quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Mais um naufrágio na Figueira da Foz

Exprimo o maior pesar pela morte de mais pescadores no mar da Figueira e a solidariedade para com os familiares.
Nas ligações seguintes pode ver-se como tratei o anterior naufrágio na barra da Figueira:

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/11/naufragio-na-figueira-da-foz-4-mortes.html

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2014/04/porque-profissionais-experientes_24.html

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/12/as-mortes-no-mar.html

Trata-se duma zona muito perigosa com o mar com ondas de rebentação.


O perigo deriva da configuração do molhe norte.
Dado que a corrente dominante é de oeste, e que a entrada no porto, entre molhes, tem de ser feita entre 45º e 70º, oferecendo o través à rebentação.
O molhe foi prolongado para diminuir o assoreamento na foz do rio (opondo-se ao depósito de areias trazidas pela corrente dominante), mas tem efeito perigoso.
A entrada com mar agitado deve fazer-se o mais próximo possível da preia-mar mas ainda no período da enchente, quando a corrente do rio não oferece resistencia, a qual favorece a ondulação de rebentação.
O acidente ocorreu pouco tempo depois da maré baixa.
Deveria ser divulgado o relatório do acidente.
Já se sabe que as vítimas não usavam colete de segurança.
Devia ser obrigatório.
Por razões económicas (a venda do peixe é sempre a preço baixo porque concorre com peixe importado sobre o qual não é aplicada a taxa de carbono que deveria penalizar o transporte longo) o equipamento de segurança (coletes, vestuário isotérmico, balizas de radio alarme) deveria ser subsidiado.
Deveriam realizar-se cursos de segurança para os pescadores (por exemplo, o uso de vestuário de lã sem vestuário isotérmico e de botas de cano alto é altamente perigoso).
As embarcações deveriam ser inspecionadas garantindo que os equipamentos e redes de pesca e a carga de peixe sejam sempre bem acondicionados e de modo que o centro de gravidade da embarcação não ultrapasse o centro de impulsão (metacentro) nem se desloque para um dos bordos. Por razões económicas, muitas vezes o peixe é transportado em condições desfavoráveis para  a estabilidade da embarcação, com a agravante de a popa ser aberta (risco de "emborcamento" de água em ondulação de período curto com rebentação.
As condições das seguradoras não deverão nunca ser desresponsabilizadoras em caso de falhas dos armadores ou dos pescadores.
Deverá ser estudada forma de redução da rebentação (dragagens para maior profundidade, prolongamento do molhe norte, construção de molhes amortecedores paralelamente à costa, maior rigor no fecho da barra...).
Não se divulgando um relatório que contemple todas estas questões continuaremos à espera que este tipo de tragédias se repita.
Ainda em agosto deste ano se afundou uma traineira a alguns quilómetos a sudoeste da Figueira, em dia de mar calmo e com visibilidade. Morreu um pescador, não foram divulgadas as causas. Nada se fez depois do naufrágio de novembro de 2013.
Assim é difícil reduzir o número de mortes no mar.

PS em 8 de outubro - segundo testemunho de um dos sobreviventes, o pescador que se agarrou ao casco da embarcação gritou para os colegas que estavam na balsa que não sabia nadar. Não é admissível que se passem cédulas profissionais aos pescadores quando não sabem nadar. Juntamente com a falta de coletes de segurança e e vestuário isotérmico, estão reunidas as condições para o desastre.
Segundo o presidente da câmara da Figueira, o salva-vidas Patrão Macatrão estava inoperacional por avaria.
fotografia de 2007 do salva-vidas


Consta que o marinheiro (Carlos Santos, agente da polícia marítima) que salvou os dois sobreviventes com a mota de água, e que é de louvar, estava de licença, por isso demorou 1 hora, mas o ISN não tinha ninguém de prevenção. Parece portanto tratar-se de um caso de falta de meios eventualmente decorrente de cortes orçamentais ou dos desencontros entre a Autoridade Marítima e a Marinha. (De referir que antigamente existiam canhões-lançadores de cabos com boia para os náufragos).
A solução para o molhe (ampliação no sentido do sudoeste e de maiores profundidades para escapar à zona de rebentação) é possível, dado que os fundos são inferiores a 30m até 2 ou 3 km de distancia, mas são obras caras, pelo que se deveria submeter o respetivo projeto a  fundos comunitários. A dragagem permanente da atual entrada no porto não me parece eficaz dada a força das vagas. 
Para além da pesca, o porto da Figueira tem importancia como ponto de passagem da pasta de papel das celuloses da zona e de combustíveis. Difícil portanto de justificar a ausencia de meios em prevenção em dia de mar agitado, o que deverá ficar esclarecido no inquérito.
A estudar a forma de armazenamento da carga nos arrastões, o fecho da popa, a instalação de ancoras flutuantes articuladas (para não embaraçar as hélices, com o objetivo de orientar a embarcação perpendicularmente às ondas, com a condição da popa ser fechada e da carga estar equilibrada, fixada e sem agravar o centro de gravidade)...

