quinta-feira, 26 de março de 2015

A privatização/subconcessão do metropolitano de Lisboa em março de 2015

Finalmente, o governo atual conseguiu anunciar o concurso público e respetivo caderno de encargos.
Este blogue não dispõe de informação privilegiada, pelo que conhece apenas os termos do anúncio.
Esta circunstancia é compatível com o secretismo, contrário às disposições constitucionais que garantem o acesso de qualquer cidadão a informação estratégica para o interesse público, com que o governo atual e os seus mandatários de nomeação política na administração do metropolitano de Lisboa desenvolveram o processo de preparação do concurso.
Este esteve inicialmente marcado para dezembro de 2013, o que mostra a dificuldade do que o governo pretende: explorar uma linha de metro sem prejuízos operacionais e sem indemnizações compensatórias.
Por formação e experiencia profissional, o escriba deste blogue prefere que as empresas de transporte de interesse estratégico a nível nacional ou de grande região sejam públicas ou de capital público significativo, de modo a poder integrar as questões desse transporte na planificação e organização do território, coisa que compete naturalmente aos orgãos públicos.
No entanto, admite que, nos casos em que as instituições públicas nunca investiram na constituição de um corpo técnico ou operacional completo para a exploração e manutenção de um metropolitano, como é o caso do Porto, essas exploração e manutenção possam ser executadas por entidades privadas.
No caso do metropolitano de Lisboa, que sempre assegurou a manutenção e exploração, para o que se dotou de um quadro de pessoal técnico e operacional qualificado e de provas dadas ao longo do tempo com indicadores de qualidade ao nível dos outros metropolitanos, é, salvomelhor opinião , um desperdício subconcessionar o serviço nos moldes anunciados (exploração e manutenção corrente das instalações fixas).
Considerando a experiencia do metropolitano de Lisboa, tal decisão poderá ser atribuida a ignorancia dos decisores governamentais, assessorados por consultores não imparciais, ou a uma sua obsessão ideológica ("os privados gerem melhor" e "vamos acabar com as regalias dos trabalhadores"), uma vez que as normas europeias não impõem a privatização dos transportes. Acresce que as experiencias em Londres da privatização da manutenção do metropolitano não correram nada bem.
Considerando os termos do anuncio, verifica-se que o único critério de adjudicação é "o valor mais baixo".
Depreende-se assim que o concedente está a comprar um serviço. Isto é, o subconcessionário vai pagar, e o concedente receber, uma renda negativa.
Este facto, associado à retirada do âmbito do concurso da manutenção do material circulante e da grande manutenção das galerias, viadutos e estações, configura uma efetiva mas disfarçada entrega ao subconcessionário de uma indemnização compensatória.
Com a agravante de, ao limitar o critério ao "valor mais baixo", ignorar a capacidade técnica dos técnicos do metropolitano de Lisboa para avaliar a qualidade técnica das propostas e dos seyus proponentes.
E isso é extremamente grave por ser uma clara desconsideração da engenharia portuguesa, uma exclusão dos seus profissionais do processo de seleção.
Imagine-se os riscos de adjudicar um serviço hospitalar avaliado apenas por contabilistas sem a participação de médicos e sem a respetiva consideração de critérios médicos.
Penso que é caso para a Ordem dos Engenheiros protestar por estarem a ser tomadas decisões sobre problemas técnicos sem a consideração de critérios profissionais.
Quanto ao equilíbrio financeiro, conceito tão do agrado dos decisores governamentais, mais uma vez este blogue recorda os cálculos justificativos (que gostaria de ver contestados se não estão corretos) que apresentou em:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=indemniza%C3%A7%C3%A3o+compensat%C3%B3ria

e em:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/10/dedicado-ao-senhor-secretario-de-estado.html

Considerando a renda do subconcessionário positiva ou negativa, e que as indemnizações podem estar disfarçadas na assunção pelo Estado de parte da manutenção, do total dos investimentos ou do serviço da dívida, só tem interesse económico para o Estado subconcessionar se  os lucros do subconcessionário forem menores do que o diferencial dos resultados operacionais antes e depois da subconcessão, devido a uma hipotética "melhor gestão privada" (coisa dificil de conseguir sem baixar os indicadores de qualidade)
Ou por outras palavras, se os resultados operacionais com a gestão privada excederem os resultados operacionais com a anterior gestão pública no valor da soma:
          lucro + a diferença entre o investimento público e privado depois e antes da
         subconcessão + o serviço da dívida pública acumulada anteriormente - a indemnização                      compensatória anterior à concessão

Em resumo, a pretexto do programa da troika ou por ideologia própria, o atual governo assenhoreou-se, depois de ganhar as eleições com mentiras registadas nas reportagens da campanha eleitoral de 2011, dos mecanismos de decisão dos transportes em Portugal, paralisando os investimentos ferroviários, como bárbaros que tomaram o poder e destroem as estruturas produtivas enquanto estimulam o consumo de combustíveis fósseis através dos automóveis privados e tentam o apoio das grandes empresas privadas de transportes, e ignorando afrontosamente a experiencia profissional e a qualificação dos técnicos de todos os níveis do metropolitano de Lisboa.
Resta no entanto a esperança de já não ser possível resolver o concurso até ao final da legislatura por falta de interesse dos concorrentes.
Este blogue lamenta que, apesar de cumpridos os mecanismos formais da democracia, esta não tenha meios, de natureza participativa pela sociedade civil,  para impedir  a prepotencia dos governantes, a desvalorização que fazem do fator trabalho e a subversão dos princípios democráticos a que assistimos em casos como este da subconcessão dos transportes urbanos.

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