
- 26%   para ambiente e águas urbanas
- 18%   para cidades
- 14%   para equipamentos sociais, cultura e lazer
Isto é, a aplicação dos fundos em infraestruturas foi minoritária, ao contrário do que a propaganda oficial quer fazer crer.

Receia-se assim, fundadamente, que Portugal perca a oportunidade, por ultrapassagem do prazo de 26 de fevereiro de 2015, de desenvolver as ligações ferroviárias em bitola europeia para passageiros e mercadorias Lisboa/Sines-Poceirão-Caia-Irun e Aveiro-Salamanca (exigindo esta ligação uma linha quase toda nova), ampliação das infraestruturas portuárias de Aveiro e Lisboa (se não construido o terminal de contentores a jusante da Cova do Vapor, pelo menos executar o fecho da Golada), o reforço das interligações de linhas de transmissão com Espanha, a ligação em muito alta tensão de corrente continua à rede elétrica francesa,  a construção de barragens com bombagem (potencial de 5 GW) para absorção do excesso de produção eólica, desenvolvimento de frotas de veículos elétricos rodoviários alimentação por baterias ou por hidrogénio produzido descentralizadamente a partir da energia eólica, reabilitação urbana com isolamento térmico e emparcelamento, proteção florestal e desenvolvimento de centrais de biomassa e de resíduos urbanos, desenvolvimento da aquacultura, etc, etc. (no caso do metropolitano de Lisboa, relembram-se as dificuldades burocráticas que têm impedido a alocação de verbas para conclusão da estação Reboleira de correspondência com a CP, da ampliação das estações de Areeiro e de Arroios, e da adaptação das principais estações a pessoas com mobilidade reduzida).

Ressalvo que, dada a natureza secretista do governo, é possivel que alguma coisa de útil se esteja fazendo quanto a infraestruturas, mas isso seria uma agradável surpresa.

Receio que seja mesmo o fim da linha, uma oportunidade perdida, com Espanha a resolver os seus problemas, nomeadamente ferrovia e portos, sem coordenação com a parte portuguesa.
O que apenas continuaria a melhor tradição das questões comuns com Espanha da água, da energia elétrica e vias de transporte rodoviário e ferroviário, e em conformidade com a referência histórica do embaixador de Filipe II ao regressar da sua viagem a Lisboa para apresentar a candidatura à coroa portuguesa: "os portugueses são gente estranha".

Como escreveu Daniel Gros, diretor no Centro de Estudos Politicos Europeu,  "A razão pela qual ainda não existe uma boa interligação entre as redes de energia espanhola e francesa não é a falta de financiamento, mas a falta de vontade dos monopólios de ambos os lados da fronteira de abrir os seus mercados. Muitos projetos ferroviários e rodoviários também avançam lentamente, devido à oposição local e não à falta de financiamento. Estas são as verdadeiras barreiras ao investimento em infraestruturas na Europa."

Assenta como uma luva ao atual governo, a opor-se às ligações ferroviárias e a vender a esperança na competitividade das empresas...Depois ofendem-se muito quando a crítica é de que são opções ideológicas neo-liberais.

Sobre este assunto ver documentação, de que a maioria se deve à recolha atenta, que agradeço, pelo colega Mário Ribeiro, em: 

http://1drv.ms/1ue6zBE


PS em 19 de janeiro: É interessante comparar o discurso de propaganda, sobre os fundos comunitários, do senhor primeiro ministro e do senhor ministro Poiares Maduro, com o discurso do presidente da CE, Juncker:
«A minha primeira prioridade como Presidente da Comissão será reforçar a competitividade da
Europa e estimular o investimento para a criação de emprego.»
«Precisamos de um investimento mais inteligente e, aquando da utilização dos fundos públicos
[disponíveis a nível da UE], de mais precisão, menos legislação e mais flexibilidade.»
«Se assim atuarmos poderemos mobilizar até 300 mil milhões de EUR de investimento público e privado adicional na economia real nos próximos três anos.»
«Estes investimentos suplementares devem centrar-se nas infraestruturas, nomeadamente nas redes de banda larga e redes de energia, bem como nas infraestruturas de transporte em centros industriais; na educação, investigação e inovação; nas energias renováveis e na eficiência energética. É conveniente afetar recursos significativos a projetos suscetíveis de ajudar os jovens a voltarem a encontrar empregos.»
(Orientações políticas de Jean-Claude Juncker, Presidente da Comissão Europeia, apresentadas ao Parlamento Europeu em 15 de julho de 2014).

