quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Ainda os reformados do metropolitano e a manifestação com esperança e ternura

27 de outubro de 2015, dia em que foi anunciado o governo formado pelo partido com maior número de deputados eleitos em 4 de outubro, foi também o dia de mais uma manifestação de trabalhadores no ativo e de reformados do metropolitano de Lisboa e da Carris.
Não fomos muitos.
As duas empresas e os seus trabalhadores sentem neste momento muitos dos efeitos da "reestruturação" encomendada pela tutela para preparação da subconcessão à Avanza, quando há tanto trabalho de serviço público para fazer (garantir a segurança da exploração e da manutenção, obras na Reboleira, em Arroios e Areeiro...).
Talvez pelo ambiente confuso, como alguns dos colegas no ativo caridosamente classificam o atual contexto, poucos deles estavam na manifestação.
Da parte dos reformados, é difícil afastar o pensamento de que alguns de nós já não podem comparecer pela lei natural das coisas (se somos um pouco mais de 1000, somos cerca de 1/10000 da população total; como morremos 100000 por ano, a nossa mortalidade esperada, nossa dos reformados do metropolitano, será de 10, grosseiramente por não se fazer o ajuste por escalões etários - se deixo esta nota triste é para a associar à consciência dos governantes que aprovaram a lei iníqua dos cortes dos complementos, e especialmente á consciência daquele senhor doutor juiz que inclinou a decisão do Tribunal Constitucional para a não declaração de inconstitucionalidade). Ou porque já não têm animo, como o colega que era exuberante e que há 6 meses me confessou "tenho vergonha de não ter dinheiro depois de me cortarem metade do meu rendimento, vou deixar de aparecer".
É realmente fácil para os comentadores estipendiados, como diz Batista Bastos, pelo poder político e mediático, chamar-nos privilegiados quando comparados com a média nacional, e por maioria de razão, com os reformados búlgaros e romenos.
Desde quando o objetivo é nivelar por baixo?


Estas e outras lamentações fomos trocando enquanto descíamos a rua de S.Bento.
Mas o objetivo da manifestação era recordar á nova assembleia da Republica o interesse público de reversão do processo da subconcessão e, de caminho, recordar  a justiça da reposição do contrato dos complementos de reforma.
Por isso a conversa se animou, desde comentários jocosos aos exames próprios da idade  e ao exito dos tratamentos subsequentes, até às curiosidades dos resultados eleitorais.
Que afinal, se se mantivesse a distribuição de votos das eleições de 2011, o PSD terá tido 1598479 votos (e 484032 para o CDS, ainda acima da CDU), portanto abaixo do PS que, provavelmente, foi o partido mais votado.
Outra coisa é o número de mandatos. Mas aqui põe-se a questão da sua atribuição.
A PAF teve 2 milhões de votos e 107 mandatos, o que dá 19463 votos por cada mandato.
Os 3 partidos de esquerda tiveram 2,7 milhões de votos e 122 mandatos, o que dá 22496 votos por cada mandato.
Claro que isto acontece porque a eleição é por círculos distritais e em cada círculo os partidos menos votados vão perdendo votos que não elegeram ninguém (então no norte do país...).
Ora, se se repescassem os votos perdidos para um círculo nacional de modo que aos 3 partidos também bastasse 19463 votos para eleger um deputado, então o número de deputados que eles obteriam seria 141...
Também se poderia argumentar que a abstenção foi o partido mais votado e que os brancos e nulos também podiam eleger lugares vazios, mas a discussão não tem fim.
O teorema dos critérios éticos dos resultados eleitorais diz que a justiça da representação dos eleitores é um problema indeterminado... mas que diabo, a lei eleitoral ainda podia melhorar-se, nomeadamente com o voto preferencial...

