segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Acidente no término de Brooklyn do suburbano LIRR (Long Island Rail Road) em Nova York em 4 de janeiro de 2017

A probabilidade de ocorrencia de acidentes nas linhas suburbanas de Nova York tem sido baixa, apesar de tudo. No entanto, os acidentes têm acontecido com alguma frequencia e com mortes. Pelo que a situação é intolerável.
Graças às informações dos meios de comunicação social e à cultura de esclarecimento e divulgação das causas e circunstancias dos acidentes do NSTB (National safety transportation board) estão disponíveis dados concretos:

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/12/ainda-o-acidente-do-suburbano-metro.html

http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2016/10/o-acidente-em-hoboken-e-o-new-jersey.html

Infelizmente, a política de desinvestimento na manutenção e na  segurança dos transportes ferroviários no contexto do pensamento económico vigente conduz a este tipo de acidentes. Há anos que o NSTB recomenda a instalação de controle automático da velocidade dos comboios (conhecido nos USA por PTC - positive train control). As companhias vão, umas instalando faseadamente em ritmo lento, outros limitando-se a fazer programas de instalação.
Mais uma vez, no caso do acidente de 4 de janeiro de 2017, a inexistencia do controle de velocidade, na aproximação do término, permitiu que uma desatenção do maquinista, provavemente em mais um caso de síndroma do risco branco (uma espécie de estado hipnótico devido ao cansaço e à rotina) conduzisse ao choque do comboio com o batente. O comboio aproximou-se da estação baixando a velocidade de 54 para 24 e depois 3 km/h, acelerando bruscamente, provavelmetne devido a disturbio do maquinista (que referiu não se lembrar desses momentos) e batendo a 16 km/h.
Recordo que no descarrilamento de dezembro de 2013 no Bronx, o maquinista andava a tratar-se contra a obesidade com medicamentos incompatíveis com a condução. Que no acidente de Hoboken em setembro de 2016 o maquinista sofria de apneia e disturbios do sono.  Em ambos os caso a companhia nao dispunha de um serviço de medicina do trabalho para vigilancia da aptidão dos seus maquinistas. De acordo com o pensamento económico vigente, essa é uma tarefa a atribuir a empresas do exterior sem grande periodicidade. O pensamento económico vigente não aceita que o rigor da segurança entre como fator de produção no cálculo do custo de produção e do custo de venda, tal como não aceita contabilizar no custo da gasolina as externalidades que provocam a toda a comunidade, desde a poluição ao congestionamento.

No caso do acidente de 4 de janeiro de 2017 já se sabe que o maquinista entrou ao serviço às 00.16 depois de uma folga de 3 dias, que bateu às 08.20,e que o seu turno terminaria às 09.00 depois de faazer mais uma viagem. Não é preciso saber muito de medicina para saber que o cérebro humano é uma máquina que falha com maior probabilidade em circunstancias como esta (9 horas a conduzir?! deviam pôr um representante do pensamento económico vigente a conduzir 9 horas seguidas, para ver se ele percebia). A companhia LIRR diz que vai aplicar aos seus maquinistas o programa de saúde que a Metro North contratou com uma empresa de fornecimento de serviços médicos  para os seus 483 empregados.
A solução correta, para além da medicina do trabalho, é a instalação do controle automático de velocidade, que as companhias dizem que vão instalar, o mesmo tempo que reconhecem que não têm fundos para isso.
É claro que o pensamento económico vigente diria que a solução é a condução automática sem maquinista. Para além de falta de respeito para com os maquinistas e para com os passageiros (deve haver sempre pessoal de serviço perto dos passageiros) o pensamento económico vigente não compreenderá que deverá haver sempre competencias para ir buscar um comboio quando avaria o sistema automático, sendo que é necessário manter horas de serviço para não perder a prática.
Sobre a problemática da síndroma de desatenção dos maquinistas, transcrevo parte de um relatório de uma acidente na Bélgica, repetindo a necessidade de instalação de um sistema de controle automático da velocidade, que talvez ajude a compreender pela seguradora o caso sucedido no metropolitano de Lisboa, no término do Aeroporto ao bater no para-choques, existindo uma analogia entre sinais de aproximação e procedimentos de fim de linha num término:


"A presença de sinais repetidores ou de aproximação de um sinal proibitivo previne o maquinista de que o sinal seguinte estará provavelmente fechado. Isto permite-lhe adaptar a velocidade e desencadeia um mecanismo de atenção para procura do referido sinal anunciado, baseado no conhecimento que o maquinista tem do percurso e da distância normal entre o sinal de aproximação e o sinal principal. Mas esta informação “sinal de aproximação” fica registada na memória de curto prazo, que não conserva as informações senão poucos segundos. Isso não tem importância normalmente, mas pode potenciar um acidente se antes do sinal principal ocorre um acontecimento que distraia a atenção, que até pode ser de serviço, ou uma paragem imprevista ou mesmo programada ... ... ... ... ...  ... ... ... ... ... ... ...
Um estudo da SNCF, a partir dos dados registados  nos encravamentos, mostrou que 46% dos jovens maquinistas que tinham ultrapassado sinais proibitivos o fizeram julgando que estavam permissivos. O estudo confirmou que não se tratava de desculpas mas sim o refazer de uma coerência retrospetiva pela memória da situação e sua perceção fisiológica. Isto é, é feita subconscientemente uma compatibilização entre a interpretação errónea da situação (a via está livre) e a cor simbólica associada (sinal verde). Os maquinistas, como qualquer operador de máquinas, apercebem-se de, e agem, em função da sua própria representação mental da situação, e não da situação real. A consciência de uma situação real, enquanto “representação global e coerente da situação, exige uma contínua reatualização e reavaliações periódicas da situação” (Sarter and Woods, 1991). A representação mental é bem mais do que a simples integração dos estímulos recebidos. De facto, o operador filtra a realidade e esquematiza-a guardando apenas as informações que julga essenciais para compreender e agir.
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É indispensável equipar a infraestrutura ferroviária belga com um sistema automatizado  para controlar a velocidade dos comboios e obrigar as empresas ferroviárias a compatibilizar o seu material circulante com esse equipamento"

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