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Citações várias

Isabel Ferreira, presidente do banco Best:  "o problema (do desequilíbrio de género nos lugares de decisão das empresas) vem do processo de seleção inicial, assente, muitas vezes, no núcleo restrito de pessoas que se conhecem pessoalmente"

      é verdade, e não só neste caso. Um dos grandes problemas das empresas públicas é o critério de escolha dos seus gestores, muitas vezes simples comissários políticos que cumprem apenas as orientações da tutela, sendo certo que as mais das vezes os governantes não têm experiencia do negócio, e os seus comissários políticos conhecem mal os problemas concretos das frentes de trabalho e ouvem pouco os especialistas. Por outras palavras, nem sequer utilizam os serviços dessas empresas

Noam Chomsky, pensador norte-americano: "O problema mais importante é o desemprego, não o défice; no entanto, existe uma comissão para o acompanhamento do défice, mas não há para o desemprego"
     
            nos USA, como em qualquer país, o não cumprimento do artigo 23º da declaração universal dos direitos humanos induz graves problemas sociais

Teresa Paiva, médica especialista de doenças do sono: "O excesso de trabalho, de preocupações e de responsabilidades são as coisas mais comuns. E muito isto de termos passado de uma sociedade onde era tudo garantido para uma sociedade de completa incerteza. É um ambiente um bocadinho ansiogénico e acho que devíamos pensar mais sobre a grande agressão que está a ser feita às famílias, que tem como indicadores claros o aumento dos divórcios e a baixa natalidade ...  Não é nada que não fosse previsível: o sistema (nacional de saúde) começa a esboroar resultado de redução de recursos e desinvestimento. É pena, tínhamos o 14º serviço de saúde do mundo em termos qualidade, era muito bom. E agora piorou."

            é de facto pena, os decisores economicistas não ouvirem, ou não poderem, os especialistas 

Je suis laicité

Do Charlie Hebdo nº1178 retiro este cartoon:


e a afirmação inequívoca da "laicité". Não se pretende pregar o ateísmo, apenas que como cidadãos não se imponham religiões. Aliás, era o que dizia o primeiro presidente da república do Paquistõ, não é novidade nenhuma.

http://1drv.ms/14JFZ6P



Ronaldo, Ronaldo




Agora, que tantos aplaudem Ronaldo com a comunicação social amplificando a sua mensagem de lutar sempre pelo objetivo de ser o melhor, recordo o filme Welcome:

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/05/imigracao-clandestina-welcome-il.html

Um adolescente curdo, admirador confesso de Ronaldo e também praticante de futebol, tenta imigrar para a Inglaterra.
Treina-se aplicadamente para a travessia a nado do canal da Mancha.
Consegue fazê-lo, mas morre ao recusar deixar-se apanhar pela policia maritima.
É um exemplo de que por mais esforçado que seja o treino pode não alcançar-se o objetivo.
Na maioria dos casos não se alcança o objetivo, escusa a comunicação social de transformar a história de Ronaldo em conto de fadas.
Interessa-me como foi conseguido o sucesso, com muito trabalho e dedicação, certamente, mas interessa-me mais porque falhou a maioria.
E também recordar a fronteira ténue nos clubes de futebol entre as suas escolas e o trabalho infantil. E o mau exemplo para os jovens. Pelo menos, era o que respondiam alguns alunos à minha mulher, quando ela lhe pedia que fizessem exercícios, não de futebol, mas de matemática, que o Ronaldo  também não sabia matemática.
Pode o senhor professor Marcelo Rebelo fazer a sua entrevista encomiástica a Ronaldo, mas deveria ter citado a frase do jogador no campeonato da Africa do Sul: "Assim não ganhamos o jogo"