proposta de ampliação dos molhes até fundos maiores para evitar a rebentação das ondas; o molhe a traço interrompido não é imprescindível; a ideia seria o aproveitamento da área para porto interior ou terrenos para industria ou com fins turisticos
PS em 11 de outubro - Reproduzo, retirado do site Figueira na hora, a série de 14 fotografias de Paulo Octávio, que se encontrava no molhe sul na altura do acidente. Penso que estas imagens serão essenciais na realização do inquérito e na determinação das causas e circunstancias do acidente. Mantenho que, independentemente do estado dos inquéritos, devem discutir-se as questões relacionadas. Os inquéritos não deverão buscar culpados, mas principalmente produzir recomendações que evitem a repetição dos acidentes. E isso vai desde a questão do uso dos coletes, vestuário isotérmico, equipamentos de alarme, requisitos como saber nadar, condições das embarcações em termos de imunidade à penetração de água, à correta fixação das cargas e equipamentos, ao controle do fecho da barra em função do estado do mar, à prevenção e natureza dos meios de socorro, incluindo a resolução do conflito AMN/Proteção civil - Marinha, ao estudo da ampliação do molhe e às dragagens, etc...
Ver 
http://www.figueiranahora.com/actualidade/naufragio-do-olivia-ribau-em-15-imagens


era a segunda tentativa de entrada na barra; aparentemente, o mestre pretendia contornar o molhe norte no sentido NW-SE para depois virar para NE, dando o bombordo (lado esquerdo) à ondulação de oeste

aparentemente a onda terá 5 m de altura, invadiu a popa (o inquérito deverá confirmar se ela era aberta ou se permitia a entrada de água no interior da embarcação) e o lado direito (estibordo) dado o rumo que levava; 


relativamente às imagens anteriores, assinala-se o movimento oscilatório vertical

se a popa permitia a entrada de água sob pressão ou se a carga ou os equipamentos de pesca estavam mal fixados ou mal equilibrados ou se o seu peso agravava o centro de gravidade terá sido possível nova entrada de água neste momento

adornando para bombordo, o mestre terá tentado equilibrar virando a bombordo






o casco foi virando e rodando sobre o seu centro de impulsão; a embarcação está tombada sobre o seu lado esquerdo (bombordo), com a proa para o lado esquerdo da imagem; observa-se a jangada insuflável e dois pescadores



o casco rodou relativamente às imagens anteriores com aproa para a direita da imagem; observa-se o pescador que veio a falecer agarrado aos rails de estibordo; a jangada está junto da proa


Imagens do Olívia Ribau pouco tempo antes do acidente:


                                    aparentemente, a popa era aberta para o arrasto das redes, devendo o inquérito determinar se permitia a entrada de água no interior do navio, desequilibrando-o, ou se uma má fixação ou arrumação da carga e dos equipamentos de pesca terão contribuido para o adornamento da embarcação; considerando a dimensão da frota pesqueira que tem vindo a reduzir-se e o estado de muitas embarcações, impõe-se um plano de renovação com medidas de segurança que evitem estes acidentes.

Sobre as condições gerais da marinha mercante e de pesca, ver
http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?id_news=790829
de que cito:
“Em Portugal, os homens do mar estão em vias de extinção, ou quase ...“Inclinados perante a Europa, virámos as costas ao mar. País de marinheiros? A actualidade do nosso imaginário mítico marítimo dissolve-se no desprezo colectivo pelo mar. Estendidos nas praias, vemos passar navios, ao longe, cada vez mais ao longe. O mar não existe nem sequer como conceito do poder da nação.”

Sobre o desinvestimento e a falta de meios para salvamento, ver:
http://www.noticiasaominuto.com/pais/466644/mortes-em-naufragio-na-figueira-da-foz-eram-dificilmente-evitaveis

Esclarecimento no portal da Marinha sobre as condições do socorro (observo que existem mecanismos de proteção das hélices - corta-cabos, por exemplo - e canhões lança-cabos de projeção de boias que parece não estarem disponíveis; parece também não estarem disponíveis holofotes; também neste esclarecimento nada se diz sobre eventuais  restrições de meios humanos; de registar, pela positiva, que o alarme foi automático, pelo próprio equipamento de bordo, baliza de alarme por satélite COSPAS-SARSAT) :
http://www.marinha.pt/pt-pt/media-center/noticias-destaques/Paginas/Esclarecimento-da-Marinha-e-AMN-Naufragio-da-embarcacao-Ol%C3%ADvia-Ribau.aspx

Sobre aparelhos lança-cabos ver na página 17:
http://www.enautica.pt/publico/professores/jemilio/pdf/SM_II/JE-SOBREVIVENCIA&SALVAMENTO.pdf

ou em:
http://www.oreytecnica.com/images/Ficha%20Lan%C3%A7a-cabos%20Linethrower%20250.pdf

e
http://www.jgarraio.pt/index.php?main_page=index&subtemplate=mc&cPath=2_4749_4750

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