E eis que chegamos ao largo da Assembleia e a uma agradável surpresa. Tínhamos cadeiras para nós, os velhos, que depois de uma natural hesitação aproveitámos.
Surgem os moços e as moças das televisões.
Estão todos os canais informativos e não consigo escapar a uma das repórteres "porque está aqui? é verdade o que diz a palavra de ordem, privatizar é roubar?"
E tenho de lhe responder, sabe, o senhor secretário de Estado que diligenciou as subconcessões não esteve como nós a trabalhar quase 40 anos no metro e não contactou como nós com os nossos colegas dos metropolitanos dos outros países e não sabe que os indicadores do nosso metro estão ao nível dos outros.
E que portanto uma empresa privada que é obrigada a dar dividendos aos seus acionistas, os quais se estão nas tintas para saber se os passageiros vão apertados ou não e se têm de esperar muito ou pouco tempo, tem de apresentar lucros que não podem ser menores do que o diferencial de eficiencia entre a gestão privada e a gestão pública. Ora, como os indicadores da gestão pública estão ao nível do que se faz lá fora... a bon entendeur...
E depois, sabe, o senhor secretário de Estado devia conhecer os resultados negativos da experiencia inglesa de privatizações dos transportes do tempo da Thatcher. Os poderes públicos assumiram a gestão e os investimentos dos Transportes de Londres.
Mas em Portugal, com o governo de Passos, foi a obsessão privatizadora que se viu. Esperemos que ainda se vá a tempo, porque eu fiz umas contas. Se o subconcessionário respeitar o caderno de encargos no primeiro ano terá um prejuízo de 9 milhões de euros  (o subconcessionário só fica com 30% das receitas e 1,5€/carruagem.km , o que não dá para cobrir as despesas nas mesmas condições que até aqui se têm cumprido).
Além de que os contribuintes terão de continuar a pagar os encargos financeiros.
Quer isto dizer que o subconcessionário irá aproveitar nos anos seguintes os alçapões que estão no caderno de encargos, e cortará no pessoal, na manutenção e na qualidade da exploração dos comboios.
Sabe, foi por isso que se fizeram as antipáticas greves. E olhe que eu farto-me de dizer que se devem fazer as greves mas sem prejuízo da circulação.
Mas tudo isto não quer dizer que não possa haver subconcessões de transportes a privados. No metro do Porto, por exemplo, a exploração e a manutenção sempre foram por concessão a privados.
Mas no metro de Lisboa, que desde sempre se equipou com pessoal e meios físicos para cobrir todos os campos, desde a exploração à manutenção e ao projeto (sabe que neste momento estamos a fazer projeto para o metro de Argel e algumas linhas novas do metro de S.Paulo? estamos a contribuir para o equilíbrio da balança de pagamentos...), não tem tento nenhum, contratar um subconcessionário.
Eu não tinha à mão, para mostrar à simpática entrevistadora, os números comparativos do metro de Lisbos e do Porto:
assinale-se o peso da dívida no metro do Porto e o relativo equilíbrio na eficiência dos dois

Pouco depois, por entre raios de sol e salpicos de chuva ligeira, e uma ou outra queixa das últimas idas ao médico, os oradores dos sindicatos e dos partidos convidados saudaram os manifestantes, recordaram que iam de seguida entregar aos novos deputados uma borracha para apagar a assinatura do contrato da subconcesão e puseram a tónica na esperança.
De que se consiga ainda reverter o processo da subconcessão, que pode concretizar-se se não se opuser uma iniciativa da Assembleia da República que se antecipe à aprovação pelo Tribunal de Contas.
De que sejam repostos os complemento de reforma e que essa medida seja integrada na melhoria geral da população portuguesa.
E de repente, contemplando a escadaria da Assembleia, e os polícias de intervenção  lá postados, ora ouvindo as conversas dos meus colegas da fila de trás, discutindo um PSA de 2,8 e outro de 4, ora relembrando com o colega sentado a meu lado, que tinha feito na euforia do 25 de abril, o então1ºciclo, agora 6ºano, para poder progredir na carreira, graças à iniciativa dos colegas licenciados, que  levaram a exame com exito os 10 colegas que frequentaram as aulas,


dei por mim a experimentar uma sensação não de indignação, nem de revolta, nem de impotência, mas de ternura, tão somente e provavelmente por excesso de sensibilidade aos velhos de Alexandre O'Neill,    
                                Velhos, ó meus queridos
                                velhos,
                                saltem-me para os joelhos:
                                vamos brincar?


http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/12/os-velhos-de-alexandre-oneill.html




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