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

O choque de civilizações de Samuel Huntington

Penso que a designação "choque de civilizações" é um pouco forçada, típica da perspetiva egocêntrica norte-americana. 
A minha professora de história e filosofia separava muito bem os conceitos de civilização e de cultura. 
Desenvolveu-se de facto uma ideologia e uma cultura wahabita de retrocesso medieval e aos tempos biblicos de "olho por olho, dente por dente". Por sinal patrocinada atualmente pela Arabia Saudita, que pela sua aliança com os USA representa um papel dominante nisto tudo, desde o preço do petróleo à geo-estratégia do médio oriente.
Em termos práticos, o choque de culturas manifesta-se ao nivel das pessoas nos atentados terroristas. 
Mas aqui penso que é necessário o estudo caso a caso dos intervenientes. 
O melhor exemplo para mim é o livro de Haruki Murakami, Underground (existe uma edição em português  da Tinta da China) em que ele entrevista autores e vitimas do atentado no metro de Toquio. 
É necessário estudar bem as circunstancias e as causa em cada atentado, a exemplo do que se deve fazer nos acidentes de transportes. 
No caso de Paris parece clara a influencia da cultura  das periferias de Paris e as circunstancias de dificil emprego dos jovens das comunidades imigradas. 
No caso de Toquio a doença dos autores era uma crença numa seita religiosa de derivação cristã, não quaisquer dificuldades económicas, antes desadaptação social e fragilidade psicótica. 
Mas claro que os comportamentos desviantes de pessoas originárias de culturas islamicas estão a ser mais mediáticos (não esquecer o "cristão" Breivik que assassinou 72 jovens na muito civilizada Noruega), desde as mortes por telecomando de crianças armadilhadas na Nigéria até às chicotadas em publico na Arabia Saudita do blogger Raif Badawi (https://www.facebook.com/pages/Free-Saudi-Liberals-%D8%A7%D9%84%D9%84%D9%8A%D8%A8%D8%B1%D8%A7%D9%84%D9%8A%D9%88%D9%86-%D8%A7%D9%84%D8%B3%D8%B9%D9%88%D8%AF%D9%8A%D9%88%D9%86-%D9%85%D8%AC%D8%A7%D9%86%D8%A7/435007313283066). 
Por suprema hipocrisia, o ministro dos negócios estrangeiros da Arabia Saudita esteve na manifestação de Paris.
Cito a historiadora marroquina Hanane Harrath numa excelente reportagem do DN: "os responsáveis muçulmanos não podem manter por mais tempo o fosso que é defender a modernidade tecnológica sem modernidade intelectual. O desafio que enfrentam é o de dessacralizar crenças e dogmas. O nosso drama é que todos os dias eles impedem isso".  
E um anónimo ativista saudita: "a liberdade de expressão nunca existiu no meu país. É hipocrisia as autoridades terem condenado o ataque em Paris, mas também são hipócritas os lideres mundiais que se manifestam em defesa da liberdade de expressão e continuam aliados da Arábia saudita. Não é principalmente a defesa da liberdade que juntou todas estas personalidades e sim o ponto comum, a condenação do terrorismo".
Dificil, resolver isto tudo, mas existem os padrões e os mecanismos. 
Existe uma ONU, uma declaração universal dos direitos humanos, uma UNESCO e a possibilidade de alguns governos e algumas organizações não governamentais funcionarem como mediadores. 
Foi assim que se resolveu (penso) o conflito na Irlanda do norte e no pais basco. 
Existem tambem ferramentas de analise económica que já demonstraram a necessidade de alterar algumas regras (comércio de armas, de droga, regulação de mercados e de off-shores, controle da corrupção dos governos dos paises menos desenvolvidos...) e de reduzir as desigualdades sociais em todos os países (ver http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2014/10/os-congressos-das-elites-e-o-que-as.html e os livros fundamentados em análise de dados:  O capital no século XXI de Thomas Piketty, ed.Temas e Debates, A riqueza oculta das nações de Gabriel Zucman, ed Temas e Debates, e O espírito da igualdade  de R.Wilkinson e K.Pickett, ed.Presença).

Pena a comunicação social, essencial para defender a liberdade de expressão que desempenha um papel importante na solução, ajudar a ocultar factos para não prejudicar os interesses de grandes companhias(volto ao exemplo das ligações com a Arabia Saudita, mas o problema é mais geral, claro).
Veremos a evolução disto tudo, mas convem ir falando disto, no meio de opiniões mais e  menos controversas.

