sábado, 13 de junho de 2015

A venda da TAP por 10 milhões

Desgostam-me os comentários na internet, como se fosse um pelourinho, a aplaudir a venda da TAP para acabar com as greves.
Para mim são prova de falta de solidariedade de quem os faz. Provavelmente com empregos certos ou situação económica estável, e que não compreendem a necessidade da existencia de sindicatos.
Também me desgostam as greves decretadas por sindicatos que prejudicam a economia pública como foi o caso da greve da TAP, ou afetam a vida dos cidadãos e cidadãs que vão trabalhar e que sem transporte coletivo contribuem para o desperdício energético associado ao transporte individual. Mas é apenas uma discordancia sobre a função sindical e a sua integração na comunidade.

Com a devida vénia ao DN, tento uma análise semiótica aos três rostos.
A senhora revela na sua máscara o que realmente pensa do negócio. É uma senhora qualificada do ponto de vista financeiro, os seus olhos e os músculos faciais são incompatíveis com a serenidade de quem executou uma tarefa de acordo com as regras da sua arte. A sua expressão é assim um indício de que se trata de uma pessoa honesta. O senhor ministro revela autosatisfação própria de um professor universitário premiado que, como académico teórico, está longe do conhecimento dos problemas reais dos negócios de transportes como tem demonstrado pela forma como tem gerido a distribuição dos fundos comunitários. Finalmente, o senhor secretário dos transportes, como excelente utilizador de expressões de impacto mediático e especialista de planos de financiamento, vulgo PPP, de que são exemplos a ponte Vasco da Gama e o Caia-Poceirão, do lado do financiador que não do lado de quem conhece os problemas dos transportes, revela no seu rosto a segurança de quem tem o poder da sua razão independentemente da realidade, como tem provado à saciedade nos processos de concessão e privatização das empresas de transporte urbanas. Faz lembrar os profetas que acederam a revelações exclusivas que se sobrepõem à realidade e que lançam no inferno das penas eternas quem não os segue. Repete incessantemente que foi um bom negócio (400 milhões pagos pelo comprador, 10 milhões recebidos pelo vendedor, por causa daquela coisa subjetiva conhecida por capitais negativos) e que não há alternativa ( TINA - there is não alternative, dizia a profetisa Thatcher, quando é um princípio do conhecimento que há sempre alternativa  - TIAA - there is always alternative). 

Desgosta-me principalmente, talvez por ser velho e ter vivido num período em que acreditámos no conceitos de serviço público, de servidor público, do interesse público e do bem comum (sem a hipocrisia de justificar os sacrifícios dos pensionistas com o interesse público das novas gerações) a impotencia perante a fúria privatizadora do atual governo, sem que os orgãos públicos ligados ao setor dos transportes, as universidades, as associações profissionais, os cidadãos também ligados ao setor tivessem podido formar um corpo técnico de gestão de engenharia, de gestão financeira, de gestão económica, de gestão de recursos humanos, de aproveitamento dos funcionários para a expansão da componente turística, que assumisse a direção da TAP e a sua manutenção na esfera pública.
Se é possível ao banco de Inglaterra publicar um anúncio internacional para provimento do lugar de governador (como é diferente o amor em Portugal, dizia Julio Dantas), porque será impossível em Portugal escolher um grupo de gestores conhecedores do negócio que dirija uma empresa de interesse estratégico (como é uma empresa que tem de assegurar as ligações não rentáveis às populações portuguesas dispersas geograficamente) sem que esses gestores sejam comissários políticos ou militantes dos partidos dominantes nem tenham o lucro como principal objetivo da empresa?

PS em 15 de junho - o senhor presidente da República veio tranquilizar a opinião pública sobre a venda da TAP. Que tinha cruzado informações e que estava tudo bem. Esperemos que não aconteça  o mesmo que aconteceu com o cruzamento das informações  sobre a almofada do BES, informações baseadas num relatório do próprio BES desatualizado 4 meses. 
Por  outro lado, oiço um comentador dizer que não é sério afirmar que a venda foi por 10 milhões de euros porque o comprador vai capitalizar cerca de 400 milhões de euros. 
Não serei sério, então, porque continuo convencido que a venda foi por 10 milhões (o vendedor receberá 10 milhões), embora a compra possa ser de 410 milhões (o comprador pagará 410 milhões) (negócio um pouco diferente do BIC, em que o vendedor, antes de receber 40 milhões por ele, o capitalizou em 600 milhões). 
E diz o comentador que a avaliação da companhia foi, uma, de 200 milhões negativos, e outra, de 500 milhões negativos, logo o negócio foi bom. É possivel, do ponto de vista contabilistico. 
Do ponto de vista de cidadania, tudo depende se 75% dos representantes do povo, ou se 50,001% de eleitores em referendo, depois de apresentados publicamente os argumentos pró e contra, aprovam a venda nestas condições sendo certo que a meta de dinheiro obtido por privatizações, estabelecida no memorando da troika, já foi ultrapassada. 
Como Manuela Ferreira Leite explicou, um meio ou um sistema de transporte para garantir o direito universal à mobilidade não é para dar lucro. Depende do proprietário decidir se aceita gastar dinheiro com ele (os nossos automóveis privados dão lucro ou dão despesa?). Sendo que o proprietário não é o governo, é a nação. 
Entretanto, surgem as informações que o principal cliente da M&E, a companhia de manutenção brasileira da TAP responsável pela maior parte dos prejuízos, só está certificada para Boeing (a maioria dos aviões da TAP é Airbus), 
que o seu maior cliente é a companhia Azul (por outras palavras, o maior cliente da M&E deficitária vai poder geri-la, o que faz lembrar remotamente o processo de venda dos ENVC à Martifer e associadas), 
que a capitalização da TAP para tapar os capitais negativos parece que vai ser feita pelo banco de desenvolvimento, banco público brasileiro (é bonito não terem de se preocupar com regras externas que proibem injeção de capitais públicos, não é? mas se isso se concretizar lá se vai a satisfação do senhor presidente da República de que a maioria dos capitais da TAP permanece portuguesa),
que parece também que uma das hipóteses dos novos acionistas para tapar o buraco é a venda de aviões (como?! se vendem aviões diminuem o ativo o aumentam os capitais negativos, a menos que enganem os compradores),
que ainda não se começou a falar na reconversão da TAP, ou de grande parte dela, em agência múltipla de viagens, 
e que o senhor ministro dos transportes aéreos do Brasil, em clara oposição ao senhor presidente da República portuguesa, afirmou: "Foi uma grande conquista para a aviação civil brasileira (comentário meu: grande?! a TAP não estava desvalorizada?)... a partir de Lisboa, teremos um hub brasileiro na Europa" (comentário meu: nas doutissimas avaliações dos capitais negativos que as consultoras fizeram, esqueceram-se, certamente esqueceram-se, porque se não foi esquecimento teria de se pôr a hipótese que foi por inexperiência, impreparação ou simples incompetência, de entrar numa análise de custos-benefícios com o valor de um "hub brasileiro" na Europa).
Enfim,  evoé,  como dizem os nossos irmãos brasileiros, que nisso seguiram uma via mais respeitadora do que os portugueses da tradição latina por transposição do grego clássico. 





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