segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Da Portela ao Montijo passando pelo Barreiro

Meu caro colega e amigo


Estamos em desacordo porque, como bom montijense, apoia a decisão do aeroporto do Montijo e eu não.
Mas estar em desacordo não tem nada de mal. Antes pelo contrário, como diria Oscar Wilde por outras palavras, uma vez que é grande a probabilidade de todos estarem errados, porque todos estão de acordo, enquanto quando alguns estão em desacordo a probabilidade de alguns estarem certos é muito maior.
O que provavelmente se verificará neste caso do "aeroporto Mário Soares " (nunca fui fã do senhor, mas acho impróprio dele darem-lhe o nome a um aérodromo enquanto aeroporto civil). 
E claro que estamos de acordo que  a Ota era um desastre. Segundo um artigo dum piloto aviador na Ingenium, nos anos 80 a força aérea, ao estudar a logística para os F16 libertou a Ota por ter más condições meteorológicas, e o primeiro ministro da altura, sem ter nenhum acesso de dúvidas, achou que era bom para o NAL; depois veio outro senhor primeiro ministro que enterrou melhor a ideia, possivelmente na expetativa de grandes mais valias dos terrenos à volta.
Já não estaremos tanto de acordo quanto ao "não há dinheiro". Certamente que não haverá se não renegociarmos (não, não vou escrever a dívida) a ressureição dos fundos de coesão ou o reaproveitamento dos fundos do CEF e do Juncker (vá, podemos pôr a tocar o "impossible dream"), mas os números seguintes dão que pensar: 
pagamos ou compramos por ano, em milhões, 8000 de juros, 5000  de automóveis novos e jogos legalizados, 1500 de automóveis usados importados, 3600 com viagens de pessoas, 7000 de combustíveis fósseis importados (e ainda querem baixar os impostos ou manter as rendas aos senhores das centrais de carvão e gás; considere-se no entanto que o total de receitas fiscais é 43000 para que o setor automóvel contribui com 9000) ;  e que há dinheiro para "transacionar" jogadores de futebol por 30 a 50 milhões por jogador. Por outras palavras, dinheiro há, mas escoa-se-nos por entre os dedos com um sorriso cínico na boca dos senhores que aprovaram a PPP da ponte VG pelo dobro do custo do comparador público, e  dos senhores dos gabinetes de advogados promíscuos com o poder político que engendraram esclarecidos  mecanismos de transferência de propriedade da esfera pública para chineses, brasileiros ou franceses (curioso, desenha-se agora a transferencia do Novo Banco para o Lone Star, espelhando a transferencia da posse dos grupos  promíscuos com o BES para outros grupos que vão abocanhar as antigas glórias dos outros - interessante seguir o caso da Comporta - semelhantemente ao que se passou com o universo da SLN, o das ações valorizadas com informação assimétrica, em que as imparidades e as empresas endividadas e deficitárias ficaram para o público e o sumo ficou para a Galilei, tudo para que os mercados não se enervem - e contudo, como diria Galileu, lá se vão movendo juos negativos acurto prazo). 
Centremo-nos primeiro na concessão da ANA e depois na sua privatização. Interessante seguir os passos do senhor secretário de Estado da altura e reter a informação contida no livro "Facilitadores",  de Gustavo Sampaio sobre o gabinete de advogados que assessorou a função  https://ntpinto.wordpress.com/2014/10/02/os-verdadeiros-abre-portas/


É uma tristeza irmos de facto consumado em facto consumado pela mão de facilitadores e decisores (repare que a série "Os boys" na RTP, que tratava com humor negro este tema, foi praticamente silenciada pela comunicação social). O contrato de concessão previa que o concessionário construia o novo aeroporto. Quando se privatizou (isto é, quando se vendeu um ativo que dava dividendos , sem consultar os acionistas, que eram os contribuintes, além dos 3000 milhões terem ido para o défice em vez de reduzir a dívida, como mandam as normas), essa obrigação transitou para o novo concessionário, que não estava a contar com os atentados e a subida exponencial dos passageiros. E então subiu as taxas para conter a procura e combinou com os senhores com poder de decisão fazer um aeroportozito aqui à mão. A ser pago pelas  taxas aeroportuárias (mas o contrato de concessão não dizia simplesmente que o concessionário pagava, que para isso tinha os lucros que antes eram dividendos para o Estado?).
Lamento, mas  há demasiadas semelhanças com o terminal de contentores do Barreiro. Claro que os montijenses e os barreirenses, e os seus presidentes de câmara vêem com bons olhos estes empreendimentos, mas as leis da UE dizem que não pode haver aeroportos no meio das cidades, por causa da lei do ruído e por razões de segurança (a rota de aproximação da Portela, com vento dominante norte passa por cima de 4 hospitais, um deles psiquiátrico, Kafka não se lembraria de melhor). Além de que está por explicar como se garantem os 76 movimentos (48 + 24) com esse tal de e-merge point, para o qual não estão preparados muitos aviões low cost que andam por aí. Nem pensar em simultaneidade com o uso militar (mais um custo...). Dizem as regras de segurança de qualquer modo de transporte que os valores máximos não devem ser mantidos durante muito tempo, não contemos com o rendimento da bilha da Mofina Mendes. Além de que, com vento Oeste, não pensem nesses valores (ou estão a pensar aproveitar a pista ENE do Montijo no enfiamento da povoação? com a Portela fechada porque entretanto transformaram a pista NNW em estacionamento?).

Mas claro que tem razão, não há dinheiro para fazer um aeroporto a sério em Canha/Alcochete. Mesmo fazendo apenas uma primeira fase (1000 milhões de euros? a comparar com 800 milhões para o Montijo?) os custos da ligação ferroviária disparariam, subindo a fatura (mais 1000 milhões? embora fosse dinheiro ao serviço da área metropolitana e não ao serviço da Vinci). 
No entanto, a delirante linha de metro ligeiro na VG na melhor das hipóteses não ficaria por menos de 500 milhões. E em quanto vai ficar a aquisição de novos barcos e a construção de novos cais? Não esquecer a reparação do pontão avariado há anos no Terreiro do Paço. Também podemos pensar na reativação do ramal ferroviário do Montijo, com a consequente concordância no Pinhal Novo e a sobrecarga da linha do Algarve e da ponte 25 de abril.
Se tudo correr de feição para os empreendedores do Barreiro, vamos ter colisão de rotas fluviais com o terminal do Barreiro. Ou então conta-se com mais umas verbas para dragar a uma taxa mínima de assoreamento de 0,5 milhões de m3 por ano um novo canal de 2000 m com 3 m de profundidade em fundos  atualmente de sonda nula relativamente ao zero hidrográfico para as ligações fluviais ao Montijo.  A  4€ o m3 de dragagem dá  2 milhões de euros por ano, mas provavelmente sou eu que sou um exagerado.

Em síntese, direi que tudo o que se gastou ou vai gastar nas cosméticas da Portela (a propósito, não fazem os 1400 m de taxi way para evitar o cruzamento da pista principal? concordo que é caro, mas se querem "puxar" o aeroporto da Portela ao máximo ...) e nos 5 anos do que eu considero de dinheiro mal gasto no Montijo e nas ligações a Lisboa, deve ser descontado ao orçamento para um aeroporto a sério, de várias pistas construidas faseadamente. Assim ficamos com a ideia que o dito aeroporto não ficava tão caro como dizem, ou que só quem tem dinheiro pode poupar.

Um abraço desanimado

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