Wounds of Waziristan, as feridas do Waziristan



Surpreendo-me com uma entrevista na Antena 2 ao músico André Barros.
Compôs a música para o documentário Wounds of Waziristan, da paquistanesa Madiha Tahir.
O Waziristan fica na fronteira com o Afeganistão e é considerado zona de tribos.
Em 1919 os aviões ingleses bombardeavam-no sistematicamente com a justificação de que não havia lei no território.
Hoje são os drones americnos que matam talibans mas também civis inocentes.
Se recuarmos no tempo, Eça de Queiroz denunciou a imoralidade da intervenção inglesa no Afeganistão.
Nos tempos que correm, continuam as desculpas para a intervenção dos USA, ficando por cumprir as promessas de Obama na sua primeira campanha eleitoral.

Penso que é o que podemos fazer, divulgar a outra face, oposta à versão oficial, e que, apesar de tudo, ainda vai sendo possível.
Não convencerá os nossos comentadores fazedores de opinião (como gostam que pensem como eles e que quem não pense assim que se sinta marginalizado), nem os irados comentadores de caixas de comentários contra o "Estado social". E muito menos, claro, as entidades governamentais tão seguras das suas convicções geo-estratégicas.
Mas é da natureza humana, da sua curiosidade pelas coisas, como dizia Eça, procurar saber o mais possível sobre os fenómenos, e interessar-se, neste caso, como parte do mundo ocidental que somos, pelas motivações e pelos efeitos da política internacional de paises como os USA, o UK, a Arabia Saudita, etc.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Imagine

Repito o texto da canção Imagine, de John Lennon, cantada na festa de fim do primeiro período das classes infantis e juvenis do conservatório de Lisboa.
É bonito ver tantas crianças e jovens estudando musica, tocando e cantando assim:







Imagine there's no Heaven 
It's easy if you try 
No hell below us 
Above us only sky 
Imagine all the people 
Living for today 

Imagine there's no countries 
It isn't hard to do 
Nothing to kill or die for 
And no religion too 
Imagine all the people 
Living life in peace 

You may say that I'm a dreamer 
But I'm not the only one 
I hope someday you'll join us 
And the world will be as one 

Imagine no possessions 
I wonder if you can 
No need for greed or hunger 
A brotherhood of man 
Imagine all the people 
Sharing all the world 

You may say that I'm a dreamer 
But I'm not the only one 
I hope someday you'll join us 
And the world will live as one 



Imagina que o paraíso não existe
É fácil, basta tentar;
Que não há inferno
E que acima de nós só o céu
Imagina toda a gente 
A viver o seu dia a dia

Imagina que não há países
Não é difícil;
Que não há nada por que matar ou morrer
nem nenhuma religião, também.
Imagina todos 
A viver a vida em paz

Podes dizer que sou um sonhador
Mas não sou só eu;
Espero que um dia te juntes a nós 
e o mundo será aquele mundo 

Imagina não haver a posse
Gostaria,  se o conseguisses;
Não haver necessidade de ganância ou fome
Antes uma fraternidade humana.
Imagina todas as pessoas 
A partilhar todo o mundo.


Podes dizer que sou um sonhador
Mas não sou só eu;
Espero que um dia te juntes a nós 
e o mundo viverá unido


http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=imagine


quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Charlie

Com muito obrigado ao DN, de onde retiro o cartoon, pela sua reação ao atentado:


Eu penso que os governos, juntamente com as próprias instituições religiosas, deveriaam desencadear uma campanha de esclarecimento sobre os textos ditos sagrados e integrá-los nos contextos históricos.
O Corão diz claramente que ninguém tem o direito de dispor da vida de outrem, e há um hadite muito claro que diz: "a tinta do sábio vale mais do que o sangue do mártir" - الحبر لل تعلم يستحق أكثر من دم الشهيد.
Seria bom que estudassem as reportagens de Eça de Queirós no médio oriente, e analisassem os erros da divisão artificial dos despojos do império otomano.
Esta ideologia wahabita de morte aos cruzados combate-se principalmente com cultura, reconhecimento dos erros e culpas, e com empregos para os jovens.
Agora se acham que as empresas só são rentáveis se despedirem pessoas e não empregarem jovens e se continuarem a apoiar as politicas da arábia saudita (ligações aos empresários de petróleo dos USA), vai continuar a ser dificil.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

O voo 8501 da Air Asia

É verdade que só depois da leitura das caixas negras poderá haver uma elevada probabilidade de conhecer as causas do acidente.
Porém, corre-se o risco do tempo passar e, como aconteceu no caso do avião da Air France, o voo AF447, quando o relatório foi divulgado não ficou completamente esclarecido, talvez por razões de pagamento pelas seguradoras, o papel de deficiencias do equipamento, nomeadamente do radar meteorológico do avião, das sondas de velocidade Pitot e do interface automatismo-pilotos em situação de emergencia.
É por isso importante que desde o principio a opinião pública, já sensibilizada para a necessidade de melhorar a comunicação em tempo real dos parametros de funcionamento do avião através de uma rede de satélites (exige investimento dos fabricantes nos aviões e dos governos na rede de satélites, uma vez que a experiencia já demonstrou que estas não são rentáveis) aguarde respostas a questões como:
- as sondas Pitot do avião acidentado eram do novo modelo recomendado pelo fabricante para substituir as primitivas ? estas dão informações erradas em condições de tempestade  aos automatismos, que em consequencia podem reduzir a potencia nos reatores levando à perda de sustentação (stall); segundo informação do controle indonésio, o avião virou à esquerda por não ser autorizado a subir para evitar a nuvem de tempestade e a velocidade reduziu-se de cerca de 800 km/npara 600 km/h (os valores retirados do radar não são fiáveis mas a hipótese é de perda de velocidade e de sustentação)
- a Airbus melhorou desde o acidente do AF447 as condições de interface automatismos-pilotos em caso de emergencia?
- o radar meteorológico do avião estava tecnologicamente atualizado?

Vamos ver se o relatório final , depois de achadas as caixas negras, esclarecerá estas questões.~

PS em 21 de janeiro de 2015 - A caixa negra com o gravador de vozes já foi ouvida e a caixa com o registo dos dados está a ser descodificada. Segundo  informações oficiais, o avião entrou em perda após uma subida brusca a velocidade superior ao normal. Da gravação das vozes se conclui que não houve ataque terrorista nem suicidio, pelo que se desconfia de falha humana ou deficiencia dos automatismos ou dos sensores de velocidade. Embora o assunto seja delicado por envolver as companhias de seguros, conviria que fosse tudo esclarecido, especialmente no caso de deficiencia técnica.
PS em 2 de fevereiro de 2015 - segundo a investigação aos dados das caixas negras, o comandante estaria tentando fazer o reset dos computadores FAC (flight augmentation computers, que controlam os atuadores hidráulicos sobre o leme de direção e limitam os movimentos bruscos) ligando-os e desligando-os. Parece que os FAC daquele avião já tinham dado avaria (procedimento incorreto da manutenção ao deixar o avião em serviço?). Confirmando-se esta impressão preliminar, terá sido um caso de avaria de computador e impossibilidade de retoma dos comandos manuais em segurança. Tal como no caso do avião da Air France, parecem insuficientes os esclarecimentos da Airbus e as medidas corretivas necessárias. A menos que se considere que, pela baixa probabilidade de ocorrencia, seja mais económico pagar as indemnizações do que corrigir o defeito em todos os aviões. 
Informação sobre os FAC:
http://www.dutchops.com/Portfolio_Marcel/Articles/Flight%20Controls/A320_Flight_Controls/A320_Primary_Flight_Controls.html

http://www.efbdesktop.com/flight-controls/sys-7.5.3.html

http://quizlet.com/4858580/a320-flight-controls-flash-cards/

NIMBY

NIMBY, not in my backyard, não no meu quintal, exprime pejorativamente a aprovação de um investimento com benefícios para a comunidade mas cujos custos ou inconvenientes não sejam suportados pelo próprio.
Uma espécie de cortem nos lucros ou rendimentos dos outros.
Uma recente e irónica ilustração, a propósito dos problemas de obtenção de energia primária, é a recusa do patrão da Exxon Mobil, a principal companhia de extração de gás de xisto por "fracking" (fratura de camadas de xisto por injeções hidráulicas) nos USA, opôs-se, juntamente com os seus vizinhos, à instalação de equipamentos de "fracking" junto do seu rancho, com o argumento de que desvalorizava a propriedade.
Como dizia Orwell, há uns mais iguais que outros, mas a coisa parece que avança, no UK, na Estónia... até se falou na zona de Alcobaça...

http://www.beurk.com/breves/le-patron-dexxon-mobil-dit-non-au-gaz-de-schiste

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Aula de matemática, de Tom Jobim

Dedicado  a quem não gosta de matemática, ou pelo menos, diz que não gosta, ou não quer investigar se há matéria para gostar:


http://letras.com/tom-jobim/86152/


Aula De Matemática
Pra que dividir sem raciocinar
Na vida é sempre bom multiplicar
E por A mais B
Eu quero demonstrar
Que gosto imensamente de você
Por uma fração infinitesimal,
Você criou um caso de cálculo integral
E para resolver este problema
Eu tenho um teorema banal
Quando dois meios se encontram desaparece a fração
E se achamos a unidade
Está resolvida a questão
Prá finalizar, vamos recordar
Que menos por menos dá mais amor
Se vão as paralelas
Ao infinito se encontrar
Por que demoram tanto os corações a se integrar?
Se infinitamente, incomensuravelmente,
Eu estou perdidamente apaixonado por você.


domingo, 4 de janeiro de 2015

Teoria do transporte de passageiros - miniensaio

resumo: recordam-se aqui algumas fórmulas fundamentais para a exploração de uma linha de transportes, e alguns gráficos que traduzem as relações entre o fluxo de tráfego e a densidade de veículos numa via rodoviária, nomeadamente na formação de engarrafamentos. Tenta-se ainda o relacionamento com o comportamento dos condutores. Fontes: metropolitano de Lisboa e "Critical mass", de Philip Ball, ed.Arrow Books, 2004


Um indicador importante para o dimensionamento da exploração de uma linha de metropolitano, de comboios suburbanos ou de autocarros, é a capacidade de transporte de passageiros numa secção da linha, por hora e sentido.
Por analogia com a mecânica dos fluidos, essa capacidade é a medida do fluxo de tráfego de passageiros, determinada a partir de matrizes de deslocação casa-emprego, de inquéritos e do planeamento de organização do território.
A capacidade horária da linha depende da capacidade c' de cada veículo e do intervalo de tempo ∆t entre comboios, ou tempo de espera máximo, em segundos, segundo a fórmula:

                                   C = 3600.c' / ∆t

O número n de veículos em toda a linha, nos dois sentidos, é igual ao quociente entre o tempo total de percurso dos dois sentidos da linha, incluindo os términos, e o intervalo entre comboios (n=T/∆t).
Considerando a velocidade média  v em km/h de circulação em toda a linha, incluindo os términos, e o comprimento L em km da linha de ida e volta, incluindo os términos, verificam-se as seguintes fórmulas:

                                  ∆t = 3600.L / v.n
                             
                                  C = c'.v.n / L

                                  n = 3600.L / ∆t .v

Para uma dada capacidade de um comboio, o intervalo de tempo entre comboios é imposto pela capacidade horária desejada (tanto maior quanto maiores a capacidade do comboio, a velocidade média e o número de comboios em linha, e tanto menor quanto maior o comprimento da linha).
O número de comboios necessário em linha, para esse intervalo entre comboios, dependerá então da velocidade média que puder manter-se (o número de comboios será tanto maior quanto maior for o comprimento da linha e tanto menor quanto maiores o intervalo e a velocidade média).

Tabela de valores construida para uma linha de 10 km (ida e volta mais términos) e comboios para 400 passageiros:



Para uma capacidade horária desejada de 10.000  pass./h ter-se-á um intervalo entre comboios de cerca de 150 segundos:

Entrando com o valor de 150 s no gráfico que relaciona ∆t  com v obtem-se nas curvas de  n  o valor de 10 comboios se puder garantir-se a velocidade média de 23-25 km/h.
Se for possível garantir uma velocidade média um pouco superior a 31 km/h serão suficientes 8 comboios (mais os 10% para imobilização para manutenção):




Outra forma de apresentação do resultado, sob a forma do gráfico da capacidade da linha em função do número de comboios para várias retas de velocidade:



Esta análise mostra assim a importancia das duas grandezas, a capacidade horária ou fluxo de tráfego, por um lado, e o número de veículos em linha ou densidade espacial de veículos, por outro.
Mostra-se que a mesma capacidade (ou intervalo de tempo entre veículos) pode ser alcançada com um menor número de comboios se se conseguir uma velocidade média maior.



Esta conclusão pode tornar-se perigosa quando se faz a transição para a análise rodoviária, sabendo-se que existe uma correlação fortemente positiva entre a velocidade média de deslocação dos automóveis e a sinistralidade rodoviária. Dados da ANSR indiciam que uma redução de 5% da velocidade média induz uma redução do número de acidentes de 30%.
Essa correlação deve-se aos condutores, para além de razões comportamentais, não disporem de toda a informação sobre o espaço à sua frente, nomeadamente sobre os indicadores de aderencia ao solo, de adequação às condições ambientais (por exemplo, o campo de visão reduz-se impercetivelmente ao aumentar a velocidade, a existencia de nevoeiro reduz as referencias para a estimativa da distancia de travagem) e de aproximação de obstáculos, com a agravante de se tratar de variáveis aleatórias.

Considerando para simplificar uma via num unico sentido, com uma distribuição uniforme de veículos ao longo da via a velocidade constante, vamos estabelecer uma tabela para vários valores do intervalo de tempo entre veículos e de velocidade, para traçar os gráficos que relacionam o fluxo de tráfego (ou número de veículos por hora numa secção da via) com o intervalo de tempo entre veículos, e o fluxo de tráfego com a densidade de veículos na via (ou número de veículos por km):


Verifica-se que o fluxo de tráfego ou capacidade horária de transporte do sistema é inversamente proporcional ao intervalo de tempo entre veículos (ou diretamente proporcional à frequencia com que passam numa dada secção).
O fluxo de tráfego em veículos por hora é também igual ao produto da densidade espacial de veículos, em veículos por km, pela velocidade em km/h, aqui suposta uniforme.
Isto é, uma mesma capacidade pode ser conseguida com uma velocidade baixa mas elevado número de veículos na estrada (densidade elevada, intervalo de tempo entre veículos pequeno), ou com poucos veículos, mas velocidade elevada.
No gráfico seguinte representam-se as funções:
               -      F, fluxo de tráfego, em função da densidade por km D, sob a forma de uma reta para cada valor de velocidade v ;
               -      F em função do intervalo de tempo entre veículos, ∆t
Entrando no ponto 1 com uma densidade de 20 veículos/km, obtem-se no ponto 2, na reta para v=108km/h, o valor de F=2016 veículos/h.
Deslocando para o ponto 3 obtem-se na curva de F em função de ∆t o valor de 1,8 s, no ponto 4.



O gráfico seguinte mostra outra forma de relacionar a velocidade em função do intervalo de tempo entre veículos, com as curvas para a densidade de veículos por km, crescente com a diminuição de ∆t e de v  (densidade em veículos por km inversamente proporcional ao produto de ∆t por v).



Estas fórmulas e gráficos, após breve análise das principais regras do tráfego automóvel, permitem abordar o fenómeno dos engarrafamentos, nomeadamente em autoestradas, e a fundamentação das recomendações para otimização do tráfego, de que se destaca a moderação da velocidade e a manutenção de um intervalo entre veículos superior ao espaço correspondente ao tempo de reação para a velocidade efetiva.

Regras elementares (segue-se com um pequeno acrescento a exposição do livro Critical mass):
- a tendencia dos condutores é acelerar até atingir uma velocidade objetivo
- um dos objetivos da condução é evitar colisões
- é fisicamente impossivel aos condutores adotarem as acelerações e desacelerações exatas em função das condições envolventes, donde a tendencia é, após o tempo de reação, adotar uma desaceleração superior à do carro que seguia em frente e abrandou
- em qualquer condução existem flutuações de velocidade devidas a pequenas distrações ou acontecimentos fortuitos (atravessamento da estrada por animais, ressalto de pedras, picada de insetos, etc)
- a condução é influenciada  por fatores comportamentais, como euforia devida a acontecimentos de impacto social, consumo de drogas, afeções psicológicas, compulsão para afirmação própria ou compensação com manobras aberrantes como ultrapassagens pela direita, mudanças bruscas de via, excesso de confiança, etc.
Nestas condições, o tráfego é um sistema de variáveis aleatórias sujeito a níveis de ruído não controláveis de forma determinista, dependendo as condições de segurança mais de regras gerais que deverão ser observadas por todos do que análises racionais caso a caso em tempo real.
Do livro Critical mass retiro a este propósito uma citação de Freud (as análises da sinistralidade rodoviária deveriam dar mais atenção aos aspetos psiquiátricos da condução, e os condutores deveriam ter mais consciencia das limitações da sua liberdade individual numa estrutura partilhada com outros):

"A liberdade do individuo não é uma dádiva da civilização. Seria maior antes de existir qualquer civilização, embora na verdade não teria grande valor, uma vez que o individuo estava em má posição para a defender. O desenvolvimento da civilização impôs-lhe restrições, e a justiça exige que ninguém deverá escapar a essas restrições ... esta substituição do poder do individuo pelo poder de uma comunidade constitui o passo decisivo da civilização" (S.Freud, A civilização e os descontentes)  

No gráfico seguinte representam-se as trajetórias de 5 veículos em via única sob a forma de espaço em função do tempo, inicialmente com uma velocidade uniforme de 108 km/h para os 5 veículos, espaçados também uniformemente de 30m e 1s.
Esta é uma situação não recomendável, porque o intervalo de tempo entre veículos é inferior a 2 segundos, considerado o tempo médio seguro de reação a mudanças na envolvente (é possível conduzir com concentração de modo a ter um tempo de reação inferior a 0,5s, mas numa viagem longa é impossivel garanti-lo permanentemente).
Admitindo que no instante t=2 o veiculo 1 sofreu uma desaceleração imprevista, passando a velocidade de 108 km/h para 36km/h (o exagero é propositado), e que o tempo de reação de condutores e equipamento é de 1s, o veículo 2 percorre 30m (distancia percorrida em 1s a 108km/h) até ficar à distancia de 10m do veiculo 1. Segue-se uma travagem com uma desaceleração superior à do veiculo 1, para uma velocidade de 27km/h. Repetindo-se o processo, o veiculo n que vier atrás poderá ter de abrandar até à paragem total, em que tivesse ocorrido nada de extraordinário, apenas um abrandamento do primeiro veículo, que nem terá sido afetado pela propagação da perturbação para montante.
A deslocação de grupos de automóveis com intervalos de tempo inferiores ao tempo de reação médio de segurança é assim um equilibrio instável, agravado por comportamentos individualistas como ultrapassagens que obrigam outros condutores a travar. O condutor incorreto poderá chegar mais cedo mas a média geral e o consumo adicional de combustível da maioria piorou. Daí  a citação de Freud.




A figura seguinte representa, num gráfico do fluxo F em função da densidade por km D, a ocorrencia do fenómeno de engarrafamento atrás descrito e a evolução da sua recuperação.
Existe, para cada velocidade e em função do intervalo de tempo, uma densidade crítica para a qual o equilíbrio é instável.
No caso do gráfico, considerou-se, para um intervalo de 1s, uma densidade de 33 veículos por km, o que dá uma capacidade de transporte de 3600 veiculos/h.
Ocorrendo a perturbação, a velocidade vai sucessivamente baixando e a capacidade tambem, mantendo-se o intervalo em 1s, até ao ponto em que a densidade sobe para 160 veiculos por km e a a capacidade desce para 1640 veiculos/h.
Caso não ocorram novas perturbações poderá retomar-se a curva da velocidade de 108km/h mas num ponto de menor fluxo, isto é, num fenómeno de histerese.
Verifica-se assim que, para uma velocidade menor e um intervalo maior, por exemplo 72km/h e 2s, será maior a probabilidade de garantir em permanencia um fluxo mais elevado, 1800 veiculos/h , do que em condições de perturbação para 108km/h e 1s.
Esta a razão por que nalgumas autestradas alemãs existe, em horas de ponta, limitação de velocidade a niveis suficientemente baixos para, juntamente com uma distancia entre veiculos razoável, garantir o escoamento em permanencia.
Os dois ultimos gráficos são retirados do livro Critical mass e representam gráficos de engarrafamentos com medidas em tempo real do fluxo de tráfego e espaço-tempo efetuadas em autoestradas alemãs.







Nota: Existe uma edição em português , Massa crítica, de Philip Ball, ed.Gradiva de 2009 , preço 45 euros.
Pela aplicação de métodos e leis da física, de métodos estocásticos e da estatística de sistemas de variáveis aleatórias, à economia, à sociologia e à politica, este livro deveria ser estudado nas empresas de serviços, salvo melhor opinião, naturalmente.